ELIO GASPARI
FOLHA DE SÃO PAULO
Manda quem pode e obedece quem tem juízo, desde que aqueles que mandam, juízo tenham
EM MENOS DE um mês, os peões prevaleceram em dois cenários extremos, nos alojamentos das empreiteiras do PAC na Amazônia e na Orquestra Sinfônica Brasileira.
Nos dois casos, patrões e empregados começaram a se estranhar no início do ano. Nas obras das hidrelétricas, 37 mil operários reivindicavam melhores condições de trabalho. Na Orquestra Sinfônica, que já foi dirigida por Mário Henrique Simonsen e Eugênio Gudin, o presidente da fundação que a sustenta, economista Eleazar de Carvalho Filho e o maestro Roberto Minczuk informaram aos seus 85 músicos que passariam por um processo de avaliação individual.
Em fevereiro, reunidos em assembleia, 56 músicos da OSB anunciaram que não se submeteriam à avaliação. Em março, os peões da hidrelétrica de Jirau revoltaram-se, incendiaram alojamentos, ônibus e escritórios da empreiteira Camargo Corrêa.
Eleazar de Carvalho foi em cima de seus peões, acusando-os de "difamar e denegrir a reputação da Fundação OSB", lembrando-lhes que "atos de insubordinação são passíveis de punição".
O doutor usou linguagem das galés de Cesar, mesmo sabendo que a Filarmônica de Berlim nasceu de uma revolta de músicos.
Ou que, em 1886, no Rio de Janeiro, soube-se que existia um maestro chamado Arturo Toscanini quando, aos 19 anos, ele regeu de memória os quatro atos da Aída, depois de uma revolta de músicos contra um maestro brasileiro e da plateia contra seu substituto italiano.
Na Amazônia, a empreiteira Camargo Corrêa, responsável pela obra de Jirau, informou que ocorrera uma simples "ação criminosa e isolada de um grupo de vândalos". O enviado da CUT, Vagner Freitas, disse ao repórter Leonencio Nossa: "Tem que voltar a trabalhar, eu sou brasileiro, quero ver essa obra funcionando". A ordem seria garantida pela chegada da Força Nacional de Segurança.
Nos dois casos, um ocorrido no andar de cima da sinfônica, e outro, no de baixo, nas obras de construção civil, funcionou a ideia de que "manda quem pode, obedece quem tem juízo". Deu errado.
Com as obras paradas, o Planalto acordou e chamou empreiteiros e centrais sindicais para uma reunião em Brasília.
Os peões conseguiram o compromisso de que não haverá mais contratações por meio de "gatos", a antecipação do reajuste salarial, um novo valor para a cesta básica e novas opções de planos de saúde. Isso e mais cinco dias de folga a cada três meses para visitar as famílias, com passagens pagas.
Na outra ponta, Eleazar de Carvalho e Roberto Minczuk foram surpreendidos por um boicote liderado pelos pianistas Nelson Freire e Cristina Ortiz, bem como pelo maestro Roberto Tibiriçá.
Na quinta feira, depois de demitir 32 músicos, Carvalho trocou de partitura e, numa carta, disse "ter sido levado" a demiti-los e propôs uma negociação para "salvar uma grande instituição". Tudo bem, mas quem falou em "punição" foi ele. Sua permanência no cargo (no qual trabalha de graça), bem como a do maestro Minczuk tornou-se tão difícil quanto a execução da Sétima Sinfonia de Gustav Mahler.
Tanto nas obras do PAC da Amazônia como na OSB, os doutores descobriram que, para mandar, é preciso primeiro ter juízo.
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