José Roberto de Tolledo
O Estado de S. Paulo
Assim como toda a humanidade é afrodescendente, toda linguagem emana da África, revelam agora os cientistas. Os homens e suas línguas são todos primos, em diferentes graus de parentesco, evoluindo rumo à incompreensão mútua. Mas há exceções.
Veja o caso do politicus brasiliensis. Concentrado em um nicho do Planalto Central, esse grupamento se comunica em português, embora nem todos os seus integrantes se façam entender. Alguns produzem dialetos: o "povão" de Lula não é o mesmo "povão" de Fernando Henrique.
Há muitas outras expressões que têm significados distintos para cada subgrupo. O que eles chamam de "reforma política" tem implicações completamente diferentes para a taba dos tucanos em comparação às dos petistas, dos peemedebistas e dos partidos pigmeus.
Ao antropólogo amador convém lembrar sempre que, embora possa parecer que estejam todos debatendo o bem da aldeia, cada lado defende estritamente os interesses de sua oca. A preferência por um ou outro sistema eleitoral, por exemplo, varia em função das chances de eleger maior número de representantes para o conselho tribal.
Se o jeito "cada um por si e ninguém por todos" melhora as probabilidades do PMDB, é com esse que ele vai. Se o voto em lista aumenta o poder da caciquia partidária sobre a indiada, é esse o modelo a ser defendido pelo PT.
O que pode parecer cinismo em outras plagas é puro pragmatismo para o politicus brasiliensis: não há sistema intrinsecamente melhor ou pior; há os mais e os menos convenientes.
Um observador distraído poderia perguntar: uma reforma não serve para consertar os erros, a começar dos mais graves? Esse tipo de ingenuidade não existe na linguagem brasiliense.
O voto de um índio de despovoada área ao norte conta 11 vezes mais do que o de um sujeito da mesma etnia que mora mais ao sul, mas isso não é importante para os caciques. Corrigir distorções de representação dá trabalho e seu lucro é duvidoso. Preferem apagar do dicionário.
Quase tão complicado é diminuir o número de partidos custeados por "o seu, o nosso" (maneira como entendem o conceito de "dinheiro"). Nessa discussão, os pigmeus se agigantam. Barram qualquer tipo de barreira à sua existência. Mas nada fazem além de repetir os primos maiores ao defenderem sua oca em detrimento da aldeia.
Tal qual um bonobo africano, o politicus brasiliensis tende a ter muitos e diversos parceiros. Daí ser quase impossível cobrar-lhe fidelidade partidária. Importam, pois, prática de outras culturas. A promiscuidade é proibida ao longo do ano, com exceção de um breve período quando ninguém é de ninguém. É o carnaval partidário, chamado lá de "janela".
Ideologia é conceito ultrapassado entre eles. Preferem testar as fronteiras da física e da filosofia, fundando partidos que não estão "nem no centro, nem na direita nem na esquerda".
Abandonar sua oca e erguer a própria taba é um costume frequente do politicus brasiliensis. Mais do que um simples ritual de passagem, é uma tentativa de formar sua própria dinastia. Se há, digamos, Maias e Magalhães lotando o cacicado de um partido, cria-se outro para abrigar Kassabs e Afifs.
Para alguns pesquisadores, a prática de mudar o nome da taba de tempo em tempo e produzir defecções contínuas pode levar à extinção. Ainda não há evidências empíricas suficientes para provar a tese, mas a tenda que já foi Arena, PDS, PFL e agora DEM está cada vez menor.
Mesmo reduzido, o grupamento politicus brasiliensis é diversificado. Há representantes de ambos os gêneros, de múltiplos credos, de heterossexuais, de homossexuais, e, dizem algumas correntes antropológicas, até dos Neandertais.
Seu objetivo é eternizar-se no poder. Alguns exemplares acreditam que cultivar o bigode e tingir o cabelo ajuda. Outros preferem implantes capilares. Mas nada bate seu sistema de troca de favores, chamado toma lá dá cá. "Nunca se sabe quando será preciso contar com o voto de um colega para arquivar uma falta de decoro", dizem.
Apesar das diferenças, o grupo sempre acaba se entendendo. Você pode até não compreender, mas eles falam a mesma língua.
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