EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo
O reconhecimento da cachaça como produto brasileiro e do bourbon como produto americano foi o evento mais notável da visita da presidente Dilma Rousseff à capital do país mais rico e mais poderoso do mundo. Nenhuma grande questão comercial foi examinada, embora os Estados Unidos sejam o maior mercado consumidor do globo e tenham sido, até há poucos anos, o maior parceiro comercial do Brasil.
Essa posição é hoje ocupada pela China, não só porque os brasileiros ampliaram e diversificaram suas parcerias, mas também porque o intercâmbio com o mercado americano foi deixado em plano secundário, a partir de 2003, nas preocupações da diplomacia comercial de Brasília. Poucos assuntos à altura de um encontro do mais alto nível entraram na agenda levada a Washington pela presidente brasileira. Um deles foi a suspensão da compra de aviões da Embraer pela Força Aérea dos Estados Unidos. Tocou-se no assunto em conversa reservada. Nenhuma referência ao tema foi feita publicamente.
Na entrevista coletiva depois do encontro fechado, a presidente Dilma Rousseff retomou a pregação contra a política dos bancos centrais dos Estados Unidos e da Europa, protestando mais uma vez contra a grande emissão de dinheiro, ou, em sua terminologia predileta, contra o tsunami monetário criado por essa política.
À sua maneira, a presidente Dilma Rousseff repete as perorações do ministro da Fazenda, Guido Mantega, contra o que ele chama de guerra cambial, movida pelas autoridades do mundo rico. Ela evita a expressão guerra cambial, sem deixar, no entanto, de classificar a depreciação do euro e do dólar como uma forma de protecionismo comercial.
A arenga foi repetida na Casa Branca, diante da imprensa, e a presidente Dilma Rousseff aproveitou a ocasião para apontar aos líderes do mundo rico sua responsabilidade pela recuperação da economia global. Todos são responsáveis, evidentemente, mas não tem sentido cobrar do presidente americano uma alteração da política monetária. As ações do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) estão fora da alçada da Casa Branca e a presidente Dilma Rousseff parece ter esquecido esse detalhe. Mas a política monetária poderia ser mais moderada, segundo seu argumento, se o Tesouro gastasse mais para estimular a economia. O presidente Obama sabe disso e o orçamento de seu governo já é muito deficitário.
Também na parte política a viagem pouco rendeu. Bateu-se, mais uma vez, na tecla da ampliação do Conselho de Segurança das Nações Unidas e da pretensão brasileira a um lugar permanente. O comunicado emitido em nome dos dois presidentes foi tão chocho, quanto a esse tema, quanto havia sido no fim da visita de Obama ao Brasil, no ano passado. O presidente americano manifestou, mais uma vez, seu "apreço" pela pretensão brasileira. Em relação à reforma do Conselho, ambos concordaram com uma ampliação "limitada", na versão em português, ou "modest", segundo o texto em inglês. A informação teria sido mais clara e mais realista com uma tradução literal da palavra "modest".
O entusiasmo do governo americano em relação a alterações no Conselho de Segurança continua mínimo e isso é especialmente compreensível quando se trata da pretensão brasileira. A presidente Dilma Rousseff voltou a tocar num dos temas prediletos da diplomacia petista, insistindo na participação de Cuba nos eventos diplomáticos do hemisfério, como a Cúpula das Américas, marcada para este fim de semana em Cartagena, na Colômbia. Pelo menos a política nuclear do Irã ficou fora da conversa, segundo a presidente. Talvez tenha faltado tempo.
Houve referências à possível participação americana em projetos brasileiros de infraestrutura e na exploração do pré-sal. O tema é importante, mas a conversa parece ter ficado nas generalidades. A visita serviu principalmente, segundo alguns analistas, para mostrar uma evolução nas relações bilaterais, agora menos tensas do que no período do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Pode ser, mas essa melhora pouco valerá sem uma agenda econômica mais ambiciosa e muito mais pragmática.
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