sexta-feira, 15 de abril de 2011

Visões sobre o Brasil

por Lucas Toyama  
Canal Rh

Ele tem uma visão privilegiada do Brasil. Olhares múltiplos de quem esteve no governo, quando foi ministro do Meio Ambiente (1993-94) e da Fazenda (1994), de quem já assumiu postos importantes de organizações internacionais, como a Secretaria Geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) e a Subsecretaria Geral da ONU, e de quem mantém o vigor analítico junto com uma moçada cheia de gás, atualmente, o embaixador Rubens Ricupero é diretor da Faculdade de Economia da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap).

Talvez tantas experiências distintas tenham possibilitado a Ricupero fazer leituras assertivas – e críticas – do Brasil ontem, hoje e do futuro. Ele enxerga o progresso vivenciado pelo Brasil nos últimos tempos, mas é parcimonioso quanto à euforia ufanista que toma conta de discursos acalorados e cheios de empolgação. Está confiante com o novo governo, mas afirma ser ainda muito cedo para analisá-lo, justamente pela sua incipiência. Cordial e de fala mansa, ele gosta de discorrer sobre este País que vem ajudando a construir e para o qual prepara futuros profissionais. Confira a entrevista concedida ao Canal Rh em revista.

Canal Rh: Como o senhor avalia o momento do Brasil em termos econômicos??
Rubens Ricupero: No geral, estamos vivendo um momento positivo, que vem num crescente desde que voltamos à democracia, há 26 anos. A participação de todos no processo democrático criou estabilidade, um cenário político favorável, com alternância de partidos. Tudo isso faz com que tenhamos conceitos macroeconômicos bem definidos, com uma solidez jamais vista.

Canal Rh: Esta bonança econômica já foi mais evidente?
Ricupero: Sim. Vejo algumas nuvens. Nos dois últimos anos, sobretudo no último, houve um exagero no estímulo à economia, com intuito eleitoral. Agora, precisamos lidar com a inflação em crescimento. Outro ponto complicado são os altos gastos públicos, com o déficit em conta corrente aumentando de forma assustadora.

Canal Rh: Diante desse cenário, o que esperar do novo governo?
Ricupero: O governo de Dilma, ainda muito incipiente, fez alguns anúncios pertinentes, sobretudo aqueles relacionados ao corte de gastos, ao aumento não exagerado do salário mínimo. A orientação está correta. Todavia, ainda está muito no início e até agora não se sabe como esses cortes serão efetuados, como vão acontecer.

Canal Rh: O Brasil está mesmo no centro das atenções mundiais ou há certa euforia ufanista nisso tudo?
Ricupero: Há uma precipitação. É verdade que a situação melhorou, mas ela ainda é muito recente. Tenho acentuado que só se pode felicitar um país por ter mudado de patamar quando o crescimento econômico aliado a avanços sociais forem uma realidade por 25, 30 anos, como acontece com a Coreia do Sul. Na América Latina, o único país nessas condições é o Chile. Os demais são países de comportamento irregular e não contam com políticas públicas de qualidade, tais quais às chilenas.

Canal Rh: Mas os avanços no Brasil são inegáveis...
Ricupero: Sim, sem dúvidas. Mas me dá a impressão de que vamos conforme o vento. Estamos bem porque nos últimos anos, com exceção da crise recente, o mundo estava em situação favorável. Nunca houve tanta demanda por commodities. Mas, se as condições mudarem amanhã, não vamos sustentar esse cenário positivo. Há muito gasto. Mesmo num cenário de sonho em matéria de commodities, o Brasil não evitou
déficit em conta corrente. Isso mostra que a qualidade das políticas públicas deixa a desejar. Portanto, esse alarde todo em cima do Brasil
é exagerado.

Canal Rh: A relação preservação ambiental e desenvolvimento econômico no Brasil está equilibrada?
Ricupero: De maneira alguma. Eu me preocupo muito com o atual governo em relação a esse assunto. Quando foi ministra da Energia e depois da Casa Civil, a atual presidente dava mais primazia aos grandes projetos do que aos impactos ambientais. Concordo com a ideia de que é preciso agilizar procedimentos de licença ambiental, mas isso não quer dizer tapar os olhos para essa questão tão importante. No futuro, podemos ter uma catástrofe no pré- sal, porque a profundidade da perfuração é enorme. Não vejo também nenhuma exposição de uma política ambiental nova ou coerente. Não vi nenhuma ideia interessante, e isso me preocupa.

Canal Rh: Quais os principais desafios de Dilma?
Ricupero: São aqueles mesmos que ela tem enfatizado: educação, saúde e segurança. O ensino público tem mostrado melhorias, mas precisa de tempo para amadurecer. Já em relação à saúde, temos um novo ministro e precisamos observar como ele vai enfrentar os grandes problemas da área, passando, inclusive, pela questão do saneamento. Quanto à segurança, também é difícil saber, porque tudo é recente demais. Mas se percebe que há boas intenções. Com os fins todo o mundo concorda. O problema é se eles chegarão aos fins e como farão isso.

Canal Rh: A infraestrutura pode prejudicar a competitividade brasileira?
Ricupero: Sem dúvida. É um dos problemas mais graves. Investimos muito pouco em infraestrutura. Hoje, estamos investindo menos de 2% do PIB. Nos anos 1970, no final das grandes empreitadas, o Brasil investia mais de 5% do PIB. Seja energia para indústria, seja o transporte para as commodities, tudo isso encarece nosso produto. Veja a soja: quando ela chega ao porto já perdeu a vantagem porque o custo de transporte e de operação é muito alto.

Canal Rh: A educação tem melhorado, mas a qualificação da mão de obra é um entrave hoje, não?
Ricupero: Sim. Mão de obra não qualificada, hoje, é um dos grandes problemas daqui. Mas esse gargalo é resultado de carência de muito tempo.

Canal Rh: E a iniciativa privada paga essa conta?
Ricupero: Às vezes, sim. Há vários exemplos concretos. A Odebrecht, em Rondônia, para a construção da Usina Santo Antônio, fez um treinamento para milhares de locais que estão na obra, em vez de importar trabalhadores de outras regiões. A Petrobras já anunciou que, para poder explorar os reservatórios pré-sal, vai ter de, nos próximos anos, treinar mais de 250 mil pessoas em diversos níveis. Mas não tem outro jeito. A necessidade faz isso.

Canal Rh: Mas a impressão, hoje, no Brasil, é a de que se compram carro e geladeira, mas pouco se estuda. Esse modelo consumista é sustentável?
Ricupero: Eu recolocaria essa afirmação. Há, sim, uma tendência consumista, mas noto também muita gente se dando conta de que a possibilidade de ter êxito na vida e ter emprego está ligada à educação e ao aprimoramento constante. Antes, essa não era uma questão central e, agora, é. Isso faz toda a diferença.
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