sábado, 23 de abril de 2011

Biotecnologia: segurança e acesso

Valderílio Feijó de Azevedo
Correio Braziliense

Professor de reumatologia da UFPR, membro da Sociedade Brasileira de Reumatologia

Na área da saúde, alguns avanços tecnológicos têm trazido esperança a médicos e pacientes que lutam contra doenças graves e incuráveis. A introdução de medicamentos biológicos, produzidos com células de organismos vivos geneticamente modificadas (bactérias, fungos ou células de mamíferos), por métodos como fermentação e purificação, é certamente um desses avanços.

Diferente dos medicamentos tradicionais, obtidos por métodos exclusivamente químicos e que podem ser facilmente caracterizados por sua estrutura, os medicamentos biológicos são compostos heterogêneos e instáveis. Assim, a produção de cópias bioequivalentes, como os já conhecidos genéricos, não é possível no caso desses medicamentos. Nessa ocorrência, pequenas distinções entre o medicamento original e sua cópia, em qualquer estágio do processo de manufatura ou até na forma ou via de administração aos pacientes, podem provocar grande diferença em termos de efeitos adversos.

Uma preocupação médica atual é a extinção das patentes dos biológicos inovadores, pois criam uma oportunidade para que vários fabricantes desenvolvam os chamados biossimilares. Para que não haja um problema de saúde pública, há necessidade de um sistema de farmacovigilância confiável e distinto entre biofármacos originais e biossimilares. Esses últimos podem ser considerados medicações seguras apenas quando a comercialização estiver sujeita a um processo bastante rígido para a aprovação por parte das autoridades regulatórias, o que tem acontecido somente em alguns países. Os dados exigidos são mais substanciais do que os solicitados para os genéricos.

O Brasil possui uma das mais avançadas legislações da América do Sul na área de produtos biológicos. Todavia, ainda precisa adequar melhor seus processos no sentido de melhorar a disponibilidade dos medicamentos biológicos no Sistema Único de Saúde (SUS), o que não depende da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Enquanto nossa Constituição define o acesso universal a todas as alternativas terapêuticas disponíveis, convivemos com restrições que limitam, quando não impedem completamente, o acesso a alguns tratamentos comprovadamente eficazes, que permitiriam recuperação mais rápida e com menos efeitos colaterais.

Essa é a realidade enfrentada, por exemplo, por pacientes portadores de artrite reumatoide (AR), doença de grande impacto para a saúde e que atinge, segundo o próprio Ministério da Saúde, cerca de 1% da população brasileira. Os pacientes que recorrem ao SUS contam apenas com a opção dos primeiros biológicos desenvolvidos para tratar a AR, conhecidos como antiTNFs.

Sabe-se, entretanto, que, pelo menos, um terço deles não responde a essa classe de medicamentos, obrigando muitas vezes a escolha de tratamento por outros (Rituximabe, Abatacepte e Tocilizumabe), que possuem diferentes mecanismos de ação e que, apesar de aprovados pela Anvisa, não estão nas Diretrizes Terapêuticas do Ministério da Saúde (sem atualização para portadores de AR desde 2006).

A atualização periódica da lista de medicamentos do SUS certamente representará ganhos substanciais na qualidade dos tratamentos de reumáticos e na gestão de verbas para a saúde. É muito provável que o desenvolvimento do parque tecnológico nacional e que também a possibilidade de compra planejada e negociada perante os fabricantes de medicamentos biológicos possam fazer com que o Ministério da Saúde atenda a mais pessoas com maior qualidade e menos recursos.
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