quinta-feira, 3 de novembro de 2011

A Fifa e o Brasil




GAUDÊNCIO TORQUATO
O TEMPO


O maior espetáculo da Terra, a Copa do Mundo de 2014, é uma miragem no horizonte de 957 dias que faltam para sua abertura, mas as escaramuças que está causando ameaçam deixar mortos e feridos bem antes que os exércitos de 32 países entrem nas arenas de 12 estádios, uns em fase inicial de construção, outros em reforma.

A tensão que o evento provoca com tanta antecedência se deve não só ao fato de que a disputa terá a maior audiência acumulativa de todos os tempos - 26 bilhões de espectadores em 214 nações, com transmissão em 376 canais -, mas por ser o futebol a paixão brasileira por excelência. Como tal, é motor das emoções, arrastando multidões às praças esportivas, promovendo, enfim, uma explosão coletiva.

O objeto dos conflitos, por enquanto, não é a bola, mas as normas que as autoridades organizaram para determinar como será realizada a Copa no Brasil. Como o dono da flauta dá o tom, a Fifa, entidade de direito privado, proprietária exclusiva do certame, impõe regras, fazendo do Projeto de Lei nº 2.330, chamado de Lei Geral da Copa, a expressão de sua vontade.

O imbróglio se forma quando o tom que a Fifa quer dar soa estranho nos arranjos orquestrados pela banda social. A polifonia se estabelece. E para coroar a liturgia cívica que embala corações no anelo coletivo emergem polêmicas intermináveis, sob a égide do conceito que abriga o arsenal da guerra: soberania. Traduzindo: aprovada a Lei Geral da Copa nos termos encaminhados pelo Executivo ao Congresso, a soberania nacional estaria conspurcada.

O futebol, canalizador da avalanche catártica do país, ingressa profundamente no hemisfério emotivo, deixando estreita margem para uma análise mais racional. Sob essa hipótese, é complexa a tarefa de distinguir os polos certo/errado, ético/aético, justo/injusto que balizam a organização da Copa em nosso país. É razoável começar o exercício pelo campo que abre a polêmica, a soberania.

A Fifa, como empresa privada, objetiva auferir lucro, cooptando governos dos países-sede do evento, que se dobram às exigências por saberem que o futebol é um dos ímãs mais poderosos de que a política dispõe para atrair as massas. A catarse produzida pelos espetáculos acabará compensando os governantes com expressivos resultados eleitorais. É evidente que o negócio privado quer apitar todo o jogo: escolher parceiros, definir projetos, contratar fornecedores, estabelecer sistemas de promoção e vendas para comercializar marcas, símbolos, produtos e serviços. Até aí, tudo bem. É compreensível que os países, quando se candidatam a sediar uma Copa, procurem oferecer aos donos do empreendimento uma carta de compromissos e vantagens.Foi assim que o Brasil ganhou a condição de sediar o próximo mundial, a ser realizado 64 anos após a memorável Copa de 50. Quando as intenções entram, porém, no plano das ações, o caldo entorna. E é nessa encruzilhada que se encontram os parceiros do campeonato. A Lei Geral da Copa está eivada de aberrações jurídicas, de afrontas aos direitos dos consumidores. Pior, joga no lixo disposições integradas aos costumes sociais.
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