quarta-feira, 9 de maio de 2012

Indústria, câmbio e política fiscal




AFFONSO CELSO PASTORE
O Estado de S.Paulo 


O governo quer estimular a indústria e optou por enfraquecer o real, intensificando as intervenções no mercado de câmbio. Será que consegue manter o real mais fraco? Será que com isso teremos um estímulo permanente à indústria, ou um mero paliativo?

Se contar com o respaldo de um controle suficientemente forte de capitais, o Banco Central conseguirá colocar o câmbio onde o governo quiser. Desde o início de 2011 o controle de capitais vem se intensificando, e três medidas mais eficazes (entre outras) foram tomadas. Primeiro, foi colocado um recolhimento compulsório de 60% sobre posições vendidas de câmbio por parte de bancos. Segundo, foi criado um IOF de 6% sobre o financiamento à exportação, taxando inicialmente operações com prazos de 720 dias, que foi aumentado para 1.080 dias. Terceiro, o governo taxou com IOF empréstimos em bônus de até 1800 dias. A primeira praticamente impede a arbitragem. Os bancos tomavam recursos no exterior à taxa libor, aplicando os recursos (no "cupom cambial") sem risco de câmbio, e em 2010/11 ficaram "vendidos em câmbio" em torno de US$ 15 bilhões, que se somaram a outros US$ 15 bilhões de posições vendidas de estrangeiros. Foram ingressos de US$ 30 bilhões que ajudaram a valorizar o real. Os exportadores também abusaram de financiamentos à exportação por prazos muito maiores do que seria necessário para tocar o "negócio da exportação". A "desculpa" era compensar com operações engenhosas (não tanto quanto os "derivativos alavancados", em 2008) um pedaço da "sobrevalorização" cambial, mas de fato faziam operações de arbitragem visando ganhos financeiros.

A imposição dessas barreiras deu eficácia às compras do Banco Central no mercado à vista de câmbio, que depreciaram o real para próximo de R$ 1,90/US$. No gráfico anexo (base 100 na média diária de outubro de 2011) vê-se que o real se depreciou relativamente ao dólar australiano; ao peso colombiano; ao peso chileno, e ao peso mexicano, atestando a eficácia das intervenções associadas ao controle de capitais.

Porém o mundo real é um pouco mais complicado. Taxar capitais de curto prazo é muito diferente de limitar os ingressos de investimentos diretos e no mercado de ações. Estes financiam atividades produtivas, e não podem ser dispensados. Ocorre que eles são, também, ingressos que com alguma engenhosidade podem substituir parcialmente os outros ingressos barrados pela imposição dos controles. Afinal, o setor privado tem grande capacidade de descobrir novas portas de entrada. O risco, diante da dificuldade de colocar barreiras a estes ingressos é que, na impossibilidade de manter o real mais fraco, o governo busque novas medidas protecionistas.

Intervenções no mercado de câmbio são superiores a medidas protecionistas, porque afetam igualmente todos os setores, e não apenas aqueles que, devido à força dos "lobbies", convencem o governo a tomar medidas como: a elevação do conteúdo nacional de alguns produtos; e o aumento de barreiras tarifárias e não tarifárias. "Lobbies" são mais fortes em setores menos eficientes, e a resposta a eles não é o melhor caminho para definir as decisões. O país tomou muito tempo para se engajar na liberalização de comércio, que somente se iniciou mais intensamente nos anos 1990, estimulando a modernização de sua indústria. Se seguir o caminho do protecionismo, estará dando vigoroso um passo atrás.

Por outro lado, não há como evitar o crescimento das importações de produtos industriais. Isto é simplesmente a consequência de duas características de nossa economia. A primeira - imutável - vem da nossa vantagem comparativa em minérios e na agricultura. Seremos sempre exportadores desses produtos. A segunda vem do fato que a poupança total doméstica (pública mais privada) é baixa. Ora, as importações líquidas nada mais são do que o excesso dos investimentos sobre as poupanças domésticas, e sempre que os investimentos se elevam para acelerar o crescimento crescem relativamente às poupanças domésticas, que são rígidas, aumentando as importações líquidas. Como jamais seremos importadores de produtos agrícolas (com a clara exceção do trigo), é óbvio que o aumento dos investimentos dispara o aumento de importações de produtos manufaturados. Ora, se é inevitável que as importações cresçam, o que o Brasil iria importar? Produtos agrícolas e minerais? Não! Importará simplesmente produtos industriais!

