domingo, 22 de janeiro de 2012

O engessamento dos empregos


Veja

Sob o pretexto de proteger os funcionários, nova lei ameaça criar entraves à saudável expansão do trabalho feito de casa 

Existem hoje no Brasil 236 milhões de linhas de celulares ativas, um número superior ao da própria população (192 milhões de pessoas), e a internet chega a 40% dos brasileiros. Um dos motores do avanço da chamada tecnologia da informação no país são as empresas. Hoje, os funcionários de uma empresa moderna precisam estar conectados - com seus chefes, colegas e clientes. Essa tecnologia, além da interconexão, permite que um número crescente de pessoas trabalhe, ao menos em parte de seu expediente, fora do escritório. Estima-se que 11 milhões de brasileiros sejam adeptos do "teletrabalho", como é conhecida a prática de trabalhar em casa.  Mais que uma comodidade para os funcionários, essa prática está associada, em diversos países, ao aumento da produtividade. Os empregados deixam de perder horas preciosas e desgastantes no trânsito e podem ficar mais perto de seus familiares.


Estudos em diferentes empresas demonstram que o programa de teletrabalho, quando implantado corretamente e com metas claras a ser cumpridas, aumenta entre 15% e 55% o rendimento do funcionário. Por fim, o teletrabalho tem sido estimulado mundo afora como 
uma maneira eficiente de reduzir os congestionamentos e as emissões de carbono pelos automóveis nas grandes cidades. Mas toda essa inovação acaba de se chocar, no Brasil, com a antiquada Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), editada em 1943 sob a ditadura de Getúlio Vargas, em um mundo no qual a internet não era coisa nem de ficção científica. Um artigo acrescentado à CLT, no fim do ano passado, afirma que a utilização de celular e de e-mail para tratar de assuntos do emprego caracteriza relação de trabalho mesmo fora do ambiente da empresa. Tal artigo abre uma brecha para a interpretação de que o uso de celular ou e-mail, mesmo que de forma pontual, configura jornada suplementar, o que pode acarretar custos enormes para as empresas com o pagamento de horas extras. "É um caso exemplar para demonstrar quanto as leis brasileiras estão descasadas da realidade”, diz Emerson Casali, gerente de relações do trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Segundo  especialistas, essa interpretação equivale a uma empresa querer fazer um desconto no salário do funcionário cada vez que ele atender a  uma ligação da família ou responder a um e-mail pessoal dentro do escritório.       

    
Essa nova lei promete elevar ainda mais o número de processos trabalhistas que correm nos tribunais brasileiros. São abertos, em média, 2 milhões de ações a cada ano. Nos Estados Unidos, segundo o sociólogo José Pastore, o número não passa de 75000. É a prova cabal de que a lei serve para criar insegurança jurídica, aumenta os custos das  empresas e assim restringe a expansão do emprego formal. Uma empresa que presta serviços de tecnologia, em que as  tarefas podem ser executadas por meio de computadores e a distância, é tratada da mesma forma que outras que necessitam da presença física dos funcionários. "Se houver cobrança generalizada de hora extra, a nova lei poderá reduzir contratações e a flexibilidade no horário de trabalho", resume Luis Mário Luchetta, presidente da Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação. Na Ticket, companhia que presta serviços na área de alimentação, 150 funcionários da área comercial possuem liberdade para executar suas atividades de casa. A economia gerada com o programa chega a 3,5 milhões de reais desde 2005, graças à redução de despesas com o espaço físico, por exemplo. "O mesmo funcionário hoje tem média uma visita e meia a mais a clientes por dia. No fim do mês, são 1770 visitas a mais. Em vez do horário, cobramos metas de desempenho", diz Dalva Braga, diretora de vendas da Ticket. É essa vantagem, que se traduz em benefícios para empregado e empregador, que ficará ameaçada, a depender da aplicação que os juízes do Trabalho farão desse novo artigo da CLT.


Com medidas como essa, a economia brasileira continuará perdendo posições nos rankings que medem a competitividade dos países. Segundo o Fórum Econômico Mundial, entre 142 nações avaliadas, o Brasil fica na posição de número 121 no que diz respeito à flexibilidade das leis trabalhistas. Enquanto isso, três em cada dez trabalhadores seguem na informalidade.

COM REPORTAGEM DE ANA LUIZA DALTRO E ÉRICO OYAMA
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