sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Dois setembros

 ROBERTO ABDENUR


Folha de S Paulo
Se o terrorismo uniu a nação, a crise de 2008 racha e polariza a sociedade e o meio político


O Século 20 até que terminou bem, com o fim da Guerra Fria ao início de sua última década. Mas até então fora século de terror. O das duas guerras mundiais, e o do "equilíbrio do terror" ao largo das mais de quatro décadas em que se confrontaram EUA e URSS, armados até os dentes com milhares de armas nucleares. 
Passamos, no começo do século 21, do terror ao terrorismo. Não o terrorismo clássico de outrora, como o de palestinos contra israelenses, o do IRA na Irlanda ou o dos independentistas bascos na Espanha.
Com a Al Qaeda, o terrorismo deixa de ser nacionalista, territorial, laico. Torna-se algo disperso, difuso, intangível, potencialmente onipresente. E motivado por utopia regressiva derivada de interpretação extremada de religião de outro modo digna de respeito e admiração.
O 11 de Setembro foi a primeira catástrofe dotada de impacto universal instantâneo, vivenciada em tempo real por bilhões de pessoas. Fato curioso: esse golpe, embora configure momento de vulnerabilidade para os EUA, veio, muito mais do que o triunfo na Guerra Fria, exacerbar sentimentos de superioridade e excepcionalidade arraigados na mentalidade norte-americana. 
A doutrina Bush, resumida na "guerra ao terrorismo", manifestou-se sob a forma de patriotismo militarizado, calcado nas ideias neoconservadoras do direito de agir de forma agressiva e unilateral, à revelia do direito internacional ou da ONU. Seguiram-se as malfadadas intervenções no Iraque e Afeganistão. Foi assim duramente abalada -pelo menos temporariamente- a ordem internacional. Triste, aquele primeiro setembro do século.
Passados poucos anos, a década se fecha com um novo e, à sua maneira, não menos tenebroso setembro: o da crise financeira de 2008. De novo, inesperada instância de vulnerabilidade dos EUA (embora não inédita, após o crash dos anos 30). Mas este segundo setembro, quase tão instantâneo quanto o primeiro, traz consequências ainda mais graves e duradouras. 
Não há Bin Laden a eliminar, não há tiros que resolvam. Se ao impacto dos eventos de 2001 foi danificada a ordem política internacional, agora o que ocorre é a inversão mesma da velha ordem econômica. 
As potências estabelecidas vergam ao peso de suas dívidas e descontrole, enquanto se mostram menos vulneráveis os emergentes. Mas a crise é global e seus desdobramentos ainda se manifestarão por largo tempo. 
Se o terrorismo levou os EUA à extroversão agressiva, a crise econômica os leva a exercício de introversão. Se o terrorismo uniu a nação, a crise de 2008 racha e polariza a sociedade e o meio político. Se 2001 levou ao unilateralismo, 2008 abre novas possibilidades ao diálogo, à concertação e ao multilateralismo. 
Surge o G20. Revitalizam-se os organismos financeiros como FMI e Banco Mundial. A Organização Mundial de Comércio, malgrado o fracasso da Rodada Doha, se reforça como fonte de quadros normativos e foro capaz de dirimir disputas e controvérsias. Menos mal. Mas, sim, subsiste um desafio: a superação, nos EUA, do Tea Party, praticante do que, descontado certo exagero, se afigura um verdadeiro terrorismo econômico. A Al Qaeda da economia...



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