quinta-feira, 28 de abril de 2011

A Inovação no Centro da Agenda



Há praticamente um consenso sobre a necessidade de elaboração e implementação de uma política industrial no Brasil de hoje – realidade bem distinta da existente há alguns anos, em que esse tipo de intervenção era rejeitada praticamente in limine pela ortodoxia econômica e desprezada como instrumento pelas próprias autoridades governamentais. No entanto, os avanços realizados deram-se em meio a resistências que persistem no setor privado, e também a oscilações reais de órgãos de governo, que nem sempre conseguem definir diretrizes claras e contemporâneas para essas políticas. 

Se o avanço – mesmo que homeopático – é animador, a lentidão e as ambigüidades da política ganham destaque quando confrontadas com a efetividade da atuação de concorrentes diretos do Brasil, como a China e a Índia, na via de elevação do padrão de suas economias. 

Exatamente por isso, o debate público sobre os pressupostos que norteiam as políticas industriais é chave para o país. Seja para refinar a qualidade da intervenção pública, seja para melhor entender as resistências no setor privado, ou para superar as visões de curto prazo que marcam grande parte de nossas elites. 
Em primeiro lugar, para além das discussões semânticas, política industrial tem a ver com a preparação do país para o futuro. E, por isso mesmo, precisa estar sintonizada com as tendências mais avançadas do mundo da produção e dos serviços. 

Houve tempos em que esse tipo de política buscou a industrialização brasileira utilizando-se dos processos de substituição das importações. Hoje, temos de buscar obsessivamente a diversificação de nossa indústria e a elevação da qualidade dos nossos serviços. Temos que saber produzir e oferecer o que há de mais avançado, com as melhores técnicas, o melhor gerenciamento, a mais alta qualidade e tecnologia, se quisermos ter empregos decentes, melhores salários, mais renda e qualidade de vida. 

Além de tornar mais complexa a nossa economia, de aumentar nossa capacidade de produzir bens e de oferecer serviços mais avançados, diversificação significa o aprofundamento da nossa integração ao comércio internacional. Temos que ganhar o mercado dos outros, mais sofisticados, aqueles em que a concorrência é mais aguda, exatamente para fazer do nosso crescimento interno uma realidade virtuosa. E isso não por capricho, mas por precisão. Os novos fluxos de conhecimento, essenciais para a transformação efetiva do parque produtivo brasileiro e dos nossos serviços, pedem maior trânsito na realidade global. Sem eles, não conseguiremos crescer nem aprender nas áreas críticas da produção, nos domínios intensivos em conhecimento. Nem oferecer à crítica e à miscigenação o conhecimento que geramos.

Estudo recente do Banco Mundial, coordenado por Carl Dhalman, que envolveu dados referentes a 92 países num período de quarenta anos, mostrou que o conhecimento é o mais significativo determinante do crescimento de longo prazo. As variáveis associadas a indicadores de estoque de capital humano, níveis de inovação e adoção de tecnologias, assim como as referentes à infra-estrutura de tecnologias de informação e comunicação, foram consideradas particularmente significativas para explicar o crescimento das economias. Ao tomar o número de patentes norte-americanas concedidas a residentes de determinados países como um dos indicadores do desempenho inovador de suas empresas, Dhalman mostrou que para cada aumento de 20% estava associado um aumento de 3,8% (em média) no crescimento anual do pib dos países pesquisados. 

Em outra chave, pesquisas da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (ocde, 2004) confirmaram que os níveis de renda per capita de mais de cinqüenta países não convergiam automaticamente e que o crescimento duradouro só encontrava explicação quando relacionado com as áreas intensivas em conhecimento. Os países que desenvolveram produtos ou processos inovadores para os padrões mundiais desfrutavam de vantagens competitivas adicionais. Os mercados, em geral, mostravam-se dispostos a comprar quantidades crescentes e a pagar por seus produtos preços relativamente elevados. Essas vantagens respondem pelos padrões de vida mais elevados e financiam a continuidade dos esforços de pesquisa necessários para assegurar a liderança nos processos de inovação. 
Estratégias de catch-up: 

o exemplo dos Tigres

No Brasil, apenas um seleto grupo de empresas consegue desenvolver esse tipo de mecanismo virtuoso. E é dele que o Brasil mais precisa. E é por ele que uma política industrial precisa ser implementada – para mudar a realidade das empresas brasileiras. Oferecer a elas a oportunidade de competir com outras, em nosso mercado interno e no mercado externo. Essa é a questão de fundo que toda política industrial precisa atacar.

