sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Tão perto, tão longe

 HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP


SÃO PAULO - O sujeito passa mal na rua diante de um pronto-socorro, mas não consegue atendimento porque não está nem perto o bastante para ser carregado pelos enfermeiros nem longe o suficiente para que se acione o serviço de ambulância.

Se fosse no cinema, o roteirista seria tachado de mirabolante e inverossímil, mas, na vida real, o fenômeno não só acontece como se repete com alguma frequência.

A porta de um hospital é terra de ninguém. As rotinas de atendimento não antecipam que se apanhe o paciente na rua, e algumas chefias interpretam a ausência de previsão como proibição, que pode ser implementada a ferro e fogo, em especial se o paciente é um mendigo.

Dizem, não sem uma pontinha de fundamento, que, se algo acontecer no trajeto entre a rua e o pronto-socorro, o funcionário que faz o transporte é que seria responsabilizado.

Pelo manual, caberia ao Samu realizar a transferência do paciente, mas este serviço muitas vezes alega -e com razão- que tem coisas mais importantes para fazer do que carregar para as dependências do hospital alguém que já está à sua porta.

No fundo, temos aqui o dilema essencial da burocracia. Se, de um lado, sistemas dependem de rotinas e padronizações para funcionar bem, de outro, a aplicação mecânica e

irrefletida de regras (ainda que razoáveis) pode engendrar verdadeiros absurdos, como deixar um paciente grave sem atendimento.

O problema não se limita a hospitais. Uma boa receita para produzir o pior dos mundos é aplicar com máximo zelo todas as leis vigentes.

A solução para evitar esses paradoxos, além de rever e aprimorar continuamente os protocolos, é deixar que as pessoas usem o seu bom-senso. Na média, ele mais acerta do que erra.

Essa ao menos foi a aposta da natureza, ao dotar os humanos de cérebros capazes de comportamento flexível, isto é, de responder de forma diferente a diferentes situações.
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