quinta-feira, 23 de agosto de 2012

A inversão de poder na Educação




Cíntia Auilo

Os pais de hoje acreditam que seus filhos serão melhores do que os dos outros ou serão melhores profissionais se eles começarem a ler mais cedo, a falar mais cedo, a tirar a fralda mais cedo. E o que mais mais cedo? Ter depressão mais cedo? Iniciar a vida sexual mais cedo? As meninas já frequentam o salão de beleza aos 3 anos de idade e os meninos precisam estar afiados na soma e subtração. Por quê? Para que essa pressa? Sim, o mundo está mais competitivo. Sim, o mercado exige mais do profissional – línguas, experiência, inteligência… Qual é o plano, então? O recém-nascido já sai da maternidade com o compromisso de ser um profissional? E competente, certo?

Antes de nos tornarmos profissionais, bons profissionais, temos de ser crianças, e crianças felizes, que brincam, que riem, que choram, que se frustram, que ganham e perdem, que aprendem, ou seja, crianças saudáveis, para que, no futuro, possamos ter a capacidade de lidar com a vida como ela é.

A agenda de compromissos diários de uma criança hoje é proporcionalmente a mesma de um executivo. Escola bilíngue, natação, balé, judô, Kumon, entre outras atividades. Ao invés de adquirir essas aptidões, ela se estressa, não sabe relaxar e está sempre querendo saber qual será a atividade seguinte.

Estamos criando crianças ansiosas, muito agitadas e que não sabem aproveitar o momento presente. Além disso, os pais permitem que elas escolham absolutamente tudo o que faz parte da vida delas, como se uma criança de 2, 3, 4 anos, e assim por diante, tivesse maturidade de escolher o seu vestuário, brinquedo, comida, entre outros. “O que você quer almoçar hoje, meu filhinho de 2 anos?” “ Escolha um livro, minha querida filha de 3 anos”! Pais, está na hora de acordar! Acordem dessa situação sem sentido, sem propósito e nociva ao futuro dos seus filhos. Crianças são crianças e adultos são adultos.

A criança de hoje não é mais, realmente, a mesma de 20 ou 30 anos atrás, elas são NATURALMENTE mais atentas e espertas, pois o mundo mudou, o meio em que vivemos mudou, mas ser criança, viver incríveis descobertas, viver a inocência, a novidade, a fantasia, o carinho, a atenção e o afeto dos pais não tem preço, não há agenda e nem nenhuma aquisição de informação precoce que substitua o alimento vital e primordial da criança – o amor. E amar o seu filho não é dar a ele todos os brinquedos anunciados na TV, nem fazer uma mega festa em seus 4 anos de idade, nem comprar só o tênis de marca que vai usar por poucos meses e nem dar a ele como prêmio, por ter lhe obedecido, um “belo” almoço em uma rede de fast food.

Amar é criar hábitos saudáveis, é insistir na fruta e nos legumes todos os dias; é levá-lo ao parque em contato com a natureza e não só aos shoppings e supermercados, em razão do conforto e comodidade dos pais. É fazê-lo repetir palavras como “obrigado”, “por favor”, “de nada”, “ desculpa” em todas as circunstâncias que exigem esse tipo de tratamento. É deixá-lo menos com a babá e permitir que ele fique mais com você. É substituir um carrinho eletrônico ou um DVD por um gostoso beijo e abraço e alguns instantes de atenção. Aprendam, pais, educação não se compra, se dá e, se vocês querem ter filhos profissionais no futuro, garantam primeiro a felicidade e o aconchego do coração de saberem que sempre foram muito, mas muito amados. E não se esqueçam de que antes de terem a preocupação de formar um bom profissional, seja pelo receio do futuro ou por orgulho e vaidade, seus filhos são, antes de qualquer coisa, potenciais seres humanos, que irão direcionar seus olhares e anseios durante todo o percurso de suas vidas para os valores e prioridades que vocês, pais, escolheram hoje.

A grande revolução mundial, na década de 60, em que tudo foi questionado, e a busca pela expressão e liberdade deram ao mundo uma nova perspectiva, acabou influenciando também o modo de educar os filhos. Se fui reprimido e obrigado a seguir as regras dos meus pais, com meus filhos tudo será diferente… Não sou avessa à liberdade de expressão,  muito menos sou contra a busca do pensamento livre e criativo, mas houve muita má interpretação a partir desse movimento sobre o que é criar e educar um filho com pensamentos e atitudes livres de preconceitos, julgamentos, imposições ou radicalismos. Determinar que seu filho escolha e decida tudo antes de atingir a sua real maturidade não é seguir uma educação que traz liberdade ou felicidade ao seu filho. Na verdade, você está se omitindo enquanto educador, ou seja, enquanto pai ou mãe, e olhando para seu filho como um semideus, que já nasceu sabendo, que tem poder de decisão, critérios, e tudo o mais que vemos por aí, como se os pais tivessem de ser subjugados pelos seus filhos para não terem o remorso de não terem sido fiéis ao Movimento Hippie.

Quanta inversão de papéis, não? Quem disse que seus filhos não podem se frustrar com algo? Que mundo vocês estão construindo, ou melhor, fantasiando para seus filhos, que não existe? Não existe vida sem frustração, sem erros, sem derrotas e tristezas. E o mais incrível, senão irônico é assistir aos resultados dessa educação extremamente permissiva e sem limite algum, o que torna o recém-adulto muitas vezes em tirano, radical, revoltado, e o que é mais irônico, desrespeitoso com seus pais.

Se eles sempre tiveram e fizeram tudo o que quiseram, pobre pai ou mãe que não continuar nesse interminável jogo de dar, dar e dar. Até chegar o dia em que você acordar, quando o seu filho lhe der um belo tabefe no rosto, assaltar a sua carteira ou exigir, aos berros, algo completamente fora de sensatez. Exagero? Não. São exemplos reais e, infelizmente, mais comuns do que possam imaginar.

Cíntia Auilo - Pedagoga
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Um comentário:

  1. Amei o artigo. Tenho duas filhas de 10 e 7 anos. Concordo: criança precisa de limite e de uma rotina onde tenha tempo de brincar. Tudo cercado de muito amor e carinho e atenção dos pais.

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