quinta-feira, 12 de abril de 2012

Lições da crise mundial para o Brasil


CRISTIANO ROMERO
VALOR ECONÔMICO

A oferta de crédito para sustentar o crescimento econômico a qualquer custo está na raiz da severa crise que vem assolando as economias avançadas desde 2007 e que lançou o mundo num período de baixo crescimento e grande incerteza. No Brasil, o aumento do crédito subsidiado tem sido, desde 2008, uma das principais linhas de defesa adotadas pelo governo contra a crise.

Não há sinal ainda de prejuízos, mas, como alerta o ex-presidente do Banco Central (BC) Armínio Fraga, o erário vem perdendo no fluxo, uma vez que o Tesouro Nacional capta recursos à taxa Selic (hoje, em 9,75% ao ano) e os empresta ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) recebendo em troca a TJLP, taxa inferior à Selic. O BNDES, por sua vez, oferece os recursos a empresas em pelo menos uma de suas linhas - a do PSI (Programa de Sustentação do Investimento) - a juro quase negativo (inferior à inflação).

Dados do BC mostram que, até fevereiro, o Tesouro tinha crédito de R$ 311,8 bilhões junto ao BNDES, o equivalente a 7,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Mais R$ 45 bilhões estão a caminho, conforme anúncio feito semana passada. A operação é engenhosa porque o Tesouro se endivida no mercado para levantar o dinheiro, mas ganha um ativo (o crédito junto ao BNDES), zerando o endividamento em termos líquidos.

Avanço de operações quasi-fiscais preocupa, diz Armínio

Há, evidentemente, um custo fiscal nessas operações. Além dele, o risco, na avaliação de Armínio, é o "quasi-fiscal" embutido nessa e em outras iniciativas oficiais. O quasi-fiscal ocorre quando o BC financia o Tesouro, mas não só. Operações em que uma instituição bancária estatal financia o setor privado por meio de subsídios ou incentivos tributários também são quasi-fiscais - têm impacto nas contas oficiais comparável ao de atividades governamentais tradicionais.

"Conhecemos bem no Brasil o mundo do quasi-fiscal", diz Armínio, referindo-se aos tempos de inflação crônica, quando o BC financiava os gastos do Tesouro por meio de emissão de moeda. "Enormes prejuízos nos Estados Unidos e na Europa são um alerta claro aos perigos tanto na área de regulação quanto na atuação mais direta do governo com o mercado de crédito subsidiado e direcionado."

O governo vem usando esses mecanismos para tentar estimular investimentos das empresas e, assim, sustentar o crescimento do PIB - sem muito sucesso, diga-se de passagem, porque a taxa de investimento da economia está estacionada abaixo de 20% do PIB há vários trimestres. O ex-presidente do BC, hoje sócio do JP Morgan na Gávea Investimentos, pondera que não há neste momento, pelo menos até onde a vista alcança, indícios de acumulação de prejuízos decorrentes dessa política, mas ele recomenda que seus efeitos sejam avaliados e monitorados de perto.

O BC também está preocupado com o crédito subsidiado, que, ademais, diminui a eficácia da política monetária, uma vez que apenas a parcela do crédito não subsidiado é atingida pela taxa Selic. Nas últimas oito atas do Comitê de Política Monetária, o BC repetiu o mantra de que "considera oportuna a introdução de iniciativas no sentido de moderar concessões de subsídios por intermédio de operações de crédito". Em 2011, até houve moderação, mas agora o governo decidiu voltar à carga.

Os efeitos da bolha de crédito que resultou na crise mundial estão aí. As economias avançadas passam por processo penoso e demorado de desalavancagem. A recuperação da economia americana, lembra Armínio, é lenta para seus padrões históricos e os países da zona do euro estão sofrendo com os ajustes de suas economias periféricas. "Com moeda única [o euro], esses países não têm válvula de escape porque não podem se beneficiar de uma moeda mais fraca."

Nos últimos meses, houve um certo alívio com a posse de Mario Draghi na presidência do Banco Central Europeu e as medidas que ele tomou para melhorar o balanço dos bancos, mas o clima já está azedando novamente. O quadro global piora também por causa das incertezas associadas à China. Mesmo antes da crise de 2008, os chineses vinham fazendo um esforço para mudar, ainda que lentamente, o motor do crescimento de sua economia, mas o processo foi interrompido pela turbulência mundial.

Para enfrentar a crise, a China abandonou a estratégia de depender menos das exportações e voltou, de forma agressiva, ao modelo original, expandindo fortemente as taxas de investimento. Em consequência disso, o crédito barato está produzindo uma bolha no mercado imobiliário. Com o mundo novamente ameaçado por um evento de crise, a economia chinesa começou a desacelerar e, uma vez mais, a forçar o governo a repensar o modelo de crescimento. "Há um receio de que a aterrissagem da China não seja tão suave", diz Armínio.

No Brasil, o BC identificou, em agosto do ano passado, a existência de um quadro de menor pressão inflacionária, que lhe permite reduzir os juros. Para Armínio, o presidente do BC, Alexandre Tombini, está agindo dentro do mandato institucional. "O Tombini está sendo ousado, mas não abandonou o mandato nem o regime de metas", sustenta o ex-dirigente do BC, ressalvando apenas que, em alguns momentos, a comunicação do BC tem sido "difícil".

Armínio também não está entre os que acreditam que o governo abandonou o tripé de política econômica adotado em 1999, quando ele presidia o BC. O Brasil, a exemplo de China, Turquia e Indonésia, tomou medidas fiscais para estimular a indústria, isso traz alguns riscos, mas não significa o fim do tripé.

"O governo pretende cumprir a meta de superávit primário. Tem atuado no câmbio para suavizar a volatilidade, mas ele não está tabelado. E não abandonou o regime de metas para inflação", diz Armínio. O ativismo, marcado pela adoção de medidas de desoneração tributária em setores escolhidos, por ações protecionistas e pela expansão do crédito direcionado, dificulta a análise e o entendimento do que o governo vem fazendo, mas, na opinião de Armínio, não representa o abandono do tripé.

"Todas essas respostas pontuais [à crise] deveriam ser avaliadas porque não fazem muito efeito no médio prazo", critica ele. "O que aumenta crescimento é mais poupança, mais investimento e maior produtividade, e esta está em queda. O debate vai além da demanda."
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