Por esse prisma, inovação torna-se um imperativo para a política industrial brasileira, não uma opção.

No Brasil, a inovação apenas nos últimos anos começou a freqüentar a fala do governo e os planos empresariais. Temos pela frente um caminho árduo, que exige mudança de cultura, de hábitos, de mentalidade, tanto no setor privado quanto no setor público. Mas não há nada – a não ser nossos vícios – para atrapalhar nossa caminhada. 
Nos países mais avançados, e também no novo mundo dos emergentes, os processos de inovação são cada vez mais essenciais para explicar a melhoria e a transformação qualitativa das empresas e das dinâmicas das economias. 

Como desenvolver esse processo? 

Antes de mais nada, é preciso ampliar os processos de diálogo entre o setor público e o privado. No Brasil, é preciso reconhecer que há vida inteligente no mundo empresarial. Que existem empreendedores que buscam a inovação em sua empresa de modo regular e sistemático. Que após o ciclo desenvolvimentista nasceram empresas empreendedoras, afeitas a um mercado mais aberto, que incorporaram nas suas estratégias a qualidade e as exportações e que assumem riscos maiores com a internacionalização de seus ativos. Anos de soberba estatal dificultam esse reconhecimento.

Colocar o foco das políticas nas empresas significa orientar a atuação pública decisivamente para as mudanças no ambiente econômico, regulatório e institucional. A economia brasileira remunera pouco a inovação. E todas as pesquisas indicam que as empresas exponenciam sua atuação quando trabalham num ambiente mais favorável. 

Empresa, empreendedor e ambiente formaram o alvo preferencial das políticas industriais mais exitosas dos anos 1970, 1980 e 1990. Países como Coréia, Taiwan e Singapura fizeram uso à fartura de políticas industriais baseadas nessas três dimensões. Conseguiram dar grandes saltos, do ponto de vista tanto econômico quanto social. E seus feitos provocaram debates e interpretações que ainda não encontraram seu fim. 
Os tópicos mais atraentes referem-se às escolhas de longa duração, pois realçam que não são espontâneos, automáticos ou naturais os mecanismos que impulsionam o crescimento econômico. O destaque desse debate está nas escolhas políticas – públicas e privadas – que corroem a idéia de um funcionamento autônomo da economia em relação à sociedade. 

Na esteira do Japão, a Ásia dos anos 1970 e a China e a Índia de hoje mostram-nos claramente que não há uma tendência natural à convergência entre nações e povos, convergência de renda, de produtividade ou mesmo institucional. Vimos de tudo nesses países, menos a esperança de que apenas um suposto funcionamento autônomo da economia poderia levá-los a superar o atraso secular. 

A idéia de catch-up marcou a narrativa de suas estratégias. Como conceito refere-se às habilidades que um determinado país desenvolve para viabilizar a redução da distância que o separa de um país líder. Catching-up opõe-se, assim, à idéia de “convergência”. Esta, diferentemente, assume a forma de uma hipótese, enfatizada pelo mainstream da economia, que afirma a confluência das nações para um patamar comum como desenlace quase natural do desenvolvimento capitalista – desde que a economia dos países atrasados se organize segundo as regras dos avançados. 

Há pesquisa em abundância a mostrar que na melhor das hipóteses a convergência de renda e produtividade seria realidade apenas para alguns países e, mesmo assim, em períodos definidos no tempo. Mais do que isso, a atuação desinibida de alguns países asiáticos apresentou-se como um contraponto à ortodoxia econômica, distorcendo preços, protegendo empresas e indústrias, selecionando setores, definindo prioridades científicas e tecnológicas, metas e incentivos para a exportação, tudo isso controlado por instituições nada semelhantes às dos países do Norte.

Ali onde as leis gerais que em tese governariam a economia mostraram suas fraquezas, a história, a sociologia e a política seriam requisitadas como perspectivas e instrumentais insubstituíveis de análise. 

Foi dessa forma que ganhou relevo, na história do capitalismo moderno, o reconhecimento de que os extensos processos de aprendizagem e de inovação, de produção de conhecimento e de capacitação científica e tecnológica estiveram na raiz do desempenho diferenciado de alguns países. 
Não se trata de tomar os Tigres ou a China como modelos, mas de se debruçar sobre os processos de longa duração e compreender como eles podem ser fundamentais para viabilizar a superação do atraso social e econômico. 

