terça-feira, 21 de agosto de 2012

Sobre nomes, orgulho e paradigmas organizacionais




BREVE CRÔNICA SOBRE QUEBRA DE PARADIGMAS
Ele chegou deslumbrante. Melhor seria, no politicamente correto momentum, entusiasmado.

Seu MBA havia lhe dado uma visão que antes nenhum mortal ousaria ter sobre aquela veneranda instituição.
Pessoas paradigmáticas em suas relações.
As coisas estavam funcionando....como toda organização pública.

Apesar disso, ele teria que deixar sua marca, mas precisava controlar seu modo de externar e, principalmente sua verbalização. Com entusiasmo diria-se, tipo assim...um tanto onírico-relacional atuante. 
Falar apenas não lhe satisfazia. Cada preleção era um desempenho teatral com mãos voando pelo espaço da platéia.

Os funcionários estavam um tanto quanto atônitos, quando não curiosos. O que será aquele jovem esvoaçante queria?

Mudar o quê? – divagava ele. Paradigmas!! Resistências organizacionais e dos indivíduos. Estas convicções enchiam a mente não resolvida do novo gestor de RH. Não..consultor!!!...desculpem a falha.

Qual seria o primeiro passo de sensibilização? 
A família. Sim! A relegada, esquecida e injustiçada família que ficava em segundo plano, sempre.

Sua nova proposta. Sem custos, Sem custos mesmo. Apenas mudanças atitudinais (os dois cabocos da segunda fila se entreolharam, um deles sutilmente anotou o novo nome para preencher nos nove quadradinhos que insistiam em ficar em branco da última página já incompleta da palavra-cruzada distribuída gratuitamente no último programa motivacional de, vejamos, de 96. Atitudinal caberia perfeitamente.

A futura candidata a assistentes, dentre as várias que concorreriam ao cargo de passar o expediente vendo, andando, sentindo o “feeling”, em interação até quase corporativa (fica melhor esta palavra) com os demais colegas para sentir o clima.

Perfeito! Um solução barata como aquela para ser uma primeira ação revolucionadora de um programa que atingiria níveis de evidência jamais pretendidos por aquela simples unidade administrativa. Seria exemplo para a adminstração pública federal.

Já se via ele em algum dos ministérios criados na nova adminstração que chegou para mudar o que está aí e dar esperança para o novo, humilhado, esquecido, miserável, sem saída, sem luz no túnel...chega, tá bom. 


Vamos valorizar a família. Nosso primeiro passo para um grande programa: valorização de nossa família. Ser chamado pelo nome de família traria uma sensação de casa em pleno trabalho. O prazer de se dar continuação de seu lar no ambiente de trabalho. Ajudaria e consolidaria laços de eterna amizada, comprometimento, visões e objetivos compartilhados etc etc. Ele conseguiria erradicar, de vez, a impressão de que o último nome é coisa de quartel, militarizada. O famigerado "nome de guerra" passaria a ser visto e aceito como um link com valores familiares, como deveria, assim, ser o relacionamento dos colaboradores com a empresa. Uma senhora quebra de paradigmas.

Solução: de agora em diante todos seriam tratados pelo nome da família. Para ficar politicamente correto as mulheres poderiam, se quisessem, usar o primeiro nome antes do essencial nome de família. Casos omissos...a gente vê depois.

Para a dinâmica de sensibilização foram importadas tarjetas auto adesivas, que não estragariam o terno, o tailler, o macacão.

Ali seria colocado em letras bem desenhadas pelo cuidadoso consultor...estudou caligrafia no Normal antes de achar que entendia tudo de RH.

Para os colaboradores terem maior adesão e sentirem a seriedade do projeto. Ele, lídimo representante da alta cúpula, preencheria o nome citado pelo funcionário próximo ao microfone para ser acompanhado por uma salva de palmas, com canetinha, cata-vento para os filhos, e algo que atendesse adolescentes de ambos os sexos, tudo dentro de uma sacolinha charmosa, politicamente correta fabricada por bagaço de cana daqueles meninos que aparecem na tevê todos sujos e maltratados em campos de bóias-frias.

Todos seriam por ele chamados pelo nome da família, até a diretoria!!! Magnífica adesão se vislumbrava no horizonte temporal de repartição pública...

Dois paradigmas quebrados de uma só vez. Adesão total, de início, a um PQVT e chamar funcionário publico civil pelo nome de guerra...

Lá vem o Jorge: - Antunes!! uma calorosa salva de palmas...

O Severino: Da Guia!!! ....silêncio, duas ou três palmas de distraídos...silêncio breve...Como?
DAAAAAAAAA GUIIIIIIIIIAAAAAA! O senhor é môco?!?!? Da Guia!!
Não tem outro? Não, toda a família foi salva por nossa Senhora da Guia!

Ah!! Um breve desvio comportamental denunciatório de olhos em busca das anotações ceubísticas ( do pavilhão três) de como lidar com casos assim. Nada lhe ocorreu...Da Guia!! – fica assim mesmo. Palmas.

A Leonor, A Silvana, A Beatriz, o Genaro....uma ruma tranqüilizante de nomes normais e previstos na zona de conforto do quase desesperado consultor..

Foi seguindo-se a fila.
Cochicha, discretamente, para a auxiliar: Ué, o combinado não era o pessoal depois de receber o crachá seguir para o lanche?
Era, responde a aspirante, não sei por quê todos voltaram para seus lugares!!

Tanto melhor, mais palmas, mais orgulho por sustentar o indefectível nome da família..
O programa estava iniciando de vento em popa...
Carro preto, tapete vermelho, elevador privativo, medalha em palanque, descer a rampa com a Dilma... Tudo uma mera questão de tempo....sim de tempo...

Até o devaneio ser interrompido por um negão enorme, um armário, basquetista, alterofilista, cara se sonso, "cantor de funk do bem" 

Ele se inclina com os lábios grossos próximo ao palpitante microfone de lapela:

Jesus...Paixão!!!

Um relampejo de clarividência e percepção prospectiva de cenário aflorou na mente hiperoxigenada do frágil consultor, dado ao nível de pulsação do indivíduo.

Que bom iniciaremos a segunda fase do programa antes do que pensávamos!!

A religião e espiritualidade!! Alto e em bom som para os ouvintes, os expectadores, pois de fato estavam na expectativa de um desfecho deslumbrante para o imbróglio.

Você será, como símbolo do início da nova etapa...O Jesus!!!

A gargalhada retumbou no lotado auditório enquanto todos, divertidamente, levantavam-se para o lanche lotando as cestas com targetas, importadas e adesivas, amassadas.


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