Luis Maurette, CEO da Liberty Mutual no Brasil
Cláudio Gradilone
Isto é Dinheiro
"Os riscos de catástrofes aumentaram em todo o mundo"
Em um mundo cada vez mais arriscado, o Brasil é o mercado mais promissor para as seguradoras, avalia o executivo Luis Maurette, CEO da subsidiária no Brasil da companhia de seguros americana Liberty Mutual, um grupo que faturou US$ 33 bilhões no ano passa
O crescimento da classe média sustenta um forte crescimento do setor e o aumento dos riscos climáticos tem estimulado os consumidores a proteger seu patrimônio. Maurette recebeu a reportagem da DINHEIRO em seu escritório em São Paulo, em uma tarde na qual era possível observar nuvens de tempestade se formando. A seguir, os principais trechos da entrevista:
DINHEIRO – Há várias pessoas na sala e todas estão observando a chuva que está ameaçando cair. Estamos todos mais preocupados com o clima. O negócio de seguros está mais difícil hoje
LUIS MAURETTE – Não está mais difícil, pois as ferramentas de avaliação de risco continuam muito parecidas com as de alguns anos atrás. No entanto, os riscos sistêmicos aumentaram. As catástrofes naturais são uma tendência crescente em todo o mundo. Basta ver que este ano começou agitado. Em janeiro, houve uma enchente devastadora na Austrália, em fevereiro ocorreu um terremoto na Nova Zelândia e em março o Japão foi varrido por um terremoto seguido por um tsunami. No Brasil, o ano começou com uma tragédia no Rio de Janeiro, provocada pelos deslizamentos de terra na região serrana do Estado. Se as notícias continuarem assim, 2011 vai ser o pior ano para a indústria de seguros em muito tempo.
DINHEIRO – Como isso afeta o setor?
MAURETTE – As seguradoras têm de se preparar para operar em um ambiente bem mais adverso. Estamos aprendendo da pior maneira que os riscos aumentaram. Apesar de o Japão ser o país mais preparado para lidar com esse tipo de desastre, as perdas foram enormes, tanto em vidas humanas quanto as materiais. Nos últimos dois anos, o setor teve de lidar com mais catástrofes do que em toda a década passada. Isso afeta os seguros como um todo.
DINHEIRO – Por que o mundo está mais arriscado?
MAURETTE – Temos dois movimentos simultâneos que provocam essas mudanças. Um é o aquecimento global, que vem tornando as catástrofes naturais recorrentes e cada vez mais graves. Não é possível culpar esse fenômeno pelos terremotos que ocorreram na Nova Zelândia e no Japão. No entanto, é possível atribuir ao aquecimento global as inundações repentinas na Austrália, no início do ano, e outros desastres climáticos sem precendentes na história, como as nevascas e os furacões na Ásia, na Europa e nos Estados Unidos. O segundo movimento é o crescimento da população mundial e da renda, especialmente nos países menos desenvolvidos. Pessoas precisam de casas, e mais gente com renda compra mais residências. Esses novos proprietários de imóveis acabam se instalando em áreas de risco, que antes não eram ocupadas. Por exemplo, uma área historicamente inundável ou sujeita a deslizamentos, como a região serrana do Rio, sempre terá um risco maior de ser afetada em um momento de chuvas acima da média. E o setor de seguros já está refletindo isso.
DINHEIRO – De que maneira?
MAURETTE – Em primeiro lugar, os negócios estão aumentando. O setor está crescendo mais aceleradamente do que a maioria das economias e ganhando importância no mercado financeiro. Isso vem ocorrendo porque as necessidades da sociedade estão mudando e o perfil da economia também. Esse é um fenômeno mundial, mas que também pode ser percebido nitidamente no Brasil.
DINHEIRO – O mercado aqui ainda é muito menor do que o dos Estados Unidos e o da Europa. O que mostra esse movimento no Brasil?
MAURETTE – Comparar o tamanho dos mercados é relativo. O brasileiro pode não ser ainda um grande usuário de seguros de vida, mas o mercado segurador automotivo é plenamente desenvolvido, tem preços bem definidos e é amplamente conhecido, como em qualquer mercado maduro e desenvolvido. Além disso, é preciso colocar as coisas em perspectiva. Vamos analisar o desenvolvimento dos mercados seguradores na Europa e nos Estados Unidos. Nesses locais, notamos que o setor deslanchou quando houve um aumento da parcela da população que se enquadrava na classe média.
DINHEIRO – Não só com o automóvel?
MAURETTE – Não só com o automóvel. Basta olhar as últimas inundações. Todos nós estamos mais atentos ao clima. Os usuários estão cada vez mais atentos às cláusulas que protegem eletrodomésticos e itens da residência.
