Roberto T. da Costa
Valor Econômico
Enquanto o governo federal se esforça para reduzir o custo de energia do consumidor industrial, o Ministério de Minas e Energia (MME) publicou, no último dia 3 de agosto, a Portaria 455, que muda as regras de registro dos contratos de compra e venda de energia elétrica no Ambiente de Contratação Livre (ACL), também conhecido como Mercado Livre.
As regras atuais do ACL estabelecem a obrigatoridade do consumidor livre contratar 100% da energia que consome (caso contrário estará sujeito a pesadas penalidades), mas com a flexibilidade para realizar ajustes contratuais até o 9º dia útil do mês seguinte, o chamado "ajuste ex-post" (depois do fato consumado). Essa norma foi criada tendo em vista que o consumidor só sabe exatamente o quanto consumiu de energia quando termina o mês, e então apura no seu medidor o consumo exato.
Medida do Ministério de Energia contradiz o objetivo do governo de reduzir o custo de produção da indústria
De posse dessa informação, o consumidor livre tem direito de contratar energia adicional, a preços de mercado, caso seu consumo tenha excedido o montante originalmente contratado. Caso o volume consumido tenha sido inferior ao originalmente contratado, ele liquida esse excedente junto à Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), e recebe por isso um preço técnico - o Preço da Liquidação das Diferenças (PLD), que é inferior ao preço de mercado. Ou seja, quando o consumidor livre precisa comprar mais energia, ele paga o preço de mercado. Mas quando há sobra do insumo, ele recebe um valor menor. Essa situação surrealista é decorrente da enorme distorção regulatória atual, que proíbe a comercialização de excedentes. O consumidor é livre para comprar, mas não é livre para vender!
A correção desse equívoco, no entanto, não foi considerada pela Portaria 455. O que ela fez foi eliminar o direito do consumidor livre de ajustar sua contratação "ex-post", obrigando-o agora a acertar, na precisão da terceira casa decimal, o quanto vai consumir de energia na semana seguinte. Além de tirar um direito do consumidor, foi-lhe imputado o dom da clarividência!
A única forma do consumidor acertar, com antecedência e precisão o seu consumo futuro, é por meio da contratação de energia com flexibilidade de volumes atrelados à medição. Ora, flexibilidade obviamente tem custo, uma vez que impõe ao vendedor o risco da incerteza em relação ao montante realmente vendido, que depende do consumo efetivo do comprador. É como se o consumidor tivesse uma "opção de compra" no montante exato do seu consumo. Como todos sabem, uma "opção" representa uma ferramenta de gestão de risco e, naturalmente, tem custo.
Restam ao consumidor livre, portanto, três alternativas:
1. Contratar mais energia do que espera consumir, a preços de mercado, e daí liquidar o excedente compulsoriamente na CCEE, a preços inferiores aos de mercado;
2. Contratar menos energia do que espera consumir, e daí ficar sujeito a pesadas penalidades financeiras na CCEE. Vale aqui a ressalva de que a contrapartida não se aplica ao vendedor, ou seja, o gerador pode optar por vender sua energia ou liquidá-la na CCEE, sem penalidade alguma.
3. Contratar energia com flexibilidade atrelada à medição e, naturalmente, pagar mais caro por isso, já que a essa opção tem custo.
Não resta dúvida, portanto, de que o preço da energia vai ficar mais caro para o consumidor livre. Fazendo uma simples reflexão econômica: num mercado em que o comprador é obrigado a comprar, mas o vendedor não é obrigado a vender, o que tende a ocorrer com os preços?
Considerando que hoje praticamente todo o setor industrial de grande porte é consumidor livre de energia, a intenção do governo federal de reduzir o custo de produção da indústria, e assim aumentar a sua competitividade, levou uma ducha de água fria lançada pelo próprio MME. Fogo amigo?
No recente "Encontro de Energia" promovido pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), surpreendeu-me o fato do representante da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) mostrar-se desapontado com a publicação da Portaria 455. Fazendo uma analogia, seria como se o Ministério da Fazenda emitisse uma diretriz sobre o mercado de capitais sem o conhecimento prévio da Comissão de Valores Mobiliários (CVM)!
No contexto de uma crise econômica global de proporções desconhecidas, o governo teve a lucidez de atacar de frente o "custo Brasil", e se esforça para criar medidas de redução do nosso alto preço da energia, um contrassenso em relação à abundância da nossa geração hidrelétrica. Esse custo energético inibe a competitividade da nossa indústria, a criação de empregos e a realização de investimentos. Trata-se de uma incoerência publicar, neste momento, medidas que engessam a vida do consumidor e criam condições propícias para aumentar o preço da energia.
Mas ainda há tempo para reflexão! As novas regras oriundas da Portaria 455 entrarão em vigor somente em julho de 2013 e, portanto, podem ser aprimoradas. Uma única modificação surtiria um admirável efeito: conceder ao consumidor livre o direito de vender suas sobras contratuais de energia, obtendo o preço justo por um "ativo" pelo qual foi pago o preço de mercado.
Tal medida eliminaria, finalmente, a atual distorção regulatória, e criaria para o consumidor o mesmo efeito do ajuste "ex-post" vigente atualmente: o consumidor contrataria semanalmente um montante de energia um pouco acima do consumo previsto, e revenderia a preços de mercado o excedente não utilizado.
Trata-se de um aprimoramento simples e de fácil implementação. E o momento é duplamente oportuno, pois a CCEE está justamente desenvolvendo um novo sistema operacional, que já poderia incorporar as novas regras.
Aliado à intenção já anunciada pelo governo de eliminar encargos setoriais e impostos incidentes sobre o preço da energia, uma aprimorada Portaria 455 ajudaria o Brasil a descer do pódio olímpico dos altos custos de energia.
Roberto Teixeira da Costa é economista, ex-presidente da CVM e presidente do conselho de administração da BRIX - Energia e Futuros.
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