ANDRÉ MELONI NASSAR
O ESTADÃO
Com perdão da brincadeira, carnes de frango e suíno são o recheio de um sanduíche com milho e farelo de soja empurrando-as, de um lado, e o varejo segurando-as, de outro. Quando nos lembramos de que frango e porco, duas das formas mais eficientes de produção de proteína animal, são vorazes comedores de milho e farelo, entendemos por que essa indescritível subida nos preços dos produtos-base para as rações tem tudo que ver com a vida de cada brasileiro. É uma comida indigesta.
Milho e farelo de soja são a base da alimentação da grande maioria dos animais que faz parte da nossa vida. É surpreendente verificar como somos dependentes e comensais indiretos desses produtos. Seja na forma de carne de frango, porco e bovina (cada vez mais o gado de corte brasileiro come rações), seja nos ovos que utilizamos para fazer doces e massas, seja no leite que adultos e crianças tomam todos os dias, seja na ração que damos a nossos pets, todo o alimento que os animais ingerem se resume a milho (em grão ou o pé inteiro) e farelo de soja.
De todos os impactos que os altos preços de milho e soja, fruto de uma das mais frustradas safras norte-americanas nos últimos 70 anos, trarão ao mercado e ao dia a dia das pessoas, além dos óbvios benefícios para quem produz essas lavouras, o mais relevante e significativo é o aumento do custo de produzir proteína animal. Os casos mais emblemáticos, porém, são as carnes de frango e suína.
A carne de frango que cada brasileiro consome (0,9 kg por semana) é, no bom sentido, uma máquina de processar e converter energia e proteína, na forma de biomassa, em carne. Em média, cada frango no Brasil é abatido com 2,5 kg (frango vivo), depois de 41 dias de intensa vida de consumo de milho e farelo de soja. O desenvolvimento tecnológico na produção de frango é surpreendente. Os frangos modernos são capazes de converter 1,8 kg de ração em 1 kg de carne. Quando eu nasci, 40 anos atrás, eram necessários 2,15 kg de ração para produzir 1 kg de carne.
O porco, que tem um sistema digestivo semelhante ao frango e por isso ambos eles são chamados de animais monogástricos, é também muito eficiente na produção de carne a partir da energia do milho e da proteína da soja. Atualmente se abate um porco de 5,5 meses de idade com cerca de 110 kg. A capacidade de conversão alimentar do suíno é de 2,8 kg de ração para 1 kg de carne. O suíno, em toda a sua vida, engorda, surpreendentemente, 660 gramas por dia. Assim, embora sejamos dependentes de milho e farelo, hoje somos muito menos do que fomos no passado.
Não existem formas de transformação de dois produtos não diretamente comestíveis pelo ser humano (milho e soja) em proteínas plenamente digestíveis do que frango e suíno. Assim, se frango e suíno estão sofrendo com essa alta dos preços, é porque precisamos refletir mais seriamente sobre os seus impactos.
O 1,8 kg e os 2,8 kg de ração que frango e porco consomem para produzir, respectivamente, 1 kg de carne são, em volume, 60% de milho (fonte de energia para o animal) e 30% de farelo de soja (fonte de proteína). Em custo, os dois ingredientes somam 70%. A partir daí fica fácil fazer a conta. Para cada 1% de aumento no preço de milho e soja, os custos de frango e suíno sobem, grosso modo, 0,7%. Em um mês e meio (início de julho até hoje) os preços de milho e farelo de soja no Brasil subiram ao redor de 25%, puxando os custos de frango e suíno para cima. O consumidor brasileiro certamente vai sentir esse aumento de custos no bolso.
Esse aumento, no entanto, tem de ser entendido de forma relativa pelos consumidores brasileiros. Primeiro, porque será um aumento de um tiro só, ou seja, os preços vão subir para corrigir os custos e recuperar margens e, se estabilizarão. Segundo, porque nenhum brasileiro quer ver a sua indústria de frango e porco entrar em colapso, o que certamente ocorreria caso os preços não fossem corrigidos, porque eles estão na base do nosso consumo de proteína.
O Brasil, graças ao seu vasto e diversificado território e a um agro comercial e familiar extremamente desenvolvido, terá entre os seus consumidores aqueles que menos sofrerão com os elevados preços internacionais do milho e do farelo de soja. Acredito que se os preços das carnes vão subir por aqui, vão subir ainda mais naquelas nações que ou importam milho e soja (nós somos exportadores) ou importam carne diretamente (somos exportadores também). Ser um produtor competitivo e exportador no momento de crise de preços faz enorme diferença para os consumidores de um país.
Sendo exportador, os preços no mercado doméstico, isto é, os que são pagos pelos consumidores locais, tendem a ser mais baixos que os preços internacionais. Ninguém consegue exportar um produto que seja mais caro que o preço que o importador está disposto a pagar. Além disso, um exportador de milho, soja e carnes, como nós, diante de um aumento de preços originado por motivos fora do controle dos governos, consumidores e produtores, como é o caso da seca nos Estados Unidos, é o que responde mais rapidamente com aumento de produção. Isso significa que serão os consumidores brasileiros os que mais rapidamente se beneficiarão com a queda dos preços quando a produção de soja e milho se recuperar.
Não há dúvida de que os elevados preços são uma grande oportunidade para os produtores de milho e soja. Cabe a eles fazer uso racional da bonança que se desenha e, claro, imaginar que ela deverá acabar num futuro não muito distante. Ao mesmo tempo, não há como negar que a bonança de milho e soja é a penúria de frango e porco e que o cerca de 1,5 milhão de pessoas envolvidas na produção de ambas essas carnes ajudam a alimentar os outros 188,5 milhões de brasileiros.
Permitir que os produtores de frango e porco escapem com vida desta crise é, portanto, obrigação de todos.
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