Nos anos 1970, os Tigres Asiáticos, apesar de suas diferenças, compartilharam uma visão relativamente semelhante sobre o lugar que o conhecimento deveria ocupar como ponto de apoio central para possibilitar o surgimento de novas estruturas econômicas e sociais. 

Os emergentes de hoje aprendem a duras penas que as diferenças na qualidade de vida de pessoas, no sucesso de empresas e no nível de desenvolvimento de nações dependem, em muito, da forma como se produzem e utilizam conhecimentos científicos e tecnológicos, assim como dos processos de inovação. O Brasil também aprende, mas nem sempre isso é percebido. Muitos analistas, acostumados a reduzir a economia à macroeconomia, congelaram seu olhar no câmbio, nos juros e na inflação. E perderam a capacidade de captar as mudanças que ocorriam no interior das empresas. 

As pesquisas do IPEA, porém, mostraram que há um número cada vez mais expressivo de empresas inovadoras, de capital nacional, que se têm destacado em mercados sofisticados. Essas empresas exportam mais, faturam mais, têm maior lucratividade e pagam melhor seus funcionários (23% a mais), que são mais qualificados e permanecem mais tempo no emprego. 

Essas empresas de elite, apesar de seu número ainda pequeno (cerca de 1,7% do total das empresas), respondem por mais de 25% do faturamento industrial. São empresas que alteraram suas estratégias de expansão e passaram a buscar informações no exterior, a adaptar-se às normas internacionais para exportar e a fazer prospecção tecnológica e investimentos fora do Brasil. Para isso, valorizaram seu capital humano e o conteúdo tecnológico obtido por meio do aprendizado. 

O surgimento desse grupo novo de firmas brasileiras sugere que a inovação tecnológica está sendo valorizada por sua capacidade de orientar decisivamente o desempenho dessas firmas. Trata-se de uma realidade nova, que não está visível a olho nu e, muitas vezes, enfrenta o tradicional descrédito do brasileiro sobre a seriedade do nosso país. Por conta da existência desse conjunto de empresas inovadoras, que se destacam pelos méritos de seu sistema inovador e não por pagarem baixos salários, ou por se beneficiarem de recursos naturais, o Brasil representa uma realidade única na América Latina, distinta inclusive da Argentina e do México. 
Inovação para competir com as outras grandes economias emergentes

Mas o Brasil precisa avançar mais rapidamente para competir com a China e a Índia, que lideram o pequeno clube de países em desenvolvimento que já provoca alterações profundas no cenário econômico mundial. 

Em 2007, as economias emergentes responderam por cerca de metade do pib mundial (em PPP). Desde que China, Índia, Brasil e Rússia começaram a abrir suas economias, a força de trabalho global dobrou. Em dez anos, cerca de um bilhão de novos consumidores entrarão nos mercados, graças ao crescimento dos emergentes. A participação dos países em desenvolvimento nas exportações mundiais foi de mais de 40% no ano passado, quando era de 20% nos anos 1970. Esses países já respondem por mais de metade da energia consumida no planeta e seus bancos centrais são guardiões de mais de 70% das reservas mundiais. O pib dos emergentes representa mais de 43% do pib mundial, enquanto os PIBs dos Estados Unidos e Europa somados não chegam a 36%. A economia dos emergentes contribuiu em 2007 com cerca de 70% para o crescimento do pib mundial; já os países europeus e Estados Unidos com menos de 20%. 

Muito dessa mudança está relacionado com o desempenho da China, é fato. Mas não há como negar que um grupo seleto de países emergentes tende a mudar a qualidade de suas economias com fortes impactos sociais. 

Nos anos 1990, apesar da debilidade das políticas governamentais de apoio a esse movimento, muitas empresas brasileiras entraram em sintonia com o novo cenário mundial. Anos após as iniciativas do setor privado, a política industrial deveria ser um reforço de peso dessa tendência, certo? Nem sempre, e muito timidamente. 
Empresas chinesas e indianas já são líderes mundiais em vários setores da economia. Em algumas áreas o Brasil também avançou, mas no conjunto as empresas brasileiras ainda estão muito atrás dos nossos principais concorrentes. Por isso mesmo, seria mais do que oportuno que elas contassem com mais instrumentos de política industrial e tecnológica para se internacionalizar e inovar com mais força e rapidez, pois a integração crescente dos países emergentes à economia global desenha cenários que apontam para o maior reposicionamento das nações desde a Revolução Industrial. A Política de Desenvolvimento da Produção, anunciada pelo governo federal em maio último, apenas toca nessa questão de fundo. 

