José Graziano da Silva
Valor Econômico
É grande a probabilidade de que as três décadas encerradas na crise de 2007/2008 passem à história como o último ciclo longo de estabilidade dos preços dos alimentos.
Desde o início deste século a tendência declinante mudou; os preços passaram a subir e a volatilidade fez-se senhora dos mercados. As commodities agrícolas dispararam em 2008 e 2010 e voltaram a subir agora em 2012.
O Índice de Preços de Alimentos da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) de agosto aumentou 6% em relação ao mês anterior, alcançando 213 pontos, mas ainda abaixo dos 224 pontos de junho de 2008 e o recorde de 238 pontos de fevereiro de 2011.
A nova alta dos preços dos alimentos reafirma um tempo de preços erráticos e voláteis que veio para ficar
A alavanca desta vez foram as cotações do milho, do trigo e do açúcar. A nova alta reafirma um tempo de preços erráticos que veio para ficar. No entanto, não configura uma explosão equivalente à de 2008.
O que aconteceu ali foi uma desastrosa espiral de preços que poderia ter sido evitada com um grau maior de coordenação internacional das políticas de importação e exportação, hoje possível.
Quebras de safras e demanda aquecida foram respondidas então com a suspensão de embarques de alguns países exportadores e muitas nações procuraram se defender da escalada dos preços elevando suas reservas internas.
A incerteza alimentou o pânico e fomentou a especulação descolada da função benigna de proteger produtores e compradores. Investir em mercados futuros de commodities mostrou-se a melhor aplicação financeira dos últimos cinco anos: rendeu 144% contra 143% do ouro, segundo cálculos do Deutsche Bank.
Hoje, a realidade é outra. Não estamos em crise e podemos evitar que ela ocorra.
Em 2008, o crescimento econômico empurrava a demanda. Hoje, a recessão na Europa e o desaquecimento na Ásia, associados ao baixo crescimento nos Estados Unidos, exercem um freio na demanda e na especulação nociva.
Agora, a seca no meio-oeste norte-americano atingiu um produto essencial da cadeia alimentar, o milho; mas os índices de preços dos derivados de leite e os do arroz permanecem estáveis; os da carne caíram. De modo geral, estoques disponíveis de trigo e, especialmente, de arroz são maiores que há quatro anos e seus mercados mostram-se relativamente equilibrados até agora.
O horizonte de instabilidade anunciado em 2008, porém, não se dissipou. A regulação financeira ainda engatinha; a equação do desequilíbrio climático é um enredo à espera de atores.
Com ou sem crise, a incerteza caracteriza a época em que vivemos e não pode mais ser respondida apenas com a emergência.
Informação e políticas coordenadas são essenciais para subtrair espaços à lógica da instabilidade.
O Sistema de Informações de Mercado Agrícola (AMIS, na sua sigla em inglês), criado pelo G20 após a última crise e coordenado pela FAO, aprimorou o acompanhamento das tendências de oferta e demanda. O AMIS inclui um Foro de Resposta Rápida, que dá aos países maior espaço para trocar informações e coordenar políticas com a velocidade necessária para responder a movimentos de preços como o atual. Integram esse sistema as nações que compõem o G20 e outros oito grande produtores e consumidores de alimentos.
No âmbito nacional, políticas de fomento agrícola para garantir o abastecimento doméstico figuram como o grande anteparo estrutural ao horizonte de incerteza que forma a nova regularidade do mundo.
A educação alimentar é parte indissociável dessa blindagem. Dados da FAO mostram que a substituição de alimentos é uma das principais respostas dos consumidores pobres à alta de preços. A educação alimentar e nutricional ajuda a manter a qualidade da dieta mesmo em momentos de flutuação da oferta. É papel do Estado democratizar o uso dessa ferramenta na sociedade.
Fortalecer as redes de proteção social, com a implantação e ampliação dos programas de transferências de renda, reafirma-se como outro imperativo incontornável de política pública.
Não se deve desperdiçar a dimensão regeneradora dos mercados, que também requerem políticas públicas para serem universalizadas. Preços altos são um estímulo ao plantio. A quebra na oferta do hemisfério norte incentiva a semeadura que começa agora em setembro em muitas lavouras do hemisfério sul.
Crucial, porém, é estender o alcance desse incentivo à agricultura familiar. 70% da população miserável do planeta vive em zonas rurais dos países em desenvolvimento.
A atenção à agricultura familiar não constitui apenas um requisito para combater a pobreza e prevenir a fome. Sua pertinência estende-se também à busca de respostas para eventos extremos, que vão se repetir com maior frequência e intensidade em função da mudança climática.
E, muitas vezes, sem qualquer anúncio. A seca no corn-belt norte-americano, a pior do último meio século, irrompeu um mês depois que as previsões meteorológicas e as de mercado indicavam uma colheita recorde.
Paradoxalmente, não foi um ponto fora da curva. A falta de água afetou também vários países da Europa do Leste e regiões da Índia. O comportamento anormal das chuvas reduziu a safra russa de trigo na Sibéria.
Desconcentrar a geografia da produção, estimulando os mercados locais de produtos não transáveis, é a melhor forma de prevenir os revezes do clima sobre a oferta. Políticas de desenvolvimento da agricultura familiar compõem, assim, um pedaço cada vez mais importante da resposta à insegurança alimentar em nosso tempo.
José Graziano da Silva é diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO)
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