GAUDÊNCIO TORQUATO
O Estado de S.Paulo
A galeria de nossas grandezas começa com a dimensão continental do Brasil. Só quatro países - Rússia, Canadá, China e EUA - têm território maior. Fiquemos por aqui na comparação, pois é sabido que cada nação, mesmo estruturada sob a forma de federação, como a nossa, abriga singularidades que explicam sua organização política e institucional e sua divisão em mais ou menos unidades. Usar como referência os 8,5 milhões de km2 do nosso espaço ou se valer da dimensão territorial de algumas regiões para justificar a necessidade de expandir o número de Estados não é um critério que mereça crédito.
Vamos ao fato. Um grupo de políticos quer repartir o Pará para criar mais dois Estados, Carajás e Tapajós. Pelo visto, fecha os olhos para esta continha feita pelo Ipea: o Pará tem hoje um superávit anual de cerca de R$ 300 milhões, já excluídas as despesas da receita orçamentária. Carajás, se for criado, teria um déficit anual de R$ 1 bilhão e Tapajós, de R$ 864 milhões, enquanto o novo Pará começaria com um buraco de R$ 850 milhões. E por que alguns pretendem transformar a atual receita em estupenda despesa? A justificativa mais plausível aponta para o complexo da chupeta, a inclinação dos filhotes do patrimonialismo a mamar nas tetas do Estado.
A divisão do Pará, a ser submetida a plebiscito dia 11, é mais uma tentativa entre os 23 projetos de fracionar regiões que tramitam no Congresso e cuja motivação é preponderantemente política: ampliar domínios políticos regionais. Quase sempre as arrancadas legislativas desprezam princípios de racionalidade e viabilidade econômica para a divisão de Estados.
No caso da repartição do Pará, seria forjado um mapa de desigualdades: Carajás ficaria com 21% da população, 24% do território e 33% das riquezas; Tapajós, com 58% do território, 15% da população e 11% das riquezas; e o Pará remanescente abrigaria 56% do PIB, 64% da população e apenas 17% do território. A disparidade apareceria também na esfera do desmatamento, gerando modelos de ocupação diferentes: Carajás, com alta concentração fundiária e enormes áreas de mineração, enfrentaria o risco de sérios conflitos (muita terra em mãos de poucos) nos 46% do território desmatado; Tapajós, com grande concentração de assentamentos, teria só 7,8% de área desmatada e abrigando comunidades tradicionais e indígenas; o novo Pará contaria com 35% de área desmatada.
O argumento da igualdade só se sustenta na balança da política, eis que os novos entes ganhariam máquinas governamentais: prédios, estruturas dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, milhares de funcionários - a serem certamente indicados pelos chefões eleitorais. De uma tacada só, o País veria a expansão do Custo Brasil do Mandonismo Político no momento em que a sociedade clama por uma gestão mais responsável da coisa pública.
O discurso da racionalização administrativa toma corpo em todos os espaços da vida nacional. A contínua troca de nomes na Esplanada dos Ministérios sugere em breve uma reforma ministerial mais profunda, ancorada em mudanças de sistemas e processos, sob o parâmetro da eficiência e eficácia, maior produtividade e menor custo para os cofres do Tesouro. Esse é o horizonte do amanhã, que destoa, como se aduz, de iniciativas ou gestos na direção do alongamento das pernas do Estado. Pôr na agenda nacional a pauta da divisão do Pará ou de outras unidades da Federação é, na expressão popular, jogar farofa no ventilador do governo, no instante em que a presidente Dilma se esforça para conferir maior organicidade ao Estado e imprimir ajustes ao mercado via políticas de incentivo aos setores produtivos.
Alguém argumentará: essa é a nossa cultura política. É verdade. Quanto mais extensos os braços do Estado, maiores serão os abrigos patrimonialistas onde impera a velha política. Ademais, estamos vivendo a era da política como empreendimento. Nunca se viu tanta disposição (e ambição) para disputar eleições. Por conseguinte, uma nova geração de capitães hereditários sobe ao palco para reivindicar seu papel de atores na peça da democracia representativa. Não se nega a hipótese de o Brasil, mais adiante, abrigar um conjunto mais expressivo de Estados, estribado em critérios de equilíbrio econômico, político, social e geográfico, e sem abrir querelas para mágoas, ressentimentos e desconfianças, como as que parecem mover os sentimentos dos paraenses. Vale lembrar que desde o início do século 20 o País redesenha seu mapa: em 1913 tínhamos cinco Brasis, o setentrional, o norte-oriental, o oriental, o meridional e o central; em 1938 passamos a adotar a nomenclatura de regiões; em 1942 territórios foram criados; até se chegar, em 1970, a modelo parecido com o atual, que foi ligeiramente alterado pela Constituição de 88.
Pausas, porém, se fazem necessárias para ajustar os ciclos. Em vez de pensar em criar mais Estados, o Parlamento tem pela frente o desafio de equacionar problemas urgentes, como a guerra fiscal, que consome as energias dos entes federativos. Agregar novos carros a um trem já desconjuntado é mais um empuxo para tirar a locomotiva dos trilhos.
A esta altura, a batalha pela divisão do Pará já abriu traumas na alma paraense. Há um sentimento divisionista embalando corações das duas alas. Para cicatrizar as feridas será preciso muito bálsamo. Ou seja, verbas, e não verbos. Ações, e não promessas.
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