Valor Econômico
O Brasil investe pouco e mal em infraestrutura. Os recursos oficiais para ampliar a rede de suporte à produção sempre foram insuficientes diante das enormes necessidades do país e essa é uma das causas do sucateamento de estradas e ferrovias, congestionamento de portos e da escassez de meios de transporte em importantes regiões produtivas do campo. O Tribunal de Contas da União, em auditoria realizada recentemente, joga mais luz nessas deficiências ao apontar que existe um importante descompasso entre as ações previstas pelo governo para o setor de transportes e aquelas que as entidades do setor agrário julgam necessárias e urgentes.
A conclusão surgiu da averiguação de 265 ações de infraestrutura sobre gargalos logísticos para a agropecuária, planejadas pelas estatais do Ministério dos Transportes e do seu cotejo com entrevistas com organizações que representam o agronegócio (Valor, 28 de agosto). Um dos resultados é que 40% das obras que o setor agrícola almeja simplesmente não constam dos planos do governo.
Seria errado imaginar que as aspirações do setor privado deveriam ser exatamente as do governo, que tem preocupações mais amplas, como a de compatibilizar o atendimento de demandas públicas, nas quais as das empresas podem não ser as mais relevantes ou imediatas.
Ainda assim, o descompasso é revelador e preocupante. A média não conta toda a história. É muito pequena a diferença de prioridades entre Estado e produtores nos investimentos planejados em rodovias, com um pouco mais de 5% de diferença. Em ferrovias, hidrovias e portos, mais de 50% das necessidades apontadas pelo agronegócio não estão sendo contempladas. Como boa parte dos investimentos agrícolas estão nas zonas de fronteira, Amazônia e Nordeste, onde em muitos casos a produção agrícola puxa o desenvolvimento, é grande o risco de construção de obras inúteis ou secundárias.
De um lado, após a estagnação do país dos anos 80 até meados da década de 90, a capacidade de planejamento do Estado foi severamente corroída e a gerencial, que nunca foi um primor, praticamente desapareceu. É um segredo público que, ainda que existisse dinheiro, faltariam bons projetos à burocracia brasileira, algo que hoje se vê à luz do dia. De outro, essa incapacidade reforça o peso da tradição do país, que é ruim. Boa parte das obras são guiadas pela baixa politicagem, têm prioridade reduzida, beneficiam quando muito uma minoria, - se não são elefantes brancos, como várias espalhadas pelo país - e frequentemente envolvem interesses escusos de enriquecimento pessoal e de empresas envolvidas nos projetos.
Essa realidade tem um custo muito alto para a capacidade competitiva do Brasil, mas sua nocividade não se esgota aí. O Banco Mundial estimou que os gastos com logística no país variam de 10% a 15% do Produto Interno Bruto, o que é pelo menos o dobro do consumido pelos países da OCDE, os mais desenvolvidos do mundo, ou dos Estados Unidos. Os produtores agrícolas, por exemplo, abriram novas fronteiras que se estendem hoje até o Norte, mas a infraestrutura de transportes não foi atrás e essa carência cobra um alto preço. É um fato comum e aberrante que transferir a soja dessas regiões para o porto de Santos custa mais do que mandá-la de Santos à China.
Gasta-se dinheiro que poderia ser economizado e perde-se, com a precariedade ou ausência de infraestrutura, milhões de toneladas de alimentos em um país com carência alimentar sérias e abundante população de baixa renda. O Brasil está entre os dez países que mais desperdiçam comida no mundo. (Adalberto Luiz Val, Valor, 27 de agosto). Cerca de 35% da produção agrícola, ou algo como 10 milhões de toneladas, se perdem entre o plantio e o consumo. As maiores perdas ocorrem antes de ser atingida a ponta final do consumo - 10% na colheita, 50% no manuseio e transporte e 30% nas centrais de abastecimento.
O Estado precisaria buscar rapidamente a capacidade perdida, que pode ser encontrada no setor privado e estancar os prejuízos da falta de planejamento. O governo Dilma ensaia o caminho das concessões e ele é o que promete melhores e mais rápidos frutos. O Estado não pode fazer tudo, mas pode se munir do poder de regulação e fiscalização inteligentes que garantam que tudo será feito por outros da maneira mais econômica e eficaz.
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