CLAÚDIO DE MOURA CASTRO
REVISTA VEJA
Faz tempo, o flagelo da evasão escolar vem sendo denunciado. Ministros discursavam, alarmados porque metade dos alunos do primeiro ano abandonava a escola. Daí a ideia de dar às famílias uma mesada, para que mantivessem seus filhos estudando. O governo atirou no que viu e nasceu o Bolsa Escola. A intenção foi a melhor possível. Mas o programa padeceu de um pecado original: quando criado, praticamente já hão havia evasão. Com uma modesta participação minha, P. Fletcher e Costa Ribeiro demonstraram que, já nos anos 70, a evasão no primeiro ano não era metade, mas menos de 1 % da turma. Existia um erro clamoroso da leitura das estatísticas. Quando começou o Bolsa Família, a evasão entre 7 e 14 anos já estava se aproximando de 3%. Portanto, não havia como fazer grande coisa, pois o f1agelo já estava quase extinto. De fato, o impacto do programa sobre a evasão foi mínimo.
Mas o programa, rebatizado de Bolsa Família, acertou no que não viu - e de forma espetacular. Quem acompanha o assunto sabe das dificuldades crônicas de dar dinheiro aos pobres, sem perdas, sem custos administrativos astronômicos e identificando as famílias certas. Ao usar a escola como âncora para o programa, resolve-se um problema antigo, de forma robusta e eficiente. É preciso entender que o Bolsa Família não foi um coelho magicamente tirado da cartola, de um dia para o outro. Pelo contrário, foi o coroamento de muitos anos de amadurecimento da capacidade técnica do governo. Antes de tudo, foi uma proeza estatística e houve muita criatividade gerencial. Uma comissão municipal identifica a família beneficiária e confirma que se enquadra no programa. Como os favorecidos são claramente identificados, qualquer um pode denunciar abusos. Cria-se. automaticamente uma conta de banco (para a mãe) e emite-se, então, um cartão magnético, permitindo retirar o dinheiro mensalmente.
Vários estudos cuidadosos já foram realizados (cito aqui dados de André Panela). Como se previa, o impacto sobre a evasão-é minúsculo, pois oito anos de Bolsa Escola aumentam a frequência em apenas 0,2 ano. As mães participantes são obrigadas a exames pré-natais e vacinas, mas o impacto sobre saúde e nutrição também é ínfimo. O impacto sobre trabalho infantil é inconclusivo. Mas isso tudo é detalhe, diante do resultado espetacular de distribuir recursos para 29 milhões de pessoas, ajudando a tirá-las da pobreza - uma das façanhas festejadas no país e reconhecidas no exterior. Um dos aspectos mais notáveis do programa é ser muito barato, consumindo 0,5% do PIS. Em contraste, o programa de transferências para idosos e inválidos, somado ao que assegura renda mínima, consome 0,6 % e beneficia 3,5 milhões de pessoas. A aposentadoria rural consome 1,7% do PIB, para 8,1 milhões. Compare-se também com os 12% que custa a Previdência. Por tudo o que se sabe, há poucos desvios, pois os valores são pequenos e são robustos os mecanismos de distribuição e fiscalização. Ouseja, passa no teste da eficiência e da equidade, coisa rara em programas desse tipo.
"O irmão da minha empregada não quis aceitar um emprego, para não perder o Bolsa Família." Essa é uma típica acusação da classe média, que costuma torcer o nariz para o programa. Contudo, estudos rigorosamente contradizem essa observação direta. De fato, as análises quantitativas existem justamente porque a observação casual pode levantar suspeitas ou hipóteses, mas é incapaz de avaliar os fenômenos no seu todo. No caso, as pesquisas mostram que, embora possa existir, o desincentivo a aceitar empregos pesa pouquíssimo. Ou seja, o senso comum está equivocado. Em suma, o Bolsa Família pode ter errado no que viu, mas acertou espetacularmente no que não viu. É considerado pelo Banco Mundial como o melhor sistema de transferência de renda. O que ainda não sabemos é quanto tempo essas famílias levarão para não precisar mais dele. Experimenta-se com vários programas de criação de emprego, alguns bastante promissores e já bem grandinhos. Mas ainda é muito cedo para dizer que o problema está sendo resolvido.
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