MARIO CESAR FLORES
O Estado de S.Paulo
Dentre as várias influências que prejudicam a ética e o funcionamento da política brasileira, chama particularmente a atenção do cidadão preocupado, no plano psicopolítico, o populismo, com sua vassalagem ao salvacionismo sebastianista, nutrido na fragilidade da consciência cívica do povo vulnerável à ilusão, em razão da instrução precária e da insegurança socioeconômica. O populismo não se prende a ideias, "namora" o conveniente ocasional, do marxismo ao liberalismo e à direita nacionalista. O ritual da eleição é enaltecido, mas a prática política é propensa ao voluntarismo protagônico do Executivo e ao controle da mídia (à Hugo Chávez...). Acomoda-se em qualquer partido e seus aiatolás, vistos como providenciais, cativam o povo usando retórica antiburguesa, embora comprometidos com o status quo. O paradoxo comum às democracias - o sucesso eleitoral precisa de aceitação popular, mas, uma vez eleito o candidato, fazer o certo por vezes exige medidas impopulares, indutoras de tropeços eleitorais - está presente no cotidiano do populismo brasileiro: dada a proporção dos políticos que dão prioridade à eleição acima da qualidade do exercício funcional, secundária na aferição populista, é comum entre nós a prevalência do incorreto simpático sobre o correto antipático. Medidas positivas malvistas no curto prazo eleitoral são tolhidas até pela "base aliada" do governo. Exemplo: torpedear o fator previdenciário dá voto, já apoiar alternativa que reduza a ameaça da aposentadoria precoce ao modelo previdenciário prejudica o bom humor eleitoral. E no plano organizacional, nosso mosaico surrealista de partidos doutrinária e programaticamente amorfos e de conluios oportunistas diferentes pelo Brasil afora, no descaso por ideários e projetos - na verdade, somatórios de lugares-comuns vazios, de sabor populista, inexpressivos como balizamento de fidelidade partidária e da coerência nos conluios de ocasião. O que dizer da notícia (Folha de S.Paulo, 22/6) DEM oficializa apoio à pré-candidatura do PT em São Luís? Projetos do PT e do DEM coincidem em São Luís, ou coincidem suas conveniências eleitorais locais? O que explica a aliança Lula-Maluf em São Paulo? A conjuntura eleitoral - é claro que facilitada pela "não incompatibilidade" de projetos... Nas pesquisas de opinião, os partidos (quase 30, muitos apenas legendas eleitorais) são baixo situados, mas os responsáveis pelo demérito seguem felizes na política. Embora vazios de consistência, alguns partidos são eficazes no butim eleitoral, no loteamento do poder, pródigo de benesses em razão da nossa cultura estatista e patrimonial-clientelista. Ajustam-se flexivelmente na montagem da governabilidade e na máquina da administração dos recursos públicos - situação bem refletida nestas frases emblemáticas, proferidas por líderes partidários na montagem do governo federal no início de 2011 e publicadas na mídia: "A gente vale quanto pesa..." e "vamos pedir algo que condiga com a força que temos". No quadro das deformações esboçadas, a reeleição nem sempre - ou raramente - é comprometida pela incompetência e pela improbidade. Para assegurá-la partidos e políticos no poder enfeitam o cenário com notícias eufóricas. Exemplos atuais: ascensão à sétima (ou sexta) economia mundial, o menos tumultuado trânsito (comparado com o europeu) pela crise pós-2008, projetos deslumbrantes no papel... E são menoscabados fatos que, como sempre ocorreu na História, unem política e vida real. Novamente exemplos atuais: desenvolvimento modesto; avanço lento dos pacotes redentoristas; cenário preocupante na educação, na saúde e na Previdência; o crédito como registro de cidadania no consumismo; despesas públicas correntes ameaçando a responsabilidade fiscal e a capacidade do Estado de cumprir suas atribuições; greves do serviço público agressivas à vida nacional e ao povo; e, chegando à tragédia, o desrespeito generalizado à lei, da licenciosidade trivial à violência e à criminalidade desvairadas. Especificamente na crise global, os gastos à Keynes em desafio à responsabilidade fiscal e o consumismo à revelia dos limites do mercado interno, propalados como virtude diante da austeridade europeia, têm mão dupla: ajudam no momento, mas, se não dimensionados criteriosamente, exigirão ações austeras mais tarde. A transformação da euforia em realidade e dos fatos preocupantes - os citados e outros - em problemas superados depende de reformas que assegurem boa qualidade à política, influente em tudo (a revisão do padrão populista depende também da educação e da segurança socioeconômica do povo). É preciso estabelecer parâmetros que venham a configurar partidos consistentes, capazes de inspirar fidelidade e assegurar a governabilidade sem o custo dos conluios de hoje; que estimulem a participação política de cidadãos competentes e íntegros e desencorajem a atração do arrivismo pela política; que cobrem coerência das coalizões; e que deem lógica à suplência e à "sobra" das legendas. A correção dos rumos nacionais virá a reboque do upgrade político. Viveremos democraticamente modernização similar à autoritária revolucionária de 1930, que pôs fim à República Velha e seus vícios. Mas a mudança não é segura. Instauradas com sensacionalismo no início de 2011, as comissões da reforma política da Câmara dos Deputados e do Senado aparentam ter entrado em eclipse e sugerem propensão um tanto à Lampedusa (O Leopardo) - algo mais ou menos como vamos mudar para que ao menos a essência continue parecida com a atual. Frase sintomática proferida no início dos trabalhos das comissões: "Não se mexerá nos partidos"... A ser assim, o Brasil continuará a desenvolver, mas aquém de seu potencial, em clima de desordem e violência, mal preparado para o papel que lhe cabe em sua região e para se fazer respeitado no mundo.
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