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"O que interessa mesmo no mercado são as apólices individuais"
Venda de carros novos em São Paulo
DINHEIRO – Quando a imprensa mostra imagens de inundação, o número de consultas para seguros residen-ciais aumenta?
MAURETTE – A relação entre esses dois eventos não é assim tão linear, mas é inegável que as imagens da catástrofe que ocorreu no início do ano, no Rio de Janeiro, onde centenas de casas foram destruídas por deslizamentos de terra, tornam o consumidor mais atento à necessidade de proteger seu patrimônio. Nos Estados Unidos, 90% das residências são seguradas. Isso tem justificativas arquitetônicas e climáticas. Lá, o clima é mais incerto, há as tempestades de neve e a necessidade de calefação, que eleva o risco de incêndio. No entanto, esse crescimento do setor só ocorreu quando a classe média avançou. As pessoas precisam primeiro conquistar um patrimônio para então pensar em como protegê-lo.
DINHEIRO – O avanço da classe média torna o Brasil um mercado promissor?
MAURETTE – Sem dúvida. O Brasil tem um potencial enorme por suas qualidades. É uma economia grande, com 200 milhões de habitantes, que terá 30 milhões de pessoas ingressando na classe média nos próximos anos. Além disso, ao contrário de outros países em expansão, o Brasil possui um bom histórico político e econômico. Os fundamentos da economia são sólidos e há um processo político claro e definido, o que torna mais fácil calcular os riscos – e é disso que o setor de seguros trata.
DINHEIRO – Durante muitos anos dizia-se que o mercado aqui não crescia porque o brasileiro não tem uma cultura de fazer seguros. Isso mudou?
MAURETTE – Não é uma questão de cultura, é uma questão de renda. Como a classe média vem crescendo, o patrimônio das pessoas, o carro, a casa, também está crescendo, e é isso que movimenta o nosso negócio. Não vamos ter ilusões. As seguradoras gostam muito de falar das apólices sofisticadas dos grandes riscos, que protegem unidades industriais inteiras. Esses produtos são essenciais: são eles que fazem o setor avançar e se desenvolver em busca de maior precisão e sofisticação. Mesmo assim, a parte mais relevante da nossa atividade é proteger o carro, a casa e a renda da família do cliente, no caso de ele sofrer um imprevisto. Ou seja, o que interessa mesmo, neste mercado, são as apólices individuais. É um movimento natural. Quando as pessoas adquirem um patrimônio, elas automaticamente passam a considerar a necessidade de proteger esses bens para não perder o que conquistaram. Quanto mais desenvolvido um país, maior a demanda por seguros. Isso está acontecendo no Brasil.
DINHEIRO – Quais produtos oferecem as maiores perspectivas de ganho?
MAURETTE – O brasileiro sabe que o carro é um bem valioso e precisa protegê-lo tanto do roubo quanto do acidente de trânsito, daí a importância dos seguros automotivos. O desenvolvimento seguinte foi ampliar esse pensamento para os eletrodomésticos que a família comprou, daí as apólices de garantia estendida. Em seguida, vieram os seguros residenciais. Com milhões de novos proprietários de imóveis chegando ao mercado, esses são os seguros que mais devem crescer.
DINHEIRO – Qual o tamanho desse mercado?
MAURETTE – Nós acreditamos que o mercado de seguros residenciais tem um potencial de três milhões de novos clientes no Brasil.
DINHEIRO – E como a Liberty pretende operar nesse mercado?
MAURETTE – Hoje, 80% da nossa carteira de seguros é de automóveis. Nossos próximos focos de atuação são os seguros de vida e residenciais. O mercado aqui apresenta um desafio suplementar. Aqui, se uma seguradora quiser ganhar uma fatia do varejo, terá de concorrer com os grandes bancos, que normalmente têm suas próprias seguradoras e já resolveram o problema da distribuição em grande escala.
DINHEIRO – Não é o caso da sua empresa. O que fazer?
MAURETTE – Para uma seguradora como a nossa, que não é associada a nenhum grande banco de varejo, é preciso contar com os corretores de seguros e fazer parcerias. No nosso caso, atendemos o mercado de veículos por meio de uma rede de mais de 600 concessionárias de veículos associadas. Assim, quando o cliente compra um carro, nós queremos estar lá para oferecer o seguro. Já nos seguros residenciais e de vida, queremos atuar por meio das pequenas e médias empresas. Nesse momento de expansão, vai ganhar quem conseguir crescer mais do que o mercado, e nossa estratégia para isso é nos concentrarmos na distribuição e na qualidade dos produtos.
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