segunda-feira, 27 de agosto de 2012

A Lei de Newton e as universidades no mundo

José Flávio Sombra Saraiva*

Correio Braziliense



A universidade é do mundo, como sua essência sugere. A evolução milenar dessa instituição global não impediu, na seta do tempo, efervescência e debates calorosos. O processo civilizatório conferiu a seus titulares, professores e cientistas, lugar de destaque.

A liberdade de pesquisa e a autonomia decisória permitiram, por meio do mérito, do talento e da criatividade, a ruptura epistemológica e as descobertas. Abriu-se oportunidade para gente inventiva, corajosa, que se dedica ao ofício da pesquisa difícil e à formação de novas gerações, bem como à socialização dos conhecimentos pela extensão universitária.
As universidades levaram o homem à Lua, criaram o chip, encontraram novas formas de energia, romperam a velha física. Aprendemos a compreender os limites do planeta, as relações entre a produção e o consumo, bem como o lugar da humanidade na revolução tecnológica e na vida social globalizada.

Ao saírem dos claustros na direção das paragens da Terra, as universidades laicizaram o pensar, aperfeiçoaram o conhecimento empírico, trouxeram o método e renovaram o sentido socrático da nossa eterna ignorância. Criaram redes multinacionais e forças profundas que permitem a cientistas e professores lideranças acadêmicas pela experiência acumulada. Eles se reconhecem da Índia ao Canadá, do Japão ao Peru, da Inglaterra à África do Sul, na função específica que possuem na sociedade do conhecimento.

As universidades são o centro nevrálgico do desenvolvimento dos países avançados. Cuidam bem desse patrimônio intangível. Sabem que não há futuro senão pela tensão do conhecer, sem peia, na busca científica pura. As dificuldades dos laboratórios, os caminhos erráticos das descobertas, o sofrer para chegar à Lei de Newton, hoje conhecida por meninos nos primeiros anos de escolarização, evidenciam seu peso histórico.

O Brasil entrou atrasado nesse mundo feito de universidades. E segue zonzo em seu caminho na construção de um parque universitário como exige o mundo de um país com pretensões de escala mundial. Burocratizou-se em demasia a universidade pública federal brasileira, tornando-a uma repartição controlada pelo poder central, em que a criatividade é contida, em parte, pela energia devotada às atividades que não são o seu centro. Sua autonomia constitucional tornou-se, pouco a pouco, apenas uma quimera.

Há dois graves problemas. Reconhecidos professores e pesquisadores, respeitados na métrica internacional da produção do conhecimento, sentem a universidade brasileira perder qualidade. Emergiram os administradores, obedientes aos regulamentos do rei, a administrarem migalhas como se fosse a reitoria um almoxarifado da Esplanada. A conjugação desses fatos impede o mover de energias reais para o que deve ser uma universidade em um país como o Brasil.

Greve nas universidades federais brasileiras é universal como a Lei de Newton, passa governo e vem governo, no conluio do quase nada. Os professores veem suas carreiras desprestigiadas no quadro dos altos salários da burocracia estatal. E os dirigentes das universidades gostam de flertar os governantes, fazer carreira fora, passar para o outro lado, como se nota nos seus currículos. Optam pela legenda, pelo partido, pelo arranjo, pela claque.

Há apartheid entre a sala do gestor e o cientista, entre o partido e o professor que ama seus alunos. Achacados pela onda do patrulhamento imposto, seguem os produtores de ciência e formadores dos jovens brasileiros seus caminhos solitários.

O Brasil, um dos últimos grandes países da América Latina a possuir sistema relativamente respeitado de produção de ciência, deveria rever o modelo. Começaria por mudança na governança das universidades públicas nacionais, que não mais suportam eleições plebiscitárias de administradores. A regra deveria ser o mérito ou a capacidade de administrar, preferencialmente por análise de currículos, com supervisão meritocrática externa e profissional. Nas grandes universidades do mundo, ninguém sabe o nome do reitor, mas declamam de cor os sobrenomes dos seus prêmios Nobel.

Seria esse um bom passo para o difícil caminho da desejada integração do Brasil ao mundo. Uma universidade sem o mérito como princípio básico, mesmo que "democrática", pode ser qualquer coisa, menos uma universidade.



Ph. D. pela Universidade de Birmingham, Inglaterra, é professor titular de relações internacionais da UnB e pesquisador 1 do CNPq
.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

GEOMAPS


celulares

ClustMaps