terça-feira, 21 de agosto de 2012

Café do Cerrado mineiro

XICO GRAZIANO

O ESTADÃO 


O terroir chegou ao café. Termo característico da viticultura, o atributo da origem, única e delimitada, anima a cafeicultura nacional. Exigentes consumidores da bebida, especialmente do expresso, agradecem. Qualidade certificada não tem preço.

No centro desse virtuoso processo no campo se encontra a Federação dos Cafeicultores do Cerrado, com sede em Monte Carmelo (MG). Ali, ao nordeste do Triângulo Mineiro, se desenvolve um modo de produção peculiar, diferente dos tradicionais cafezais. Os agricultores contam com a vantagem da boa altitude das terras, essencial para a qualidade do café. Mas, além disso, eles cultivam "café com atitude". Não se trata de mero jogo de palavras.

Sabe-se que as plantações em terrenos elevados, entre 800 e 1.300 metros, ganham vantagens na formação e no amadurecimento dos grãos de café. O frescor noturno, contraposto aos dias ensolarados e quentes, melhora a bebida, deixando-a mais encorpada, com aroma intenso. Historicamente, locais de excelente clima e altitude foram aproveitados nas encostas da Serra da Mantiqueira, em lavouras distribuídas pelas belas montanhas entre São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo.

Mais recentemente, de forma inusitada, também se descobriram vantagens agronômicas nas chapadas de altitude, próprias do cerrado brasileiro no Centro-Oeste. Assim, subindo até o Oeste da Bahia, uma nova cafeicultura começou a ser configurada. Seus produtores contam não apenas com a sorte da natureza - terras planas, solo profundo, elevada altitude, clima ameno -, mas investem firmemente na tecnologia do café. Aqui mora a diferença.

Começa na origem dos cafeicultores. Ao contrário das antigas regiões agrícolas, que se apegam ao passado e, naturalmente, tendem à acomodação, o Cerrado recebeu jovens empresários rurais, aventureiros da terra, que romperam suas origens familiares para abrir as fronteiras da Nação. Recebendo forte apoio da pesquisa agronômica, sua ousadia produtiva venceu obstáculos, quase dogmas agrícolas, criados pela cultura da "terra roxa" na faixa litorânea da Mata Atlântica.

Um "DNA de inovação" carregam os produtores rurais do Cerrado mineiro, conforme diz Francisco Sérgio de Assis, operoso presidente da federação, que agrega 2.500 cafeicultores. Estes se espalham por 55 pequenos, e prósperos, municípios mineiros, identificados pela origem geográfica comum. Exemplo da nova geração do campo, Serginho fugiu das geadas do Paraná, sua origem, para domar o desconhecido Cerrado. Protagonizou, num quarto de século, uma extraordinária história de sucesso. Epopeia rural.

A cafeicultura do Cerrado mineiro, atualmente com 170 mil hectares ocupados, vestiu, desde o seu nascimento, nova roupagem tecnológica. As distintas condições de solo e clima, somadas à falta de mão de obra, exigiram romper com padrões tradicionais da cafeicultura. A colheita é basicamente mecanizada. Terrenos planos favorecem a operação das enormes máquinas, que se sobrepõem às linhas do cafezal vibrando suas hastes para causar a derriça dos grãos. Impossível nas montanhas.

Na época seca do ano, os cafezais recebem irrigação, seja por gotejamento rasteiro, molhando as raízes debaixo da copa, seja por aspersão, esguichando por cima das plantas. Ninguém desperdiça água por lá. Adubação, química e orgânica, mais o controle fitossanitário são impecáveis. Colhido com baixa umidade, sem chuvas, os grãos não "ardem" no terreiro. O pacote tecnológico custa caro, mas assegura alta produtividade e boa qualidade. A bebida do café resulta levemente adocicada, às vezes achocolatada, longa finalização na boca. Típica do Cerrado mineiro.

Nessa quebra de paradigma promovida pelo Cerrado mineiro se destaca a organização dos produtores. Estruturados em sete associações e oito cooperativas, mais um órgão de pesquisas, todos se aglutinam na Federação dos Cafeicultores. Esta controla os programas de certificação e de sustentabilidade no campo. Seu orçamento se origina no recolhimento de 25 centavos de real por saca comercializada, quer dizer, eles tiram dinheiro do bolso para executar sua estratégia. Merecidamente, receberam a primeira certificação por origem geográfica no Brasil, cuja marca se grafa nas sacas de café vendidas mundo afora.

Curioso anda o ranking nacional do café. O Estado de Minas Gerais firma-se, de longe, como o maior produtor brasileiro, responsável por 52,7% da colheita, seguido pelo Espírito Santo, com 24,2%. São Paulo ocupa, bem abaixo, o terceiro lugar e, pasmem, as lavouras do Oeste da Bahia já ultrapassaram o Paraná na quarta posição. Brigando pelo quinto lugar se encontra, acreditem, Rondônia. Caminhos da lavoura cafeeira.

No território mineiro, dentre as três regiões produtivas - o Sul de Minas, a Zona da Mata e o Cerrado -, este responde por apenas 22% da produção estadual. Perde, em quantidade, das regiões tradicionais. Gaba-se, porém, pela qualidade. Com razão. A bebida originada nas lavouras do Cerrado mineiro, duplamente certificada, com selos de origem geográfica e de sustentabilidade, começa a dominar o mercado externo. No Japão as butiques de café o vendem, cada xícara, pelo equivalente a R$ 15.

Sempre se afirmou, com certa razão, que o Brasil exporta o melhor café, torrando no mercado interno o restolho. A situação já melhorou muito, depois que a Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic) lançou seu selo de garantia, puxando a qualidade para cima. Depois, com o expresso, os cafés especiais se destacaram. Agora, chegou o lance decisivo: a certificação do café. Minas Gerais saiu na frente.

Milton Neves, famoso comunicador da área do futebol, que anda se aventurando na cafeicultura, gosta da jogada. Gol de placa no café!
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