O idoso e a saúde
Cid Pimentel e Sylvain Levy
Pesquisador em saúde pública
Médico-sanitarista e psicanalista da SPB
Correio Braziliense
"Um pai consegue cuidar de 10 filhos.
Dez filhos não conseguem cuidar de um pai."
Ditado judaico
Os demógrafos dizem que a pirâmide etária do Brasil está mudando. Os políticos e administradores afirmam que a população está envelhecendo e a nossa percepção evidencia que existem muito mais idosos vivendo entre nós. Resultado do progresso das ciências e da medicina, o aumento da longevidade das pessoas não vem se traduzindo em aumento de cuidados com essa faixa da população, que ainda é tratada com condescendência, recebendo benesses, mas não usufruindo dos direitos a que têm direito e que fez por merecer.
Dos 190 milhões de habitantes recenseados pelo IBGE em 2010, cerca de 20,5 milhões têm 60 anos ou mais, constituindo 10,8% da população. A fragilidade desse grupo pode ser demonstrada por alguns números relacionados com a mortalidade por causas externas (acidentes, violências e suicídios). Apesar de serem menos de 11% da população, quase 17% das causas externas de óbito incidem sobre esse grupo. Os acidentes de transporte alcançam 15% do total e, simbolizando tanto a fragilidade como a dificuldade em ministrar cuidados de saúde a essas pessoas (ou, quem sabe, o descaso mesmo), 65% das mortes devidas a complicações da assistência médica e cirúrgica concentram-se nos integrantes dessa faixa etária.
Das 6.363 internações por fratura de fêmur pagas pelo SUS em 2011, 2.872 (45%) ocorreram em pessoas com mais de 60 anos. Alguns podem dizer que é assim mesmo. Que existem situações de vida em que os acidentes e as doenças são mais frequentes. Mas também se pode indagar se não é possível fazer algo a respeito. Não se pode negar que normas são editadas para atender a essa faixa etária, já responsável por mais de 22% do consumo no país (ou seja, seu consumo é o dobro de seu peso populacional).
Leis favorecendo o idoso — como prioridade em filas e em vagas para estacionamento e gratuidade em transporte — existem, mas qual administrador público se preocupa com medidas simples como a altura dos degraus do ônibus e dos meios-fios para facilitar a subida no transporte público? São adotados programas de vacinação para a terceira idade, entretanto os dados disponíveis no site do Datasus, do Ministério da Saúde, apontam que muito ainda deve ser feito para que as pneumonias deixem de ser um problema.
Antes da adoção do programa de imunização, em 2001, ocorreram127.141 mil internações por pneumonia na rede SUS, representando 15,33% do total. Em 2011, já com o programa em execução, as internações subiram para 206.493 mil, 30,7% do total de 829.345 hospitalizações. Nos óbitos, igual fenômeno ocorreu. Em 2000 as pneumonias foram responsáveis por 17.975 mortes, ou 1,23 óbitos por grupo de mil habitantes na faixa etária considerada. Para 2010, esse número quase dobrou, atingindo a cifra de 2,08 óbitos por mil habitantes com mais de 60 anos.
O progressivo e natural desgaste orgânico, que se reflete no aumento da incidência de doenças comuns ao envelhecimento, como as insuficiências cardiorrespiratórias, o diabetes e o câncer — que são assistidos (bem ou mal) pela rede de serviços de saúde — podem ser minorados se uma política e, mais que isso, se um conjunto de atividades de promoção de saúde for considerado pelos governos federal, estaduais e municipais, como de importância para essa população.
Além dos comprometimentos físicos, o isolamento e a solidão são males que afetam profundamente a saúde do idoso e sua qualidade de vida. Maior atenção aos projetos construtivos de móveis e imóveis — tanto dos equipamentos públicos como dos particulares — eliminando quinas e reentrâncias, diminuindo o tamanho e a declividade dos degraus, fixando tapetes e passadeiras, dotando banheiros e escadas de barras de apoio e corrimões são medidas que favorecem a vida dos idosos.
Ao lado da instituição de grupos terapêuticos para diabetes e hipertensão, entre tantos que já são feitos nas redes de assistência à saúde, programas específicos de socialização e entretenimento nas áreas de esporte, artes ou lazer puro e simples podem ser realizados nos centros de saúde já existentes, em escolas, quartéis de bombeiros e da PM ou em praças públicas, utilizando-se os recursos humanos disponíveis. Não se afasta a necessidade de instalação de casas de repouso, abrigos ou asilos ou de adoção de medidas de cunho tributário, como a isenção do pagamento de Imposto de Renda sobre o salário recebido pelos contribuintes com mais de 75 anos.
Nem o envelhecimento precisa ser encarado como doença nem o velho como deficiente, mas como característica do viver, da pessoa e da vida, que pode e deve ser vivida com atenção, cuidados e dignidade. Essas idéias não são novas, apenas precisam ser postas em prática. Como dizia Marx há mais de 150 anos, "os filósofos apenas interpretam o mundo, a tarefa real consiste em modificá-lo".
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