MARCELO COELHO
FOLHA DE SP
Das alturas do Hubble, tudo vai diminuindo de tamanho e 7 bilhões de habitantes se encolhem num planeta
A boa notícia, nesses cálculos de que já existem 7 bilhões de seres humanos no planeta, é que cabem todos, ombro a ombro, na ilha de Marajó.
Marajó? Nem isso. A ilha de São Luís, um triângulo bem menor encaixado no litoral maranhense, já basta. Não digo que fossem boas as condições de conforto ou de sobrevivência, mas é verdade que por lá, mesmo com menor número de visitantes, o luxo deve restringir-se a alguns pontos específicos de veraneio para a família Sarney.
Pegando a notícia do outro lado, o planeta parece evidentemente pequeno para tantos bilhões de habitantes. Vale perguntar se a Terra inteira não seria, afinal, uma pequena ilha de São Luís, escondida num dos obscuros maranhões da Via Láctea.
Sábado passado fui ver, num cinema 3D, um filme sobre o telescópio espacial Hubble, feito pela Warner Bros. em parceria com a Nasa. Tem 40 minutos, e paradoxalmente o tempo parece longo demais para o assunto a que se dedica.
Como assim? Toda aquela conversa de anãs marrons, buracos negros e pulsares cabe num média-metragem? O fato é que as explicações se reduzem ao mínimo. Mesmo o efeito tridimensional das estrelas voando em nossa direção, como uma invasão de gafanhotos cósmicos, logo se esgota.
O documentário se concentra no Hubble, ele mesmo, e nos astronautas que se dedicaram a consertá-lo. Na tela imensa, o aparelho telescópico surge mais "tridimensional" do que qualquer estrela ou galáxia que nos queiram mostrar. Um complicado brinquedo branco, cheio de garras e comportas, estica-se na profundidade da tela, quase encostando no queixo do espectador.
Os astronautas mergulham nas entranhas da máquina e escarafuncham seus defeitos.
Como em qualquer laptop de contrabando, o problema está "na placa". Os astronautas treinaram meses e meses, até debaixo d'água (onde se acostumaram à falta de gravidade), para proceder a essa tarefa das mais corriqueiras: "trocar a placa". O pior é que o grande mistério não foi nem mesmo a troca da placa. O maior desafio dos astronautas foi... desatarraxar cerca de 20 parafusos! Um deles não queria sair. Quando se usam luvas, naturalmente tudo fica mais difícil.
Boiando na escuridão infinita do Universo, suspenso na ponta mais extrema da técnica, um ser humano briga durante horas com um parafuso emperrado. Seria mais humano se xingasse e desse um tranco furioso no maldito equipamento.
Claro que o astronauta foi selecionado em razão de seu absoluto controle emocional. De volta à nave, o clima é de festa. Para que não fosse interrompido um programa científico bilionário, para que a humanidade prosseguisse no seu desafio de conhecer os limites e as origens do Universo, para que o menor casulo de um planeta futuro fosse identificado na galáxia mais extrema, um parafusinho precisava ser vencido.
Os astronautas estavam à altura da missão. Dentro da nave, comunicam-se amistosamente com a câmera. "Alô, meu nome é Bob... ou Will... e isto aqui é fantástico!"
"Ponha logo o capacete, Ted!"
"Certo, mas antes tenho de cuspir este chiclete."
"Cuidado, não o deixe grudado no painel, hein?"
"Ah, ah, ah."
Não vou ser rabu
gento a ponto de criticar tanta banalidade. Como poderia ser diferente? Os rapazes da Nasa são simplesmente humanos. Há uma moça também; seu sonho (adivinhe) sempre foi ser astronauta. O comandante se lembra do avô, que foi o primeiro a estimulá-lo nos assuntos da astrofísica. "Gostaria que ele estivesse me vendo agora."
Na verdade, nenhum comentário, nenhum depoimento poderia estar à altura do espetáculo que se dava a conhecer. A trivialidade das falas não faz mais do que expressar a pequenez do homem no Universo. Essa frase é trivial também.
Das alturas do Hubble, tudo vai diminuindo de tamanho: 7 bilhões de habitantes se encolhem num planeta, 7 bilhões de estrelas se encolhem numa galáxia, 7 bilhões de galáxias se apertam num vaporoso arabesco de luz. O filme exibe mais uma visão da Terra, um pontinho na escuridão. Parece a cabeça de um pequeno parafuso azul, girando em falso, sem parar.
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