Muitas são as patologias que afetam as organizações. Vejam, por exemplo, os casos do autismo e do dramatismo, ambos já comentados nesta coluna. O autismo costuma vitimar organizações bem-sucedidas, ou que se acham bem-sucedidas. O excesso de confiança faz com que os executivos passem a filtrar as informações do meio. Boas notícias são amplificadas e más notícias são barradas. Com o passar do tempo, uma atmosfera de faz de conta domina o ambiente. Seguem-se, frequentemente, o declínio e a queda.
O dramatismo é a praga da época e afeta empresas de todos os portes e setores. Seus líderes assumem comportamento de celebridades, valorizando a imagem mais do que os fatos. Seus colaboradores colocam suas carreiras acima de tudo, sempre preocupados em passar uma boa impressão. Rituais, eventos e comemorações sucedem-se, transformando o ambiente em teatro ininterrupto.
O autismo e o dramatismo têm uma característica comum: o comportamento performático dos profissionais. Tal comportamento se manifesta em interações medidas e diálogos cifrados, uma coreografia verbal de meios-tons que é planejada para proteger os interlocutores e esconder a realidade. Os funcionários de organizações infestadas empenham-se na busca de um discurso perfeito, no qual todas as arestas são aparadas e as críticas mais cruas são eliminadas. Qualquer semelhança com a novalíngua da distopia 1984 pode ser mais do que mera coincidência.
Além de trazer riscos para os negócios, esse comportamento ameaça a saúde psíquica dos indivíduos. De fato, é no mínimo entediante, e pode ser enlouquecedor, passar dez horas por dia em ambientes controlados por regras invisíveis, a ditar o que pode ser dito, quando pode ser dito e de que maneira pode ser dito, ambientes nos quais a espontaneidade foi banida e toda interação humana se baseia em clichês e chavões.
Que fazer? Para enfrentar o deplorável estado das coisas, este escriba propõe a adoção de uma nova técnica gerencial: o feedback- selvagem (wild feedback). Concebido como ferramenta de resistência, o feedback selvagem pode ser aplicado nas mais diversas situações. Seu objetivo é desmascarar o formalismo, desnudar a cena armada e mostrar os bastidores. A técnica fundamenta-se no bom humor e no uso natural, instintivo, da ironia. Bem aplicada, é capaz de espalhar o riso e desbancar a afetação.
O feedback selvagem insere-se em um amplo espectro de formas críticas de interação humana. Entre as formas mais amenas, encontramos o olhar atravessado e o suspiro de desaprovação. Entre as formas mais duras, temos o assédio moral e a emboscada (para mais detalhes sobre essa última técnica, sugere-se uma busca na internet, a partir dos termos spaghetti western e Sergio Leone).
O feedback selvagem exige senso e sensibilidade. O emprego do sarcasmo e da ironia não deve fazer com que a vítima se sinta diminuída. Seu uso não deve ferir, embora o interlocutor eventualmente mereça uma boa sova. O efeito deve ser desconcertante, cativar a plateia e o próprio alvo. Seu sucesso depende da boa escolha das palavras tanto quanto do olhar, do tom e, principalmente, do momento. Para obter o efeito desejado, a frase deve carregar a adaga e o gestual deve garantir a descontração.
O feedback selvagem pode ser empregado em interações um a um, inclusive por meios eletrônicos, muito populares nos dias de hoje. Entretanto, seu impacto é maior em situações coletivas, tais como reuniões e eventos corporativos.
A técnica pode ser aplicada com o objetivo de vingança contra aquele consultor arrogante, que nos puniu com uma longuíssima apresentação, cheia de slides e vazia de conteúdo; ou contra aquele palestrante motivacional, contratado pela área de recursos humanos, que nos bombardeou com comentários infantis sobre filmes maravilhosos, livros obrigatórios e passagens marcantes de sua ida ao Tibete.
A técnica pode também ser usada contra canastrões internos. Afinal, ninguém precisa sofrer calado após um diretor da empresa contar, pela quinta vez, sobre seus cursos em Harvard e seu encontro (de 90 segundos) com Steve Jobs; ou ficar quieto diante das propostas empoladas da equipe de marketing, pretensamente criativas e totalmente absurdas; nem aturar mais uma exposição destrambelhada do gerente de tecnologia, incapaz de se comunicar com o mundo ao redor sem desfilar orgulhosamente os jargões de sua profissão.
Finalmente, deve-se registrar que o uso da nova técnica apresenta uma contraindicação: ela não deve ser aplicada contra hipertensos – o choque poderá provocar sequelas – e mal-humorados crônicos – eles não vão entender. No mais, divirtam-se, mas com cautela. O chão é o limite.
Thomaz Wood Jr. thomaz.wood@fgv.br
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