O ponto principal é que, no século XXI, nenhum plano de crescimento ou política industrial pode ignorar esse movimento de internacionalização das empresas baseado na inovação e na tecnologia. 

Temos condições para esse salto? 

Acredito que sim. Apesar de todas as distorções, o Brasil construiu ao longo das últimas décadas uma estrutura institucional capaz de dar conta do recado. 
Desde 2004 o Brasil conta com diretrizes modernas de política industrial. Criou juntamente com a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI) e a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), para coordenar a política. Em 2004, o Congresso aprovou a Lei de Inovação, que permite avançar na cooperação entre centros de pesquisa, universidades e empresas. Desde 2005 contamos com a Lei do Bem, que permite às empresas realizar abatimentos adicionais de 60% a 100% do total de gastos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e que está sendo utilizada pelas empresas.
Iniciada em 1999 e consolidada em 2001, a engenharia institucional dos fundos setoriais deu novo impulso à inovação. Instituições, como a Finep, CNPq, INPI e Inmetro, somam-se aos centros de pesquisa, públicos ou privados, para formar uma enorme rede de competências já em funcionamento e que faz inveja a muitos outros países, em especial aos nossos concorrentes diretos. Sem contar o BNDES, que é o principal instrumento de política industrial do país.

O Brasil tem competência, diretrizes e ações para as áreas de fármacos, biotecnologia, software e semicondutores, entre outros. Existem instrumentos para reduzir o risco do desenvolvimento tecnológico empresarial. A aprovação de outros instrumentos voltados para o apoio à pequena e média empresa, em especial para o seu esforço de internacionalização, reforçaria o dinamismo de nossas estruturas produtivas.

Perder a referência internacional pode significar o rebaixamento do esforço tecnológico e inovador do país e uma mutilação das propostas de crescimento. Esta é uma das principais fraquezas dos nossos planos de crescimento. Fraqueza que pode ser superada a partir da abertura de um diálogo efetivo com a sociedade, o setor produtivo, a comunidade cientifica e os próprios órgãos de governo e com a compreensão do que se passa nas economias dos nossos concorrentes. 

Ou seja, política industrial no Brasil deve orientar-se para puxar as empresas para trajetórias mais nobres, que exigem maior esforço tecnológico. Apesar de a maioria dos países em desenvolvimento permanecer ainda prisioneira dos limites estreitos de um aprendizado passivo, existem casos de imitadores que foram ou estão sendo capazes de realizar processos bem-sucedidos de rápida, contínua e eficiente absorção e aperfeiçoamento de tecnologias. A Coréia e Taiwan fornecem-nos claras lições a respeito. Suas estratégias ativas de aprendizado tecnológico permitiram que suas economias seguissem trajetórias de contínua elevação da produtividade e de acelerada modernização de sua pauta produtiva. Com isso, moveram-se de forma progressiva para uma competitividade autêntica.

As dificuldades estruturais para geração e absorção de tecnologias, com suas conseqüências negativas para a competitividade, são algumas das razões mais importantes pelas quais as economias mais atrasadas têm dificuldades de alcançar elevados níveis de renda e eqüidade. Como exemplo, vale a pena lembrar que a elevação de salários – requisito-chave para qualquer processo de desenvolvimento efetivo – pode comprometer uma das poucas vantagens competitivas dessas economias. Não é demais ressaltar que a dependência de custos baixos de mão-de-obra como fator-chave de competitividade é uma armadilha no longo prazo. Com o passar do tempo, novos competidores com custos salariais mais baixos acabam aparecendo no mercado internacional. É eloqüente o exemplo da China e sua voracidade em abocanhar mercados de países emergentes, inclusive o do Brasil. Aperfeiçoamentos tecnológicos poupadores de emprego são continuamente introduzidos, corroendo com isso as vantagens competitivas baseadas em mão-de-obra barata e pressionando os custos salariais no sentido do rebaixamento adicional. 

Dessa forma, qualquer estratégia competitiva que esteja baseada em custos baixos de mão-de-obra, que se contente com a produção de commodities ou que subestime a inovação, representa uma escolha de competição mutilada, que dificulta a construção de uma autêntica estratégia nacional de desenvolvimento.

