terça-feira, 17 de janeiro de 2012

MEU BRASIL DIFERENTE

MEU BRASIL DIFERENTE 
Ives Gandra
26/04/2000 

Estou convencido de que temos o privilégio de viver em um país diferente. Em 1989, fui proferir palestra na Universidade de Coimbra e aproveitei a viagem para rever a França, que comemorava os 200 anos da Queda da Bastilha e da Revolução Francesa. E, apesar de aquele movimento ter ocasionado o maior banho de sangue de sua história, só encerrado com a morte de Robespierre, em 1794, a França estava em festa pelo significado desses eventos e não pelos abusos que a seu pretexto foram praticados. Em 1987, os Estados Unidos comemoraram os 200 anos de sua Constituição de 7 artigos, que, escrita por cidadãos comuns --embora hoje chamados de pais fundadores-- ainda rege a vida de uma sociedade que evoluiu de mera comunidade agrícola para a nação mais rica do mundo. A sua Constituição sofreu apenas 26 emendas, em 213 anos de existência. À evidência, a Constituição americana não foi escrita no estilo da “Constituição Cidadã”, redigida por gênios constituintes e que já mereceu, ao longo dos últimos 12 anos, 33 emendas. Nossa Carta possuía 315 artigos –hoje tem mais de 320-- em 1988; a deles, apenas 7 artigos. É que o Brasil é um país diferente, composto de idôneos burocratas, fiscais incorruptíveis, dignos parlamentares, honrados dirigentes do Poder Executivo, promotores acima das ideologias e jornalistas imparciais. Temos o hábito salutar de discutir, de escrever, de fazer leis, de mudá-las e não poderíamos jamais nos contentar com os modestos 7 artigos e 26 emendas da Constituição de um povo medíocre, como o americano, que tem, inclusive, o fantástico defeito de admirar a iniciativa privada, que gera desenvolvimento e empregos, sem ter inveja de seu sucesso. O Brasil, não. Em vez de comemorarmos, como fizeram os franceses e americanos comuns, em relação aos 200 anos de dois fatos de sua história, nós aproveitamos a efeméride dos 500 anos do descobrimento para protestar, porque somos diferentes. A contestação é a forma que encontramos para demonstrar a superioridade de uma elite intelectual, que não pode se conformar com o sucesso dos que triunfam, nem deve se interessar pela geração de empregos ou de desenvolvimento, que possam produzir, também, abomináveis lucros aos empreendedores, que é a deletéria marca do capitalismo. Riqueza e desenvolvimento, como na Europa ou nos Estados Unidos, nem pensar, pois poderiam beneficiar também alguns brasileiros e estrangeiros, o que, num país pobre como o nosso, seria injusto. Não vale a pena fazer do Brasil um país rico, pois nossa dignidade e superioridade em relação às outras nações está na pobreza. Por esta razão, não queremos que os pobres enriqueçam; mas sim que os ricos empobreçam. E, para isto, contamos com instrumentos notáveis, ou seja: políticos honestos, burocratas incorruptíveis, fiscais da lei que nunca se deixam levar por suas próprias ideologias, uma imprensa absolutamente imparcial, na busca de um ideal comum-- o que garante ao brasileiro a certeza absoluta de que, com gesto de tal envergadura e probidade, a segurança pública, a saúde, a educação, as aposentadorias, os transportes e os serviços públicos, continuarão da mesma qualidade atual. Somos um país pobre, mas todos estes dignos representantes pagos pelo povo, trabalham com bastante esmero e devoção para continuarmos assim. Veja-se, por exemplo, algo que realmente impressiona. A Constituição brasileira fala que o princípio da moralidade deve nortear toda a ação do Poder Público, mas todos os políticos aplaudem projeto de emenda constitucional que está sendo votado para que o Estado possa dar um “calote”, no povo, de 10 anos. Vale dizer, os Governos pagarão o montante a que foram condenados e cuja adimplência retardam já há muito tempo, em suaves prestações ao longo de 10 anos, embora não tolerem --o que é louvável-- que os contribuintes atrasem um dia sequer o pagamento de suas dívidas. O calote, portanto, só é imoral se praticado pelo cidadão. É, entretanto, admirável se praticado pelos detentores do Poder, cujas aposentadorias são, pelo menos, dez vezes maiores do que os proventos que recebe o cidadão comum - o que se justifica, pois o Poder é digno. Quase todos os governadores e prefeitos, no Brasil, não pagam precatórios, mas, com exceção do Prefeito de São Paulo, que também deixou de pagá-los, os demais são excelentes administradores que moralizam a administração pública não honrando suas dívidas e propondo emenda para dar continuidade a seu admirável calote. A cidade de São Paulo --que tem os mais impolutos vereadores do país, pois os únicos com coragem de promover o “impeachment” de um Prefeito a partir da união indissolúvel da OAB com o Ministério Público-- deverá afastar o Chefe do Executivo Municipal por suspeita de suborno dos próprios vereadores --ato imoral inquestionavelmente-- embora nenhum vereador admita ter sido subornado!!! Ao ver tanta pureza, nos 500 anos de meu país diferente, fico tranqüilo, pois sei que, com exceção do Prefeito de São Paulo --que merece ser punido por fazer o mesmo que quase todos os outros governantes e políticos fazem-- jamais tivemos uma nação tão incorruptível e tantas pessoas honradas, a seu serviço. Todos os nossos homens públicos, com exceção do Prefeito de São Paulo, são magníficos exemplos de probidade administrativa, o que nos dá a segurança de que nada mais necessitamos. É bem verdade que Roberto Campos, inexplicavelmente, afirma: “o Brasil não corre nenhum risco de melhorar”. E eu pergunto: precisa?
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