Condenação. Será que isso nos condena à desindustrialização? Será que teremos que retornar aos anos 1950, quando acreditávamos que seriamos eternos exportadores de produtos primários e meros assistentes do desenvolvimento industrial em outros países? Não há nenhum fatalismo condenando o Brasil à desindustrialização. Primeiro porque o Brasil é um país com um imenso mercado doméstico, que sustenta setores industriais que se beneficiam de economias de escala, e que por isso têm todo o potencial para serem mais competitivos. Segundo, porque em vez de buscar o protecionismo, puro e simples, temos a alternativa de buscar uma particular mudança da estrutura produtiva da indústria, elevando importações de insumos e componentes industriais que baixem os custos de outros produtos manufaturados exportados, aumentando o tamanho de comércio, e tornando a estrutura produtiva mais eficiente. Mas para isso a indústria teria que se engajar em um processo de abertura ainda maior, reduzindo, e não aumentando, o conteúdo nacional dos produtos industriais, e voltando-se para a promoção de exportações permitida pela queda dos custos dos insumos e componentes importados. Isso impõe uma especialização compatível com o aumento da integração internacional, e não com a busca da autarquia. Teríamos que dar passos na direção de um comércio mais livre, e não na direção que vem sendo seguida pela Argentina.

Finalmente, não há porque ficar de braços cruzados quando o país tem em suas mãos instrumentos fiscais para fortalecer o setor. Começamos com a ideia simples de geração de superávits primários estruturais, dimensionados em média para reduzir a relação dívida/PIB, mas que se expandam na recessão e contraiam em fases de aquecimento, aliviando a carga imposta à política monetária; facilitando a queda da taxa real de juros; e retirando pressões para o fortalecimento do real. Segundo, o governo teria que abandonar a visão keynesiana estreita de que quaisquer gastos são benéficos, porque estimulam a demanda. Teria que reduzir os gastos correntes, o que elevaria a sua poupança, e aumenta os investimentos, particularmente em infraestrutura. A infraestrutura deficiente eleva os custos e retira competitividade da indústria. Deveria dar um passo na direção de adotar um marco regulatório estável, que estimulasse capitais privados, domésticos ou estrangeiros, a participar de investimentos em infraestrutura, e ao lado disso teria que rever a prioridade que dá às transferências de renda, que são ótimas para estimular o consumo, mas reduzem as poupanças, elevando as importações líquidas.

Reformas ainda mais importantes estão no campo da tributação. Primeiro, o ICMS não poderia ser usado para dar incentivos, nem sequer em nome de estímulos regionais, porque isso distorce o comércio exterior, contribuindo para gerar uma estrutura caótica de proteção efetiva. O grande produto da "guerra dos portos" é simplesmente a redução da eficiência econômica. Segundo, há uma tributação excessiva sobre a produção de energia elétrica. É curioso que um país que tem recursos naturais, como recursos hídricos e bauxita, por exemplo, não consiga ser competitivo na produção de alumínio.

Qual seria a competitividade da indústria têxtil, entre outras que usam intensivamente esta fonte de energia, se ocorresse uma redução na taxação sobre a energia elétrica? Terceiro, como um país que taxa bens de capital acima do que ocorre em qualquer país industrializado pode investir em capital fixo, absorver tecnologia, e ter eficiência produtiva? Quarto, como pode ser competitivo um país que devido à enorme tributação sobre a folha de salários tem custos de mão de obra muito maiores do que os países cuja indústria vem se destacando no comércio mundial?

Não sei por que enumero todas estas medidas quando sei que a resposta que o governo e os políticos estão prontos a dar é que "politicamente tudo isso é muito difícil"! Por isso o governo continuará dando migalhas à indústria, e as intervenções no mercado de câmbio serão um mero paliativo. O resultado é que continuaremos a ouvir queixas de que o real está sobrevalorizado e que, por isso, caminhamos para a desindustrialização.
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