Se aprendemos essa lição, em especial após todas as armadilhas em que o Brasil se meteu com o protecionismo desenvolvimentista, o principal objetivo da política industrial para países como o nosso deve ser a ruptura do círculo vicioso que parte da existência de um elevado hiato de produtividade em relação às economias líderes, passa por um processo passivo de aprendizado tecnológico, insiste na dependência de vantagens competitivas espúrias e se fecha com a reprodução do atraso tecnológico. A ruptura dessa via passiva é a única forma de levar o Brasil a dialogar com seu futuro.

Vale a pena lembrar que mais da metade do excepcional crescimento ocorrido na economia norte-americana durante a década de 1990 decorreu de indústrias que não existiam na década anterior, quase todas criadas e desenvolvidas como resultado de inovações nas áreas de eletrônica, informação e telecomunicações. E que, nos países da ocde, cerca de 60% do crescimento das economias avançadas estão diretamente ligados aos processos de inovação.

O que o Brasil tem a aprender com os países da OCDE? 

Apesar do estilo recatado, sem alarde, é difícil nos dias de hoje encontrar algum governo de país avançado que não desenvolva ativamente políticas industriais. A maior parte dessas políticas está orientada para a elevação do padrão de competitividade de suas economias. Em geral, emanam do poder público com nomes diferentes e só são implementadas após intenso diálogo com o setor privado. 

Essa foi a primeira lição aprendida pela pesquisa sobre Estratégias de Inovação em Sete Países: Estados Unidos, Canadá, França, Reino Unido, Finlândia, Irlanda e Japão. O estudo, patrocinado pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e executado pelo Observatório de Inovação do Instituto de Estudos Avançados da USP , procurou identificar os elementos comuns que marcam a atuação dos órgãos de governo e as visões empresariais. 
Embora os países sejam muito diferentes entre si, tanto pela sua história, tamanho e cultura, quanto pelo seu grau de desenvolvimento e estrutura econômica e social, todos eles transitam para um novo paradigma de desenvolvimento, em que o conhecimento ocupa lugar central na produção e reprodução das novas relações econômicas e sociais. 

Por isso mesmo, a inovação está no coração de suas políticas de competitividade. Por se constituírem em estratégias nacionais, os novos programas, agências e órgãos de Estado que cuidam das políticas de inovação estão ligados diretamente aos centros de poder, seja à Presidência ou aos gabinetes dos primeiros-ministros. 
Os sete países buscam aperfeiçoar seus sistemas nacionais de inovação tendo como referência as práticas e processos de classe mundial. Isso significa que os indicadores mais avançados do mundo funcionam como metas a serem igualadas e superadas. Não é à toa que educação, ciência e tecnologia formam um tripé fundamental em suas políticas de desenvolvimento. 

Nos sete países, as empresas estão no centro das atenções dos órgãos de governo. São alvos preferenciais de suas políticas. E ocupam o centro de suas preocupações com a prosperidade de seus cidadãos. Isso significa que os processos de inovação gerados nas empresas são compreendidos como os principais mecanismos capazes de aumentar, acelerar e sustentar a competitividade das economias, gerar empregos de qualidade e salários dignos.

Nos países pesquisados, inovação não se reduz à tecnologia. É tratada de modo mais amplo, como geração de novos produtos, serviços, processos, negócios, organizações, estratégias. Os estudos que orientam todas as políticas implementadas nos últimos anos mostram, como no Brasil, que as empresas inovadoras dinamizam as economias, diversificam os negócios, elevam a qualidade dos salários e a qualificação do trabalhador.

O estudo realçou que, apesar dos ritmos distintos, os sete países criaram novas instituições e novas leis, voltadas para implementar, coordenar, monitorar, avaliar e aperfeiçoar os novos planos, programas e políticas de incentivo à inovação. E esse processo se deu sempre marcado pela busca da cooperação e diálogo entre o setor público e o privado.

Com suas especificidades, todos os países perseguem, estimulam economias mais inovadoras e se esforçam decididamente para implantá-las. Na raiz de sua transição, está a compreensão generalizada de que os novos fluxos de conhecimento empurram todos os países a repensar e modificar o perfil e a atuação de suas instituições públicas e privadas.

