domingo, 24 de abril de 2011

Pelo livre-arbítrio


O Globo 

O Instituto Benjamin Constant e o Instituto Nacional de Educação de Surdos são instituições de excelência, referência em todo o país na formação de educadores com especialização nessas áreas pedagógicas, voltadas para o ensino de pessoas com necessidades especiais. Em face de óbvias peculiaridades no atendimento a seu público-alvo, os dois órgãos desenvolvem atividades, programas de capacitação e ações no campo da didática que não têm como ser oferecidas em unidades de formação profissional convencional. 

Além dessas atividades voltadas para o aprimoramento profissional de educadores, o IBC e o Ines mantêm escolas próprias, com turmas de estudantes com deficiências visuais (IBC) e auditivas (Ines). Por diversas razões, que vão do alto nível de seus professores a preferências das famílias por uma escola com atendimento integral às necessidades dos filhos, as duas unidades de ensino têm turmas formadas por um público no qual, não raro, se incluem estudantes que se deslocam de regiões distantes. 

Não é difícil imaginar a sensação de segurança social que sentem tais alunos, por disporem de um espaço em que todas as suas necessidades são atendidas. Igualmente, é fácil perceber como o fechamento dessas escolas influiria, para o mal, na vida dessas famílias - boa parte delas de baixa renda e sem condições de arcar, na rede privada, com serviços pedagógicos de alta capacidade. Pois foi para esse universo que a vertente politicamente correta de Brasília tentou, recentemente, contrabandear o seu receituário de ações que, neste caso supostamente sob o lema da derrubada de barreiras segregacionistas, mal disfarçam a prática da intolerância. Do Planalto, portanto longe da realidade em que operam o IBC e o Ines, acenou-se com o fechamento das escolas mantidas pelas duas instituições. O argumento: em lugar de "segregar" (ou seja, manter escolas especiais para o atendimento de um determinado público), deve-se buscar, pelo visto a qualquer custo, a inclusão desses alunos na rede convencional de ensino. Com isso, as duas escolas encerrariam as atividades-fim educacionais e manteriam apenas o perfil de formação de pessoal especializado. Os estudantes com necessidades especiais iriam obrigatoriamente para salas de aula convencionais. Felizmente, a reação contra a iniciativa levou o MEC a dar o dito pelo não dito. Ou seja, pelo menos por enquanto as escolas permanecerão abertas. Mas o episódio reabriu a discussão sobre a opção preferencial de influentes setores da base do governo pela imposição de seus pontos de vista, em detrimento de um processo de ampla discussão . Trata-se de uma contaminação pelo mesmo vírus que se manifesta a partir de uma visão distorcida da realidade, matriz de remédios de duvidosa eficácia, como, por exemplo, as ações racialistas. 

Não se discute a importância da inclusão como uma das ações - mas não excludente - de atendimento a necessidades de portadores de deficiência. No episódio em que a nuvem da intolerância pairou sobre o IBC e o Ines, o MEC desconsiderou um princípio básico, o de as famílias participarem da decisão sobre qual o tipo de ambiente em que seus filhos estudarão, e tentou prescrever o remédio unilateral da inclusão obrigatória. O ministério também não levou em conta as evidentes deficiências da rede de ensino convencional no próprio atendimento de alunos sem necessidades especiais. Ao alvejar as duas instituições, o governo quase abateu o livre-arbítrio.
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