MAC MARGOLIS
O Estado de S.Paulo
Aos 31 anos, Jacksin Etienne é dono de um currículo invejável. Professor de idiomas, fala francês, inglês e espanhol e já ensaia um respeitável português. Se estivesse em Paris ou Nova York, seria candidato a uma vaga em um restaurante ilustre ou hotel de grife. Mas Jacksin é haitiano e está em Brasileia, no Acre, onde chegou no ano passado com pouco mais do que a roupa no corpo e um novo mapa do mundo na cabeça.
A chegada de Jacksin, assim como a de centenas de haitianos, é uma combinação de decadência política com o desastre sísmico de 2009. Dois anos depois do terremoto que matou 217 mil, desterrou meio milhão e quase nivelou Porto Príncipe, seu país continua em frangalhos.
Apesar de bilhões de dólares em assistência internacional, a reconstrução se atolou em um manguezal de corrupção, incompetência, doença e desespero. Quem pode, foge, como fizeram tantos haitianos nos oito desastres naturais graves que a ilha sofreu desde 1994.
O que mudou foi o destino. Antes, os flagelados das nações mais pobres - haitianos, mexicanos, filipinos ou africanos - seguiam uma bússola única, que apontava sempre para os países ricos. Afinal, lá estavam as oportunidades e os empregos que os abonados nativos do norte desdenhavam.
Em comparação com os EUA, é pífio o número de imigrantes haitianos no Brasil. São alguns milhares - nos EUA vivem 530 mil -, mas essa quantidade ainda pode aumentar, em um sinal claro de que o mundo girou.
Revolução global. A ascensão dos países emergentes está revolucionando a imigração global. Antes exportadores de gente, hoje os países outrora pobres atraem trabalhadores do mundo inteiro. O fluxo de imigrantes entre países em desenvolvimento já rivaliza com o da clássica migração do Sul para o Norte, segundo estimativa da ONU. A crise econômica na Europa, Japão e EUA apenas intensifica essa tendência.
O Brasil está no meio desse redemoinho demográfico. Há duas décadas, os brasileiros fugiam como os haitianos. Agora, voltam. Estável, democrático, com uma economia em expansão e na mira de investidores, o "novo" Brasil, mais uma vez, tornou-se um país que atrai gente. Reeditando a história dos séculos 19 e 20, o País escancara as portas para os imigrantes europeus, mas também para os latinos. Mas será que ele as manterá abertas?
Caráter nacional. O Brasil, como sabemos, é um país colonizado e formado por imigrantes. Mãe gentil, acolhe a todos independentemente de cor, etnia, fé ou flâmula e faz propaganda de sua tolerância em meio a um oceano de intolerância e ódio. De Gilberto Freyre a Gilberto Gil, eis a versão oficial.
Apesar da enxurrada haitiana no Acre, é ainda modestíssima a presença de imigrantes no Brasil. Os estrangeiros eram mais 1 milhão em 1970, 606 mil em 1991, e apenas 433 mil em 2010, segundo o IBGE. Incluindo os clandestinos, não chegam a 2% da população nacional.
Em Nova York, New Jersey e Flórida, um em cinco habitantes nasceu fora dos Estados Unidos. Na Califórnia, 25% da população é de estrangeiros. Na Grã-Bretanha, os imigrantes já ocupam cerca de 20% dos postos de trabalho braçal, o dobro de uma década atrás.
No encalço dos estrangeiros, segue o medo, o ódio e o preconceito racial. É só acompanhar a campanha presidencial americana, onde os pré-candidatos republicanos concorrem entre si para demonizar os imigrantes.
Medo. Daí a pergunta incômoda: a louvável tolerância brasileira é mesmo patrimônio cultural? Ou será fruto da escassez? Afinal, é fácil tolerar o outro quando o outro é quase invisível. Segundo Nilson Mourão, secretário de Justiça e Direitos Humanos do Acre, a população local reage bem, mas está atenta. "Metade aceita e se solidariza com os haitianos. A outra metade tem medo." Com a palavra Jacksin Etienne e seus compatriotas.
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