MIRIAM LEITÃO
O GLOBO
Quase nada do que aconteceu em 2011 estava escrito. Foi um ano intenso e surpreendente. A crise da Europa estava dada, mas não se imaginava que fosse se agravar tanto; terremotos no Japão acontecem, mas a tragédia nuclear foi surpresa. A explosão do Norte da África e as quedas de ditadores foram a maior surpresa do ano e revelaram muito da ignorância do Ocidente.
Uma foto postada no Twitter da jornalista da CNN Kristie Lu Stout é um exemplo do inesperado acontecido em 2011. É uma foto protocolar de uma reunião recente da Liga Árabe, pouco antes das rebeliões do Norte da África. Na frente, os governantes Zine El Abidine Ben Ali, da Tunísia; Ali Abdullah Saleh, do Iêmen; Muammar Kadaffi, da Líbia; e Hosni Mubarak, do Egito. Confiram a reprodução da foto no meu blog. Abraçados, eles parecem inamovíveis, partes da paisagem daqueles países. Seguros e sólidos. Em 2011 eles foram depostos e Kaddaffi morto no redemoinho que levantou todas as areias da região.
O que a tempestade de areia revelou é que esses ditadores não eram pirâmides, plantadas lá para sempre, como os governos dos Estados Unidos e dos países do Ocidente os consideravam. Em 2003, o presidente Lula foi à Líbia e disse que Kadaffi estava conduzindo um processo de democratização. O governo americano sempre sustentou a ditadura de Mubarak. Não foram poucos os pensadores que disseram que os árabes não tinham a mesma necessidade de democracia.
O mundo aprendeu muito sobre sua própria ignorância, sobre a realidade dos países árabes, sobre a capacidade de contágio das redes sociais e do mundo conectado. É um capítulo em aberto da história e a evolução de alguns eventos é imprevisível.
Até o Japão surpreendeu em 2011. Todos esperam um terremoto no Japão, principalmente ele próprio. Todos sabem os riscos de um vazamento nuclear, principalmente o Japão. Antes do desastre na Usina de Fukushima o que todos tinham como certo é que os japoneses estavam preparados para terremotos e tinham cercado suas usinas nucleares de todas as garantias possíveis. Não tinham.
Problemas de suprimento na cadeia produtiva por causa do desastre japonês e a alta forte do preço do petróleo pelos eventos da África abateram a incipiente recuperação da economia dos Estados Unidos. Na polarização política que divide os americanos, o Congresso encenou o impensável. Por semanas o mundo viveu na dúvida sobre se o emissor da dívida considerada mais segura do mundo deixaria de honrar os títulos vencendo.
Ver a Europa sangrando em suas contas abertas confirmou que não há país inatingível por crises e que elas são parecidas. Dívidas altas, gastos excessivos abalam a confiança dos credores e minam a estabilidade dos países.
Foi assim com a América Latina nos anos 1980; foi assim na Ásia nos anos 1990; está sendo assim na Europa. Não há países intocáveis.
Aprendeu-se também em 2011 que não há fórmulas simples para crises complexas como a da Europa. Gastar mais para incentivar as economias, como aconselham alguns, só vai erodir mais a confiança dos financiadores. Cortar gastos públicos como único recurso pode aprofundar a recessão e encolher a receita. Gastar mais com resgate financeiro enfurece o contribuinte; se os bancos quebrarem, a crise se agrava; resgatar bancos e não desempregados é inaceitável; os manifestantes do "ocupe" são um movimento à procura de uma bandeira.
A Europa encontrou em 2011 os limites do seu sonho. Tudo parecia perfeito até que a crise chegou. O projeto era unir os países comercial e economicamente, criar uma zona de moeda comum com as decisões passando pelos parlamentos, reduzir o custo de endividamento dos países impulsionando o crescimento. Foi assim por bons anos. As economias menores cresceram puxadas pelas transferências que recebiam da União e o benefício dos juros baixos da moeda forte. As economias maiores tinham mais mercado.
A conta chegou em 2011. Os juros baixos não eram eternos e haviam incentivado o endividamento excessivo. Quando subiram produziram uma bola de neve: quanto maior a dívida mais rapidamente ela cresceu. Não deu certo a ideia de isolar o país mais fraco - a Grécia - e ajustar os países médios. Ao chegar à Itália a crise desembarcou no coração da Zona do Euro. A necessidade de aprovação pelos parlamentos nacionais era vista como virtude. Na crise, virou lentidão das soluções e dificuldade de governança. Quando o Reino Unido reforçou o canal que o separa do resto da Europa enfraqueceu a si mesmo e a região da moeda comum. O ano termina legando incerteza para 2012. A crise da Europa atravessará o ano conosco.
Não sei como foi na sua vida, mas na minha também foi um ano forte. De alegrias, tristezas e surpresas intensas; um ano para lembrar que não se controla o destino, que as previsões têm o defeito de serem a projeção linear do presente e poucas vezes comportam o inesperado da vida. O meu desejo para cada pessoa que me dedica seu tempo precioso lendo esta coluna é que em 2012 as tristezas sejam econômicas e nos poupem, e que as alegrias sejam superavitárias.
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