Renato Janine Ribeiro
Valor Econômico
Há vinte anos, quando o ministro Murílio Hingel assumiu a pasta da Educação no governo Itamar Franco, começou a mudar a prioridade na educação brasileira. Com boas intenções, a Constituição de 1988 incumbira o governo central de manter o ensino superior, com um número que depois aumentou de universidades federais, e atribuíra a Estados e municípios o ensino básico. Traduzindo, a União paga as universidades, gastando nelas três quartos do seu orçamento com a educação, enquanto os municípios mantêm os primeiros nove anos de escolaridade (os antigos grupo e ginásio, depois segundo grau, hoje ensino fundamental) e os Estados apoiam esse esforço, respondendo também pelo ensino médio, antigo colegial. Há exceções, substanciais inclusive, mas o desenho constitucional é esse. A boa intenção foi pensar que, colocando a educação mais importante, a de crianças e adolescentes, mais perto do eleitor, ela iria melhorar. O cidadão controlaria de perto a educação dos seis aos dezoito anos, ou mesmo desde as creches.
Ledo engano. Daí, surgiram inúmeros problemas. Muitos prefeitos e governadores não são capazes de dirigir sistemas educacionais - quanto mais, de conceber mudanças que valorizem o professor e estimulem os alunos. Na verdade, os maiores avanços da educação básica nestes vinte anos, em que pesem as boas intenções de Murilio Hingel, Paulo Renato de Souza e Fernando Haddad, os ministros mais duradouros no cargo, foram apenas dois. Primeiro: priorizar na pauta de intenções do governo a educação básica. Por ora, é uma intenção. Não é uma realização. Mas já é positivo aumentar a convicção de que essa educação é a mais importante. Infelizmente, falta as famílias assumirem isso.
Segundo ganho: a decisão de avaliar a educação. E a percepção de que, para tanto, precisamos de indicadores bons. Isso pode parecer óbvio. Como melhorar a educação, sem uma avaliação constante? Mas o que não é óbvio é o modo de avaliar. Isso é muito difícil. Podemos, sim, fazer uma avaliação bastante básica dela - ver como as crianças menores se saem nas operações fundamentais da matemática e no português. Meu filho, aos oito anos, fez a Provinha Brasil, que eu baixei para ele. Acertou 23 das 24 questões. Uma amiguinha dele teve dificuldades com a última pergunta, que era como se escreve "quintal". Aliás, aproveito para recomendar aos pais que procurem, no site do INEP, as edições anteriores da Provinha e apliquem aos filhos de 7 a 9 anos. É uma brincadeira, mas fará que as famílias se envolvam mais com a educação das crianças. Voltarei a este ponto. Mas lembro que, à medida que a pessoa cresce, é cada vez mais difícil avaliar, e a regra número 1 é que a avaliação não pode inibir iniciativas criativas e emancipadoras.
Use seu voto para melhorar a educação básica
A avaliação dos sistemas educacionais foi um tema que dividiu, por muito tempo, o PSDB - que a defendia e implantou em escala federal - e o PT, que fechava com os sindicatos de professores na resistência a ela. Entendia o PT, e hoje entendem os sindicatos docentes, que a avaliação é injusta com os professores, punindo-os por deficiências do sistema como um todo e só recompensando alguns deles, os melhores. Mas não há como melhorar a educação, inclusive a remuneração dos profissionais, sem exigir deles um bom desempenho. Sempre fui defensor da qualidade. Achei muito bom que, no governo Lula, o PT mudasse de posição a respeito e, inclusive, aprimorasse os indicadores educacionais. (Vários sindicatos continuam contrários, o que hoje leva parte deles a apoiar os partidos ditos de extrema-esquerda).
Recomendo aos pais: olhem no INEP a prova adequada à idade do filho, seja Provinha Brasil, Prova Brasil ou Enem. Peçam ao filho para fazê-la e o acompanhem. E por quê? Não é só para saber como está seu filho, embora isso seja fundamental. Mas é, sobretudo, porque a maior deficiência do ensino brasileiro é que a sociedade não fez, dele, sua prioridade. Muitos consultores e jornalistas dizem que melhorar a educação é condição para o país se desenvolver. Mas sejamos claros. A família pode ajudar na segurança, na saúde e na educação. Pode ensinar os filhos a serem honestos e a se acautelarem dos criminosos. Deve educá-los a ter hábitos higiênicos e cuidar da saúde. Mas não pode substituir a polícia, o médico - nem, aliás, o professor. Só que na educação, a família pode fazer muito mais do que faz. Pode, numa palavra, mostrar que a educação é importante.
Exemplo negativo: um conhecido meu, numa crise econômica, mudou os filhos de escola porque a mensalidade estava cara. Só por isso. No mês seguinte, trocou o carro seu e da mulher. Que sinal ele deu para os filhos? Não precisa responder. Mas foi pior do que aquilo que mil governos ruins podem fazer.
Sugestão nestas eleições: vejam o que os candidatos a prefeito propõem para a educação. Verifiquem se falam em merenda escolar, transporte, pintura de escolas. Se falarem só nisso ou principalmente nisso, fujam! Provavelmente, eles não têm ideia do que é a educação. Claro que podem - e devem - falar desses pontos, mas o principal é a qualidade do ensino. Vejam também se vão falar em tablets, internet e coisas que tais. Alerta! Esses instrumentos só são úteis se houver alguém que saiba usá-los. Confiram se falam em cursos para qualificar os professores, em aumento de salário vinculado a cobrança de desempenho, e em incentivo aos alunos para que tenham prazer estudando. Aprofundem estes pontos, para ver se eles entendem do que estão falando ou apenas repetem mantras de marqueteiros. Porque, se entenderem disso, podem ser prefeitos bons para a educação.
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