O Estado de S. Paulo
O governo terá de cuidar de uma grave deformação da economia brasileira - a atrofia da indústria -, se quiser conduzir o País a uma nova fase de crescimento prolongado e seguro. Sinais dessa atrofia são visíveis nos empréstimos do BNDES, com participação decrescente da indústria de transformação nos últimos cinco anos. É muito cedo para o Brasil se tornar uma economia de serviços, ou, em termos mais precisos, movida principalmente pela produção de serviços e de bens não materiais. Nos países mais avançados, a mudança na composição das atividades decorreu da expansão e da modernização dos serviços (incluídos os financeiros), do intenso desenvolvimento da produção científica e tecnológica e da conveniência de transferir boa parte da fabricação de mercadorias para outros países. Redução de custos foi um dos principais objetivos dessa transferência, realizada como parte de uma ampla redivisão internacional do trabalho. O cenário brasileiro é muito diferente, tanto pelas possibilidades da atividade industrial como pelas condições do setor de serviços.
O Brasil dispõe de uma vasta e diversificada base industrial, construída em décadas de muito esforço, e o setor manufatureiro pode ser, ainda por muito tempo, o grande motor do crescimento, o foco irradiador da modernização e o principal gerador de empregos de qualidade - se não for relegado prematuramente a um papel de menor importância. A indústria, no entanto, tem perdido dinamismo.
Entre 2006 e 2011, oscilou entre 45% e 50% a parcela da indústria nos empréstimos do BNDES. Nos anos seguintes essa fatia diminuiu, chegando a 36,5% em 2011 e a 26,1% nos primeiros cinco meses de 2012. A fração destinada ao setor de comércio e serviços aumentou seguidamente, até 61,4% em 2011 e 65,2% no período de janeiro a maio deste ano.
Como o BNDES é, de longe, a principal fonte de crédito para o investimento produtivo, o encolhimento da porcentagem destinada à indústria de transformação é um bom indicativo da timidez dos investimentos do setor manufatureiro, nesse período. Mas o governo federal nunca abandonou a retórica sobre o Estado como indutor do desenvolvimento nem deixou de anunciar ações de política industrial.
Nesses anos, no entanto, a indústria instalada no Brasil enfrentou dificuldades crescentes para competir no mercado internacional e chegou a perder participação no mercado interno de consumo. Não há segredo sobre isso: os fabricantes brasileiros têm-se mostrado incapazes de enfrentar os concorrentes estrangeiros tanto fora como dentro do País, apesar de alguns favores fiscais e do aumento da proteção a alguns segmentos. A perda do poder de competição é atribuível tanto ao custo Brasil - impostos, deficiências de infraestrutura, burocracia e outros fatores independentes das empresas - quanto à insuficiência de investimentos em máquinas, instalações e inovação.
Já se falou muito sobre os problemas rotulados genericamente como custo Brasil. A solução é essencialmente política e depende de reformas no setor público. Mas é preciso discutir por que a indústria de transformação tem investido menos que o necessário. Parte da resposta envolve o setor público: os empresários terão mais estímulo para fazer sua parte quando o governo fizer a dele, cuidando da infraestrutura, melhorando os impostos, etc. Mas há mais que isso.
As autoridades falam muito de política industrial, mas a retórica é desmentida na prática. É preciso rever, por exemplo, a estratégia do BNDES e o foco de sua atuação. O banco é hoje o principal investidor na indústria de celulose. Já se envolveu amplamente com o setor de frigoríficos e quase se meteu numa fusão de supermercados. É essa a sua missão? Mesmo como emprestador, tem-se dedicado principalmente a uma clientela restrita, formada por grandes empresas, incluída a Petrobrás. Não é essa a forma de estimular e de apoiar o crescimento e a modernização do sistema produtivo. Seja qual for a resposta, é com certeza diferente daquela oferecida, nos últimos anos, pelos estrategistas do BNDES.
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