ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
FOLHA DE SP
Não sei até quando bater na "velha mídia" vai garantir às empresas de web essa pose de revolucionárias
Em meio ao tiroteio, os astutos políticos americanos decretaram: "Meia volta, volver!". Aconteceu nesta semana. Grandes empresas e organizações da internet lançaram uma campanha virtual contra dois projetos de lei antipirataria que estavam a ponto de ser aprovados, com facilidade, no Senado e na Câmara dos EUA. Webativistas do mundo todo abraçaram a causa.
A primeira a perceber a virada da maré foi a Casa Branca. No sábado, disse em comunicado que não apoiaria leis que "ameaçassem uma internet aberta e inovadora".
Deputados e senadores vieram na sequência. Passaram a esconjurar os dois projetos, conhecidos pelas siglas "Sopa" e "Pipa" (é só coincidência que essas palavras queiram dizer alguma coisa em português).
Com apoio de Hollywood e do que restou das grandes gravadoras, "Sopa" e "Pipa" comporiam, em tese, uma nova legislação de combate à pirataria na web. Mas, na visão dos empresários e/ou pensadores do Vale do Silício, sede das grandes corporações on-line, também causariam um cerco brutal ao fluxo livre de informações na rede.
Sites americanos poderiam ser condenados se trouxessem qualquer link para endereços em que a pirataria rola solta, como thepiratebay.org ou isohunt.com. Por exemplo: se você procurasse no Google "como baixar filmes de graça" e a busca indicasse um site de pirataria, o Google poderia ser punido.
Até os provedores de acesso estavam na mira. Com uma simples ordem do "attorney general" (misto de ministro da Justiça e procurador-geral), eles poderiam ser obrigados a bloquear endereços de pirataria. Se alguém digitasse thepiratebay.org, receberia a resposta: "Esse site não existe".
Diante de tantas ameaças, o Vale do Silício caprichou na grita.
Na quarta passada, a Wikipedia pintou de preto sua página principal, em inglês, e praticamente saiu do ar. Google, Yahoo, Twitter e muitos outros também engendraram alguma forma de protesto.
O site da revista "Wired", há décadas a porta-voz do Vale, saiu com partes de seus títulos principais cobertas por tarjas. Era uma alusão à vocação censora dos projetos de lei.
Clicando na manchete da "Wired", chegava-se a um editorial explicando a revolta. O texto tinha a linguagem guerrilheira típica da publicação. Com desdém, referia-se a gravadoras e estúdios de Hollywood, apoiadores das novas leis, como "Big Content" -ou seja, os grandes produtores de conteúdo.
É o jeito "Wired", tão influente e clonado mundo afora, de descrever a realidade atual: a "velha mídia", paquidérmica e desorientada, sofrendo bombardeio dos arautos do novo, vindos do Vale do Silício.
É um discurso de forte apelo romântico, sedutor para a juventude "hi-tech" que se vê como franco-atiradora contra as velhas corporações "do mal". Mas cabe perguntar: até quando Google (valor de mercado: US$ 186 bilhões), Facebook (US$ 70 bi), Yahoo (US$ 19 bi) e outros vão conseguir posar de "angry young kids", os garotos revoltados contra o status quo?
Mesmo a Wikipedia -que não tem fins lucrativos, não aceita anúncios, nem transformou seus fundadores em bilionários- ainda merece essa marca de ponta de lança revolucionária? Será que sua influência colossal já não a credencia a um posto no "mainstream", no establishment das comunicações?
Não sei até quando bater no moribundo "Big Content", na chamada "velha mídia", vai garantir às empresas de web da Califórnia essa pose de revolucionárias.
O discurso vanguardista da "Wired", ela própria um império editorial, tem muito de hipócrita. Os "revolucionários" Google, Facebook, Yahoo etc. também são conglomerados bilionários, como são/foram os estúdios de Hollywood e gravadoras. Têm as mesmas aspirações monopolistas, são igualmente obcecados pelo lucro (e esta não é uma crítica, é só uma constatação).
Já são um novo establishment, que pressiona com sucesso a Casa Branca e faz com que políticos, em um passe de mágica, mudem de opinião e posem de defensores da liberdade de expressão.
Claro que os políticos só pensam em seus próprios interesses e em se reeleger. Mas, em sua face visível ao grande público, seguiram 100% a cartilha que a "nova mídia" lhes impôs. Repetiram direitinho o discurso libertário que pega bem com o eleitorado jovem e os hipercapitalistas do Vale do Silício. A pose adolescente das corporações do mundo on-line vive seus últimos dias. Quem manda agora são elas, e seria honesto assumirem isso.
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