EDITORIAL
JORNAL DO COMMERCIO (PE)
A primeira e mais importante declaração do líder do Conselho Nacional de Transição (CNT), Mustafá Abdel Jalil, com o fim da ditadura de Kadafi, dá uma pista do que se pode esperar da Líbia de agora por diante. Mas apenas uma pista muito vaga para a visão de mundo ocidental, nascida da cultura grega e do direito romano. Ele afirmou que a sharia, a lei islâmica, é a base do novo governo no país: “Qualquer lei que contradiga a sharia é nula e vazia, legalmente falando”. Isso significa que estamos distante, muito distante, de prever o que acontecerá no país libertado e que o anúncio de eleições parlamentares até junho de 2012 não é suficiente para se ter uma ideia de como a Líbia será refundada como um Estado nacional, por sobre o desmantelamento institucional imposto pelo ditador morto.
Se antes da declaração do líder do CNT já era difícil pensar a Líbia com a lógica e o conhecimento ocidentais, a partir de um ordenamento jurídico criado por uma Assembleia Constituinte, com leis ordinárias obedecendo a rigoroso processo de criação e submissão à lei maior, a Constituição, agora, com o reconhecimento oficial da sharia, torna-se impossível antecipar o que vem por aí no país grande produtor de petróleo no norte da África. O máximo previsível pode ser a maior influência da Organização do Tratado Atlântico Norte (Otan) e dos países que reconheceram a ação dos rebeldes no primeiro momento, como a França, o que não significa, porém, que terão cheque em branco para impor os rumos da produção petrolífera, interferir na organização política, sequer dar palpite, na nova Líbia.
Acontece que de novo aquele país só terá os nomes dos dirigentes, mesmo assim tirados num processo tribal muito complexo, o que implica em relações igualmente complexas para a mente ocidental, como a nossa, forjada em normas legais objetivamente postas para todos. O Estado laico, que somos, está longe de entender uma teocracia fundada em ritos estranhos, a começar pelos princípios islâmicos do casamento e do divórcio, que em alguns momentos significam, para a nossa concepção, uma clara violação de direitos humanos. Sim, porque a ideia do direito natural que herdamos e cultivamos não é a mesma da cultura e das crenças muçulmanas.
O que imaginar, pois, da Líbia libertada? Não haverá exagero se em algum momento, na perspectiva ocidental como a nossa, for feita a avaliação de que houve, na Líbia, uma “Vitória de Pirro” – aquele general inimigo do império romano, que depois de uma batalha em que teria saído vitorioso afirmou que mais uma vitória daquela e estaria perdido. Claro, não há como imaginar uma Líbia pior que a que foi submetida por quatro décadas a um ditador, mas também é difícil supor que todos os líbios estejam festejando o fim de Kadafi e que daqui por diante se pode esperar a formação de um Estado constitucional nos moldes que conhecemos. Essas são ilusões que não cabem dentro da sharia, a lei islâmica.
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