Baseada em latifúndio e monocultivos, agricultura brasileira já consume 1 bilhão de litros de venenos, que contaminam água, solo e seres humanos. Por Danilo Augusto, na Radioagência NP
Na última safra, as lavouras brasileiras bateram o recorde de uso de agrotóxicos. De acordo com informações do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Defesa Agrícola (Sindage), mais de um bilhão de litros de veneno foram usados na agricultura. Se confirmado o volume de vendas estimado em 2010 pela Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), esse recorde pode ser superado. A entidade estima um crescimento de até 8%, em relação ao período anterior.
O uso excessivo destas substâncias químicas está relacionado com o modelo agrícola brasileiro, que se sustenta no latifúndio, na monocultura, na produção altamente mecanizada para a produção em larga escala. Para sustentar essa lógica, empresas e produtores precisam usar sem qualquer controle os agrotóxicos.
Mas para onde vai este veneno? Grande parte dele vai parar nos alimentos à venda nos supermercados, nas feiras. Ou seja, vai parar na mesa da população e, depois, no estômago.
Um estudo realizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) detectou no pimentão mais comum, vendido nos supermercados, substâncias tóxicas no patamar de 64% além da quantidade permitida. Na cenoura e na alface, foram encontrados 30% e 19% de agrotóxicos acima do recomendável pelo órgão do governo. Vale lembrar que a quantidade limite de agrotóxicos e produtos proibidos são diferentes para cada cultura, mas é certo afirmar que estamos comento produtos envenenados.
Além da contaminação dos alimentos, os agrotóxicos estão se dispersando no meio ambiente, seja na terra, água e até mesmo o ar. Muitos desses agrotóxicos comercializados no Brasil, inclusive, formam banidos da União Europeia (UE).
Uma operação da Anvisa, que durou aproximadamente dez meses e visitou sete fábricas de agrotóxicos instaladas no Brasil, concluiu que seis delas desrespeitavam as regras sanitárias e tiveram as linhas de produções fechadas temporariamente. Entre as irregularidades encontradas, estão o uso de matéria-prima vencida e adulteração da fórmula.
Para a gerente de normatização da Anvisa, Letícia Silva, as irregularidades encontradas se tornam mais preocupantes, pois esses agentes químicos são comercializados e estão se espalhando pelo meio ambiente.
“É bastante assustador. Principalmente quando pensamos que a água que bebemos está contaminada. Há estudos que mostram que há resíduos de agrotóxico na água da chuva e no ar. Um estudo feito pela Universidade Federal do Mato Grosso constatou que há resíduos de agrotóxicos no ar respirado em escolas da zona rural e até mesmo urbana, de municípios que plantam soja. Está em xeque nossa possibilidade de decidir. Começa aparecer indícios que toda uma cadeia alimentar está contaminada, desde a água, o solo, até o ar.
Letícia Silva se refere ao estudo da Fundação Oswaldo Cruz e da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Foram medidos os efeitos do uso de agrotóxicos em moradores de dois municípios produtores de grãos: Campo Verde e Lucas do Rio Verde.
Foi constatado que os agrotóxicos estão até mesmo no sangue e na urina das pessoas. O levantamento monitorou a água dos poços artesianos e identificou a existência de resíduos de agrotóxicos em 32% das amostras analisadas.
Em 40% dos testes com a água da chuva, também foi identificada a presença de venenos agrícolas. Nos testes com o ar, 11% das amostras continham substâncias tóxicas, como o endossulfam, proibido pelo potencial cancerígeno.
O médico e professor da UFMT, Wanderlei Pignatti, relata a situação.
“Não existe uso seguro de agrotóxicos. Uso de agrotóxico deve ser considerado como uma poluição intencional, por quê? As pragas das lavouras que são as ervas daninhas, fungos e insetos, estão crescendo no meio da plantação. Se eles estão crescendo, o fazendeiro poluiu aquele ambiente de maneira intencional para tentar atingir as pragas. Com esta prática, ele polui o ambiente de trabalho, todo o meio ambiente e inclusive polui o alimento que está produzindo. Por isso o fazendeiro sabe que todo agrotóxico que ele compra é nocivo.”
Contaminação parecida foi constada no município de Limoeiro do Norte (CE). Agrotóxicos pulverizados por avião sobre as monoculturas estão contaminando a água da região. De acordo com resultados parciais de pesquisa da Universidade Federal do Ceará (UFC), pelo menos sete tipos de venenos já foram encontrados nas amostras de caixas d’águas que abastecem diretamente as torneiras da população. O morador do município e integrante da Cáritas Diocesana, Diego Gradelha, afirma que o agrotóxico já está contaminando até mesmo um aquífero.
“Já sabemos que há pelo menos setes princípios ativos de agrotóxico na água que bebemos. O Aquífero Jandaíra, com águas a 100 metros de profundidade, já está contaminado. O agrotóxico contamina o homem e a água. Mas existe uma cegueira na administração pública em não fiscalizar e nem cobrar das empresas provas que eles não contaminam.”
De acordo com o integrante dos Movimentos do Atingidos por Barragens (MAB) do estado de Pernambuco, Celso Rodrigues dos Santos, a lógica de produção das grandes empresas para a monocultura acabou sendo adotada pelos pequenos agricultores, que usam excessivamente agrotóxicos para matar qualquer praga que aparece nas plantações.
“Temos uma preocupação muito grande com esta questão dos inseticidas. Quando aparece uma praga o pessoal nem respeita o tempo certo da colheita, e para cultivar o produto “limpo”, sem praga, já sai jogando muito agrotóxico.”
O solo está constituído por uma mistura variável de minerais, matéria orgânica e água, capaz de sustentar a vida das plantas na superfície da terra. A professora da Universidade Federal do Ceará, Raquel Rigotto, explica que não é possível separar os agrotóxicos da destruição do ambiente.
“As empresas chegam e já promovem o desmatamento, reduzindo a biodiversidade que é fundamental para manter o equilíbrio do ecossistema, fato que protege as lavouras contras as pragas. Em seguida entram com a monocultura que nada mais é que a afirmação do oposto da biodiversidade. Depois aplicam uma série de pratica de fertilização. E critérios de produtividade por hectare são impostos à terra para estressar as plantas e produzir rapidamente o fruto. Este modo de produzir é indutor da necessidade do uso de agrotóxico. Com isto a terra está respondendo de forma muito dolorosa. No Ceará, há três fazendas que interromperam a produção porque a terra não produz mais.”
A preservação do meio ambiente, como da água, do solo, do ar e das chuvas, deixa para todos os brasileiros a tarefa de discutir quem são os grandes beneficiados e prejudicados pelo uso excessivo de agrotóxicos nas lavouras de nosso país.
Reportagem de Danilo Augusto, da série especial “Os perigos dos agrotóxicos no Brasil”, produzido pela Radioagência NP
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