Limites e avanços da nova política industrial

O Brasil não ficou mal situado na comparação com as novas políticas e instituições que estão sendo geradas nesses sete países. Também aqui há um esforço para colocar a inovação no centro das políticas de desenvolvimento. Mas não há como negar que é necessário melhorar muito a qualidade da elaboração, dos instrumentos e da coordenação da política industrial. Tampouco se pode negar as resistências às políticas de inovação. Apesar do quase-consenso nas declarações públicas, parte do empresariado brasileiro ainda compreende política industrial apenas como redução do “custo Brasil”. O governo federal têm enormes dificuldades de definir prioridades, escolher áreas e domínios que mereçam alocação intensiva de recursos para fazer o país avançar em conexão com o futuro. E os empresários, dificuldade maior ainda para aceitar a priorização de objetivos e alguma hierarquia na alocação de recursos. Basta olhar para a Política de Desenvolvimento Produtivo, anunciada na sede do BNDES no último dia 12 de maio, que elegeu cerca de 25 setores prioritários. O positivo é que a nova política foi caracterizada como a segunda fase da PITCE e, por isso mesmo, manteve a ênfase na inovação e fixou metas ousadas de aumento do investimento. 

O debate sobre prioridades não se traduz numa escolha de vencedores. Foi-se o tempo em que os governos podiam pensar em atuar nessa direção, seja pelas regras da economia global, seja pela nova complexidade das economias nacionais, mais integradas e diversificadas. Trata-se, porém, de priorizar setores e tecnologias estratégicas, como as de informação e comunicação e para a saúde, e apoiar inequivocamente o desenvolvimento da qualificação nacional em energias renováveis, biotecnologias e nanotecnologias. Setores que movem os centros dinâmicos da economia global e que, por isso mesmo, indicam, comparativamente, os avanços, a estagnação ou regressão dos países. E que não serão desenvolvidos se deixados à própria sorte, como a raquítica microeletrônica brasileira o demonstrou. Nesta, perdemos o passo por falta de política. Ocorrerá o mesmo com as novas áreas portadoras de futuro, como a nanotecnologia, a biotecnologia e a biomassa?

Desse ponto de vista, a combinação entre investimento e inovação recém-anunciada é positiva. Aumentar a taxa de investimento é condição para dar sustentabilidade ao nosso crescimento. No entanto, investimento sem inovação não gera naturalmente a transformação da nossa estrutura produtiva, nem permite que o nosso país eleve o patamar de seus serviços. O que ordena a pauta brasileira é a expansão e maior participação das nossas empresas nas cadeias globais de mais alto valor agregado. É bom lembrar que os sete países visitados fazem escolhas e priorizam atividades que recebem aportes mais consistentes de recursos públicos e estimulam a concentração de investimento privado. Nos sete países, a leitura do orçamento, do mapa da alocação dos recursos e dos múltiplos programas nacionais de longo prazo – que sobrevivem às mudanças de governo, como se fossem atribuições de Estado – deixam claras as opções nacionais. 

O Brasil tem o diferencial de uma estrutura produtiva diversificada e integrada. Possui um mercado interno de escala considerável. Uma rede nada desprezível de instituições de pesquisa e desenvolvimento. Uma pós-graduação que forma hoje cerca de dez mil doutores por ano. Uma produção científica que cresceu nos últimos vinte anos seis vezes mais do que a taxa média mundial. Somos líderes mundiais em várias áreas industriais, inclusive de alto conteúdo tecnológico. Somos (ainda) imbatíveis na produção de etanol e biocombustíveis que, apoiados por um eficiente sistema de P&D, apresentam-se como imensa possibilidade de inserção internacional ativa no universo da biomassa.

Conclusão (e propostas)

Correndo o risco de oferecer neste final um otimismo ingênuo, acreditamos que o Brasil depende cada vez mais da intensificação de seu próprio esforço tecnológico para acelerar seu crescimento, melhorar sua inserção em mercados intensivos em conhecimento, reduzir suas desigualdades e elevar a qualidade de vida de sua população. 
É por acreditar que temos condições para avançar nessa direção que apresento, esquematicamente, para concluir, as propostas que resultam da pesquisa “Estratégias de Inovação em Sete Países: EUA, Canadá, França, Finlândia, Irlanda, Reino Unido e Japão”.

Para mobilizar o país para a inovação: 

    •    aprofundar diálogo e criar fóruns permanentes com lideranças empresariais para o desenvolvimento da Iniciativa Nacional de Inovação;
    •    criar malha mundial de pesquisadores brasileiros no exterior para obter informações, captar tendências, organizar prospecções e acolher propostas para o país;
    •    organizar campanha para divulgar leis e instrumentos de apoio à inovação. 

