sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Porões iluminados



 Eunício Oliveira
O Globo 


Percorrendo linhas paralelas, mas coincidentes no resultado, a sociedade brasileira achou o caminho para rever a nossa história política recente à sua maneira.

Mesmo sem a autoridade dos tribunais judiciais para condenar, como aconteceu em diversos países, particularmente entre vizinhos das Américas Central e do Sul, aqui, a soma desses trabalhos vai resultar em um bem acabado painel da repressão política imposta aos brasileiros a partir de 1964 até o seu ponto final, em 1985. Derrocada que começou alguns anos antes pela resistência oposicionista nas ruas e também dentro das instituições, como o Congresso Nacional, onde foi aprovada, em 1979, a Lei da Anistia - base legal para os limites do que estamos assistindo agora.

Para observar o caminho brasileiro, é bom lembrar o Chile, de Augusto Pinochet, e a Argentina, de Jorge Rafael Videla, dois símbolos de ditaduras sanguinariamente radicais. Nos dois, as comissões encarregadas da verdade e do julgamento de militares, levaram aos tribunais vários desses oficiais. Saíram com pesadas sentenças.

No Chile, embora tenha conseguido o exclusivo cargo de senador vitalício como garantia para deixar o governo em 1990, Pinochet não escapou de centenas de queixas e dezenas de processos. Mesmo chegando a recorrer a atestado de debilidade mental. Acabou perdendo o cargo vitalício e amargou o purgatório em vida.

O mesmo acontece com Rafael Videla, que governou os argentinos por 15 anos, até 1981. Seu fim não terá diferente sorte. Desde 2012 cumpre prisão perpétua por crimes de lesa-humanidade, o que configurou sentença de terrorismo de Estado. Ele completa 88 anos na quinta-feira, mas tem mais 50 anos de pena a cumprir.

No Brasil, a Lei de Acesso à Informação associada à preocupação da imprensa em registrar a história, embora nem sempre tenha sido tarefa fácil e sem prejuízos, mostra que não há compromisso com a impunidade e o esquecimento. Ao descobrir rastros, cruzar informações, ou apenas torná-las públicas, apontar contradições e verdades até então desconhecidas, ou deliberadamente escondidas, cria-se caminhos diferentes dos tribunais tradicionais, mas não menos exemplares. A justiça se fará pelo conhecimento crítico da opinião pública.

No futuro, quando historiadores juntarem as pontas do emaranhado e o passado chegar por inteiro às escolas, às bibliotecas e livrarias, teremos colocado luz sobre eventos obscuros para a grande parte dos brasileiros. Mas não para famílias e amigos que, muitos em silêncio e com profunda dor, já buscavam comparar todas as verdades - e versões.

Não se trata, como observou a presidente Dilma Rousseff, de revanchismo. E sim, acredito, de educar gerações que por falta de oportunidades ainda não conhecem esse passado. Só assim locais que foram usados como prisões podem ser hoje espaços de preservação e resgate da memória dos que defenderam a livre organização política, que só as democracias permitem. Para podermos dizer "porões nunca mais" é preciso que o passado ilumine o futuro.
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