quarta-feira, 11 de abril de 2012

A outra primavera árabe


THOMAS L. FRIEDMAN
O GLOBO


Não é interessante que o despertar árabe tenha começado na Tunísia com um vendedor de frutas reprimido pela polícia por não ter autorização para vender comida justamente num momento em que os preços globais dos alimentos atingiam níveis recordes? E que ele começou na Síria com fazendeiros da vila sulista de Dara´a que exigiam o direito de vender e comprar terrenos próximos à fronteira sem ter que pedir permissão a autoridades de segurança corruptas? E ganhou corpo no Iêmen - o primeiro país do mundo que se espera ficar sem água - com uma lista de reclamações contra um governo incompetente na qual uma das principais era de que as autoridades estavam cavando poços em seus quintais num momento em que o governo deveria prevenir tal "grilagem" de água? Como Abdelsalam Razzaz, ministro da Água do novo governo do Iêmen, disse à "Reuters" na semana passada: "Essas autoridades eram elas próprias as mais agressivas escavadoras de poços. Praticamente todos os ministros tinham um poço cavado em sua casa".

Todos esses conflitos envolvendo terra, água e comida estão nos dizendo uma coisa: o despertar árabe não foi guiado apenas por questões políticas ou econômicas, mas também por menos visíveis tensões ambientais, populacionais e climáticas. Se nos focarmos apenas nas primeiras e não nas últimas, nunca seremos capazes de ajudar a estabilizar estas sociedades.

Vejam o caso da Síria. "A atual rebelião social da Síria, em seu senso mais direto, é uma reação a um regime brutal e alienado", escrevem Francesco Femia e Caitlin Werrell em um relatório para seu Centro para o Clima e a Segurança em Washington. "Porém, esta não é toda a história. Nos últimos anos observamos um significativo número de mudanças sociais, econômicas, ambientais e climáticas na Síria que erodiram o contrato social entre os cidadãos e o governo... Se a comunidade internacional e futuras autoridades sírias quiserem abordar e solucionar as causas da rebelião no país, essas mudanças terão que ser melhor estudadas".

De 2006 a 2011, destacam os dois, até 60% das terras na Síria passaram por uma das piores secas e quebras de safra de sua História. "De acordo com um estudo especial de caso do Relatório de Avaliação Global sobre a Redução do Risco de Desastres do ano passado, os sírios mais vulneráveis dependiam da agricultura, particularmente na província Nordeste de Hassakeh (mas também no Sul), com quase 75% perdendo totalmente suas plantações. Pecuaristas no Nordeste perderam cerca de 85% de seus rebanhos, afetando 1,3 milhão de pessoas". As Nações Unidas relatam que mais de 800 mil sírios tiveram seus meios de subsistência arrasados por essas secas, e muitos foram obrigados a se mudar para as cidades para encontrar trabalho - piorando o fardo sobre um governo já incompetente.

"Se as projeções climáticas se mantiveram no atual curso, as situações de seca no Norte da África e no Oriente Médio vão gradualmente piorar, e terminaremos testemunhando ciclo após ciclo de instabilidade que podem servir de alimento para futuras respostas autoritárias", argumenta Femia. "Há algumas formas de os EUA ficarem do lado certo desta história do mundo árabe. Uma é apoiar de forma entusiástica e robusta os movimentos democráticos". A outra é investir numa infraestrutura adaptável ao clima e na melhora da gestão da água, para fazer estes países mais resistentes a uma era de mudanças climáticas perturbadoras.

Análise da Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera dos EUA (NOAA) publicada em outubro último no "Journal of Climate", e citada no blog de Joe Romm, climateprogress.org, mostra que as secas no inverno do Oriente Médio - quando a região tradicionalmente obtém a maior parte da precipitação para reabastecer seus aquíferos - estão aumentando, e as mudanças climáticascausadas pelo homem são parcialmente responsáveis por isso.

"A magnitude e a frequência das secas que ocorreram são muito grandes para serem explicadas só pela variabilidade natural", destacou Martin Hoerling, do Laboratório de Pesquisas do Sistema Terrestre da NOAA e principal autor da análise. "Estas não são notícias encorajadoras para uma região que já experimenta estresses relacionados à água, pois implicam que só a variabilidade natural não deverá fazer com que o clima da região volte ao normal".
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