Para promover a necessária coordenação estratégica:

    •    reforçar o comando da PITCE e a articulação entre Ministérios e Agências e o diálogo com o setor privado.

Para articular os instrumentos de política: 

    •    incentivar o desenvolvimento de pólos, redes e arranjos voltados à inovação, envolvendo necessariamente um conjunto de empresas, institutos de ciência e tecnologia (ICTs) e entidades locais diversas. A inspiração para essa proposta vem da experiência francesa de Pôles de Compétitivité e do modelo finlandês dos Strategic Centres for Science, Technology and Innovation. Os arranjos, pólos ou redes de inovação podem ser locais, regionais, setoriais, temáticos, desde que sejam coerentes com as prioridades da política industrial e tecnológica. Não serão consideradas redes apenas acadêmicas ou apenas empresariais. O peso empresarial deve ser relevante, não podendo ser uma “fachada” para o desenvolvimento acadêmico. Isso significa que haverá edital competitivo e disputa entre propostas. Ao governo cabe facilitar a articulação e subsidiar, de forma competitiva, a governança do arranjo; 
    •    articular mesoprojetos voltados para o desenvolvimento tecnológico robusto. Por exemplo, programa de novos materiais compostos. A proposta guarda semelhança com os projetos prioritários desenvolvidos no Japão (ex.: supercomputador), França (ex.:TGV), EUA (ex.: programas ligados à defesa). O projeto seria articulado pelo governo, mas com participação direta de empresas. Esses mesoprojetos seriam voltados para as pesquisas em fase pré-competitiva. Envolvem a criação de infra-estrutura pública em parceria com empresas e, por exemplo, podem dar forma a laboratórios de motores a biocombustível, novos materiais, hidrólise e tecnologias mais avançadas em bioetanol. O ponto básico é a forte coordenação do Estado, via entidades que tenham visão prospectiva e capacidade operacional. A ABDI é o locus por excelência para essa coordenação e articulação, seja por sua missão, seja pelos instrumentos que está construindo, como a Renapi (Rede Nacional de Agentes de Política Industrial);
    •    implementar programa de utilização das compras governamentais para o desenvolvimento de novos produtos, capacidades e tecnologia. Os países pesquisados, em especial os EUA, utilizam intensamente o sistema de compras governamentais para organizar licitações para o desenvolvimento de sistemas complexos de tecnologia, muitas vezes com até 50% de probabilidade de se transformarem em recursos a fundo perdido. No Brasil, esses recursos podem ser orientados para a formação de alianças ou consórcios de empresas (grandes e pequenas) e centros de pesquisa, de modo a acelerar o desenvolvimento da tecnologia nacional em domínios na fronteira do conhecimento; 
    •    o Brasil experimentou programas mobilizadores de sucesso, como o PBQP (Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade). Programas desse tipo são importantes, ajudam na construção de uma cultura gerencial, mas não podem funcionar sozinhos. No centro do programa deve estar um sistema de consultoria presencial de organização e gestão para as empresas de pequeno porte. Uma fonte de inspiração é o antigo sistema de crédito rural realizado pela Emater, em que o crédito era condicionado à análise técnica e a financiava. Todos os países visitados têm programas desse tipo. Um modelo que pode ser aperfeiçoado e expandido é o do Projeto Extensão Industrial Exportadora, do MDIC, cuja execução é limitada pela reduzida flexibilidade operacional da administração direta. Um programa desse tipo ocuparia o papel de programa de entrada para pequenas e médias empresas, antes de programas voltados exclusivamente à tecnologia; 
    •    criar um Fundo Nacional de Inovação, de grande volume e com investimento diversificado, de modo a evitar a pulverização atual de programas de pequena expressão; 
    •    dar atenção especial ao desenvolvimento de sistemas de venture capital, em todas as suas variantes.

Para melhorar a gestão e avaliação das políticas:

    •    montar sistema permanente de monitoramento e avaliação da competitividade e políticas de inovação, tendo como referência os padrões internacionais de excelência;
    •    convocar reunião nacional de “observató¬rios”, núcleos ou agências que tenham como obje¬tivo o acompanhamento da inovação para discutir a articulação de um sistema nacional. 

•Glauco Arbix é professor do Depto. de Sociologia da USP. Coordenador do Observatório de Inovação do Instituto de Estudos Avançados. Membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia.
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