sábado, 23 de abril de 2011

Habitar nos tristes Trópicos

Álvaro Pessoa
O Estado de S. Paulo 

Com a ajuda mínima de um mestre de obras o homem do povo consegue fazer sua habitação. Compra cimento, tijolos e telhas, depois janelas e portas. Não consegue é comprar terreno adequado, adutoras ou tratamento de esgotos. O estrangulamento está na falta de solo urbano acessível (espaço mais infraestrutura urbana).

Em 20 anos de vida, o Sistema Financeiro da Habitação construiu 5.400.000 residências, e quase metade de baixa renda. Foram 220 mil casas por mês. Hoje, quando se fazem 50 mil por ano, sai na primeira página dos jornais. Na baixa renda, juro zero; na alta, 12% ao ano, para distribuir renda.

Isso só foi possível pela utilização do Plano Nacional de Água e Saneamento e pelo esforço do Departamento de Terras do Banco Nacional de Habitação (BNH), que tinha como missão exatamente prover estoque regulador de terras equipadas em todas as grandes cidades do Brasil. Como fazem países europeus com juízo. Surpreendente, mesmo, é eliminar um modelo bom, por razões inexplicáveis, sem criar nada semelhante para substituí-lo, já decorridos 25 anos.

A expansão das cidades e das moradias não tem respeito por barreiras, e se mantém sempre em processo de crescimento. É um organismo vivo. Ainda crianças, as cidades tomam vacina (Plano Diretor), mas, uma vez doentes, precisam de safenas, como elevados ou túneis. As cidades brasileiras estão agônicas. Quando pensadas pelos geógrafos, sanitaristas e urbanistas, tudo ia bem.

Atualmente o preço da terra é o eixo gravitacional do crescimento. Esse preço é que centrifuga os desamparados para as periferias, as encostas, as faixas de proteção das rodovias, ferrovias, rios e lagoas, e "terra pública" é sinônimo de terra sem dono.

Ainda no dia 3/4 o Estadão denunciava que os primeiros edifícios da classe média alta já estavam nos limites mais distantes da cidade. É curioso que isso se torne notícia de jornal, porque é a consequência de o poder público financiar o consumo. No tempo do BNH, financiava-se a produção.

Plantar e colher apartamentos num edifício é igualzinho à plantação e colheita de milho, soja ou cana. A operação capitalista é a mesma, com a pequena diferença de que os insumos (na terra urbana) são pagos pela comunidade. Aliás, o terreno em construção chama-se, muito apropriadamente, canteiro de obras. Desse canteiro sai a safra ou a colheita de apartamentos.

É fácil o governo central enfrentar poderes que emanam dos valores fundiários e do capital. Tem poderosas armas legais, além do Banco Central e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Ainda assim, mesmo sob intenso controle, capital e capitalistas são bichos matreiros e levados. A aplicação rigorosa dá-se porque o poder dos governantes federais faz deles adversários sérios.

Nos municípios, a luta é desigual. Prefeitos ganharam, com o Estatuto das Cidades, armas modernas e poderosas, mas faltam recursos humanos treinados para passar de um painel de avioneta para o Boeing. A máquina pública municipal "quebrou". O governo Collor extinguiu, "em nome da economia", as entidades federais que apoiavam municípios e treinavam seus servidores - tradição oriunda da Constituição de 1934. Quando uma empresa chega a um município pobre, faz o que quer. Quando uma gigantesca estatal implanta seus polos, também.

O Plano Diretor é logo tratorado. Poder é poder! Capitalismo e poder caminham de mãos dadas e dizem para onde vai a cidade. Petroquímicas, portos e fábricas de automóveis são bons exemplos de como passar por cima da lei. O povo também usa suas técnicas para fazer a mesma coisa. Apropria o espaço que sobra. Entre 1964 e 1985, já havíamos aprendido a lutar contra a ocupação irregular. Matamos o modelo. Quem está na moda, agora, é o MST.

A natureza é impiedosa e Trópico é Trópico, como nos ensinou Lysia Bernardes, sábia geógrafa e saudosa urbanista.

MEMBRO DO INSTITUTO DOS ADVOGADOS BRASILEIROS, FOI PROCURADOR DO BNH

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