PAULO GUEDES
REVISTA ÉPOCA
O que acontece se você estiver encarregado de tomar conta de duas tartarugas ao mesmo tempo? Elas são bem-comportadas e movem-se lentamente. Dificilmente escaparão de sua guarda. Com duas lebres, a coisa é bastante diferente. Para ter alguma chance de não deixá-las escapar, precisaríamos de pelo menos duas pessoas bem ágeis. Precisaríamos de três pessoas para guardar três lebres, e assim por diante. Esse é o princípio de Tinbergen, aplicável aos instrumentos de política econômica.
Precisamos de tantos instrumentos quantos sejam os objetivos a alcançar. Se o governo tem apenas um instrumento - a política de juros do Banco Central - para perseguir dois objetivos, como conter a inflação e incentivar a geração de empregos, precisa que eles se comportem muito bem, como as tartarugas. Mas, se a inflação corre morro acima, como agora, a política de juros tem de escolher uma lebre para ir atrás. Não atingirá os dois objetivos simultaneamente.
O exemplo ilustra a encruzilhada em que se encontram muitos bancos centrais. As pressões de custos de alimentos, energia e matérias-primas estão em todos os cantos do planeta. Começam a ser repassadas ao longo da cadeia produtiva, mesmo com vendas em queda. Mais inflação e menos crescimento tornaram-se um fenômeno global. As maiores altas de preços registradas nos índices dos produtores forçam em seguida as altas nos índices dos consumidores.
Na economia americana, a taxa de desemprego já estava elevada, pois ainda fumegavam os estragos da Grande Recessão de 2008-2009. Mesmo com a economia enfraquecida, as expectativas de inflação estão subindo lentamente. O Federal Reserve (Fed), banco central dos Estados Unidos, caça ainda sem êxito a lebre do emprego, quando ameaça disparar a lebre da inflação. O Banco Central da Inglaterra já fez sua escolha difícil e começou a correr atrás da criação de empregos. Assim como o Fed, insiste na manutenção de juros muito baixos por um período longo demais. Os anglo-saxões se arriscam a deixar escapar o coelho da inflação.
O Banco Central Europeu deixou clara sua preferência pelo controle da inflação. Iniciou o processo de elevação das taxas de juros, de olho no forte ritmo de atividade da economia alemã. A Alemanha exibe sua menor taxa de desemprego em duas décadas e ignora o sofrimento da Europa mediterrânea.
O BC, sozinho, não conseguirá conter a inflação e preservar a geração de empregos
E o Banco Central do Brasil? Pois bem: decidiu ficar exatamente a meia distância entre as duas lebres. Corre o risco de não pegar nenhuma. Dá sinais de que vai elevar os juros o suficiente para desacelerar a criação de empregos, mas não o suficiente para derrubar a inflação. Pelo princípio de Tinbergen, porém, nem tudo está perdido. O BC pediu ajuda ao Ministério da Fazenda. Seriam agora dois braços do governo para cuidar atrás da inflação e do nível de emprego. Se a Fazenda realmente controlasse os gastos públicos, o combate à inflação exigiria menor esforço do Banco Central - no momento, um braço solitário.
Outro exemplo de que não se pode pedir muito de um só instrumento é o dilema em que se encontra a Petrobras. Por um lado, o governo lhe atribui as responsabilidades por financiar o colossal programa de investimento para a exploração do pré-sal. Por outro, de olho no controle da inflação em curto prazo, impede o repasse da explosão dos custos do petróleo para os preços internos dos combustíveis, algo que dificulta a geração de caixa para os investimentos da Petrobras.
A verdade é que no Brasil sempre teremos muitas lebres (objetivos de política econômica) e muita gente que poderia correr atrás (instrumentos de intervenção estatal). Portanto, maior que o risco de paralisia por indecisão diante de objetivos conflitantes, como parece ocorrer nos exemplos do Banco Central e da Petrobras, é a ameaça de descoordenação entre os instrumentos, com muita gente batendo cabeça e muitas lebres escapando. É preciso decidir logo quem faz o quê.
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário