Paulo Roberto de Almeida
Balanço do governo Lula, 2003-2010: uma avaliação não complacente
Toda avaliação envolve dois tipos de comparação: uma do governo consigo mesmo, e outra, desse governo com outros
26/10/2010 13:00
Um governo, qualquer governo, de qualquer país, pode – na verdade deve – ser submetido a uma avaliação de seus resultados efetivos, para fins de um balanço honesto das realizações registradas e para a confrontação destas às promessas feitas quando de seu início. Trata-se de um exercício democrático de controle, destinado a verificar se os recursos “entregues” ao governo foram transformados em resultados positivos para os cidadãos que produziram esses recursos repassados ao Estado – ou que deles foram despojados “involuntariamente” – sob a justificativa, ou a promessa, de políticas públicas visando o maior bem-estar possível para o maior número.
O objeto deste trabalho, dividido em ensaios seqüenciais, é o governo Lula, em sua integralidade sintética, embora nem todas as políticas públicas possam merecer igual atenção. Já efetuei um exercício analítico desse gênero no início do último ano de seu primeiro mandato, ou seja, antes mesmo da campanha presidencial de 2006 (1). Naquela avaliação, separei estritamente os dados quantitativos, suscetíveis de serem trabalhados com ferramentas objetivas, das considerações de natureza qualitativa, feitas com base em minhas considerações pessoais, mas expostas de maneira clara e transparente, separando os pontos que me pareciam positivos daqueles julgados negativos. Convido a conferir esse balanço.
Toda avaliação envolve dois tipos de comparação: uma, do governo consigo mesmo, ou seja, o que ele recebeu, do antecessor, e o que está deixando, em herança ao seu sucessor; e outra, desse governo com outros, isto é, em bases regionais ou mundiais, vendo o desempenho de outros governos nos mesmos setores, e os avanços (ou atrasos) relativos na esfera transnacional (2). A primeira avaliação é diacrônica, ou seja, um tempo antes e um depois, ao passo que a segunda é sincrônica, já que envolvendo os resultados de vários governos, num determinado âmbito ou setor, ao mesmo tempo. Neste caso, também, os dados precisam ser comparáveis, para melhor controle dos resultados, o que é facilitado pela existência de bases de dados uniformes, segundo padrões adotados pelos organismos internacionais.
O objetivo deste primeiro ensaio de avaliação do governo Lula é o de verificar como ele se desempenhou, de 2003 a 2010, no que se refere aos dados macroeconômicos fundamentais, em especial crescimento e contas públicas. Avaliações posteriores abordaram questões como comércio, investimento, contas externas, ademais da política e instituições de desenvolvimento social.
Economia: avanços e recuos num quadro mundial em transição
O que ocorreu no terreno da economia foi uma combinação – rara, com base em declarações anteriores dos “economistas” do partido – de sensatez com “golpes” enormes de sorte. O registro histórico das posições do PT em economia prenunciavam o pior possível na frente econômica, a começar pela desonestidade fundamental em dose dupla: a de inventar a “tese” da “herança maldita” e a de se atribuir méritos por apenas ter continuado a política econômica anterior – estigmatizada de maneira totalmente desonesta como “neoliberal” quando o partido estava na oposição – sob a roupagem do “nunca antes neste país”.
O tournant neoliberal começou, é verdade, ainda antes das eleições, e isto por uma fatalidade do destino: o assassinato do principal conselheiro econômico do candidato Lula, na pessoa do prefeito de Santo André, num dos casos mais misteriosos (e talvez mais escabrosos) da política brasileira, e sua pronta substituição por Antonio Palocci (que conduziu uma verdadeira revolução copernicana nos pressupostos equivocados dos “economistas” do partido). Isso não impediu que a “herança maldita” fosse construída durante a própria campanha eleitoral, um pouco pela especulação “normal” de Wall Street, outro tanto pelo registro histórico das posições econômicas esquizofrênicas do PT.
O preço a pagar pelas bravatas anteriores foi alto, refletido na elevação imediata dos juros – aliás, pelas mãos do único banqueiro que aceitou servir ao governo do PT como presidente do Banco Central – e numa taxa de crescimento do PIB reduzida a 0,5% em 2003. A humilhação para os militantes da causa da “ruptura” veio também sob a forma do compromisso do ministro da Fazenda com um superávit primário ainda mais elevado do que o anteriormente acordado com o FMI, além da própria continuidade do programa de ajuste e empréstimo com a entidade de Washington, o que certamente aumentou a frustração. Mas a manutenção (e o aprofundamento) da política econômica herdada do governo anterior foi a principal e mais importante realização positiva do governo petista, uma vez que permitiu o clima de confiança que se traduziu no bom acolhimento do governo pelos mercados internacionais, logo materializado na expansão dos investimentos estrangeiros.
O que se conseguiu em termos de crescimento?
Em termos de resultados efetivos, o governo Lula realizou, em seu primeiro mandato, de 2003 a 2006, taxas respectivas de crescimento do PIB de 0,5%, 4,9%, 2,3% e 3%, numa conjuntura em que a economia mundial crescia praticamente o dobro dessas taxas e os emergentes dinâmicos três vezes mais. Registre-se, porém, que o governo operou uma revisão metodológica nas contas nacionais, alterando o peso e a composição de indicadores básicos da economia, o que redundou numa mudança para cima de todas as taxas de crescimento da economia. Assim, os dados revistos do PIB brasileiro permitiram exibir as seguintes taxas de crescimento: 1,1% em 2003, 5,7% em 2004, 3,2% em 2005 e 4% em 2006, com a consequente diminuição do peso da dívida pública e da carga tributária em relação ao PIB, resultados oportunamente convenientes para melhorar o desempenho geral da economia. De fato, pelos critérios metodológicos anteriores, a carga tributária do Brasil já teria alcançado, em 2008, 39,92% do PIB, uma anomalia pelos padrões internacionais. No segundo mandato, a economia obteve um bom desempenho, mas a carga tributária continuou aumentando: no período completo, ela foi de 32,5% do PIB, em 2003, segundo os novos critérios do IBGE, para 35% do PIB em 2009.
Pode-se dizer, aliás, que o governo Lula foi bafejado pela sorte e pela demanda internacional, em especial da China, cuja voracidade por matérias-primas beneficiou duplamente o Brasil: pelo volume exportado e pelos preços valorizados (mais este fator, até, do que o primeiro). Por falar em valorização, uma outra desonestidade intelectual precisa ser consignada: tendo acusado o governo anterior de praticar “populismo cambial”, os praticantes da economia “neo-neoliberal” levaram à mais intensa valorização cambial já assistida no Brasil desde o imediato pós-guerra, trazendo o valor da moeda brasileira a patamares ainda inferiores às paridades registradas no período imediatamente anterior à desvalorização e flutuação do início de 1999, provando, uma vez mais, que todos os políticos no poder adoram praticar populismo cambial (já que dá a impressão de que todos estão ficando mais ricos, ademais de ajudar no combate à inflação).
Porém, o avanço mais efetivo na frente econômica foi, paradoxalmente, o fato de não ter havido recuo na manutenção dos elementos centrais da política econômica anterior: metas de inflação (ainda que mantidas em níveis muito elevados, praticamente o dobro dos índices mundiais); flutuação cambial (com o desconto da valorização sempre criticada pelos exportadores e industriais) e responsabilidade fiscal (embora preservada unicamente na era Palocci, e relaxada depois). Os frutos foram colhidos sob a forma de taxas mais vigorosas de crescimento, de 2005 a 2008.
A inflação ficou controlada – graças bem mais à atitude responsável do Banco Central do que ao comportamento fiscalmente irresponsável do governo; mas o crescimento foi moderado, e a dívida bruta continuou em nível aproximado a 60% do PIB. O lado mais negativo da história foi o aumento constante da carga fiscal, convertendo o Brasil numa verdadeira anomalia tributária, para países com o seu nível de renda: praticamente dois quintos da renda nacional se dirigem ao Estado, com um retorno pífio em termos de investimento produtivo, e uma administração de despesas altamente deformada do ponto de vista da eficiência alocativa do orçamento público.
O que vem pela frente?
No segundo mandato, a situação fiscal continuou a se deteriorar, mas o governo foi mais uma vez bafejado pela sorte, em meio às turbulências da crise internacional iniciada nos Estados Unidos, em 2008. O crescimento do PIB, ainda impulsionado pela demanda da China, que permaneceu vigorosa e se alçou à condição de primeiro parceiro comercial do Brasil, foi, respectivamente, de 6,1% em 2007, de 5,1% em 2008 e de -0,2% em 2009, tendo sido estimada a taxa de aproximadamente 7,7% em 2010. Desta vez, o Brasil conseguiu fazer melhor do que a média mundial, o que não parecia difícil em vista da gravidade da recessão nos países avançados. Mas ainda assim permaneceu aquém do ritmo mais elevado dos emergentes dinâmicos, como a própria China ou a Índia. Registre-se, igualmente, a manutenção por mais de cinco anos, da mesma taxa básica de inflação, com o centro fixado a 4,5%, o que significa que o governo praticamente “encomenda” uma inflação de 5% a cada ano, destinada a corroer o poder de compra dos rendimentos dos brasileiros. A carga fiscal continua a aumentar e os investimentos públicos permanecem em patamares inferiores às necessidades, com a agravante de que o governo desvia recursos orçamentários para alimentar empresas públicas – como a Petrobras – que poderiam tranquilamente se abastecer no mercado comercial de créditos e financiamentos.
(1) Cf. Paulo Roberto de Almeida, “Um balanço preliminar do Governo Lula: a grande mudança medida pelos números”, Espaço Acadêmico (ano 5, n. 58, março 2006; link: http://www.espacoacademico.com.br/058/58almeida.htm).
(2) Uma boa ferramenta de consulta para essa visão comparada quanto a dados econômicos fundamentais (PIB, PIB per capita, crescimento, etc.), ranqueados por país, pode ser encontrada no seguinte site: http://www.indexmundi.com/g/r.aspx?v=65&l=pt.
Paulo Roberto de Almeida é doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas (1984). Diplomata de carreira desde 1977, exerceu diversos cargos na Secretaria de Estado das Relações Exteriores e em embaixadas e delegações do Brasil no exterior. Trabalhou entre 2003 e 2007 como Assessor Especial no Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Autor de vários trabalhos sobre relações internacionais e política externa do Brasi.
domingo, 31 de outubro de 2010
É hoje
DANUZA LEÃO -
FOLHA DE SÃO PAULO
BOA SORTE ao eleito de hoje.
Se for aquele em quem votei, ótimo; se não for, boa sorte assim mesmo, e que Deus proteja o Brasil -e nos proteja.
Hoje à noite, na hora em que Lula puser a cabeça no travesseiro, vai cair a ficha: agora é só uma questão de tempo, e pouco tempo.
Ele se acostumou com o sucesso e a popularidade, mas vai ter também que se acostumar a não ser mais presidente da República, só que não vai ser assim tão fácil. Para isso é preciso ter sabedoria e equilíbrio, qualidades que definitivamente o presidente não tem.
Lula sonhou alto; pretendia ser secretário-geral da ONU, pretendia que o Brasil fizesse parte do Conselho de Segurança, pretendia ganhar o Nobel da Paz, quis resolver o confronto no Oriente Médio, foi chamado por Obama de "o cara"; começou a se achar dono do mundo, meteu os pés pelas mãos e conseguiu, na hora de sair, ficar mal na foto. Bem mal.
Qualquer que seja o resultado de hoje, temos boas razões para comemorar. Não vamos mais ver na TV Lula andando com o microfone na mão, como se estivesse num auditório, dizendo "nunca antes nesse país", comparando tudo que acontece a um jogo de futebol, sem um pingo de graça.
Não vamos mais ver Marisa Letícia vestida de verde e amarelo nas comemorações da Independência ou de vermelho em carreata eleitoral, saudando o povo com os braços para o alto, como se fosse uma miss; sua voz, ninguém jamais ouviu, e seu único ato foi fazer um canteiro com uma estrela vermelha no jardim do Palácio da Alvorada. Que foi retirada, por sinal.
O Brasil, que já tinha ficado bem mal educado nos tempos de Collor, ficou ainda menos educado depois dos oito anos de Lula. A falta de cerimônia, os péssimos modos, a maneira de se dirigir a seus adversários, o pouco caso com que atropelou as leis eleitorais; dizer inverdades, agindo como se os fins justificassem quaisquer meios, e que a impunidade é lei. Tudo foi um péssimo exemplo.
Quando um novo presidente é eleito, tudo muda - para melhor ou para pior. Penso em Cristina Kirchner, que deve estar passando por maus momentos, em todos os sentidos. Como fará para governar o país, sem seu marido ao lado para encarar os problemas, maiores ou menores?
É o perigo de ser eleito/a um candidato/a que precisa de quem o dirija na hora do aperto, para que o país não fique à deriva. Já pensaram se a mulher de Joaquim Roriz vence a eleição no Distrito Federal e seu marido morre? Antes de votar, há que se pensar em tudo, até no que parece impossível poder acontecer. E se acontecer?
Lula deve estar cansado, merece umas férias, e será recebido com festa na Venezuela, em Cuba e também no Irã.
Vai, Lula, você merece: nós também estamos muito cansados de você.
PS - Não há mais o que falar sobre eleição; então, depois de votar, passe numa livraria e compre o livro "Contra um Mundo Melhor", de Luiz Felipe Pondé, editora Leya. Tive dificuldade em alguns trechos -difíceis para quem não tem uma grande cultura-, por isso aconselho a deixá-lo na mesa de cabeceira, pegar de vez em quando, abrir em qualquer página e reler. É uma leitura perturbadora, que nos faz pensar, o que fazemos pouco.
Dê a você essa chance, a de pensar. Juro que não dói.
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A miséria da política
A miséria da política
Sergio Fausto - AE
DIRETOR EXECUTIVO DO iFHC, É MEMBRO DO GACINT-USP. E-MAIL: SFAUSTO40@HOTMAIL.COM
Sergio Fausto - AE
Campanhas eleitorais raramente se destacam pela discussão substantiva dos temas mais relevantes para o futuro do país. Principalmente agora que o marketing ganhou precedência sobre a política e os candidatos obedecem às orientações emanadas da "ciência" dos marqueteiros.
Essa é uma tendência em todas as democracias, que se manifesta com especial força nos países onde o peso da imprensa escrita é minúsculo comparado ao da televisão, as identidades partidárias são diluídas, a média do eleitorado tem nível de instrução baixo e a indústria do marketing e da propaganda goza de grande fama e prestígio.
Assim, não chega a surpreender a pobreza da discussão política nas eleições que hoje se encerram. Não surpreende, mas decepciona, sobretudo quando se considera a riqueza dos avanços obtidos e dos problemas gerados ou não resolvidos ao longo dos últimos 16 anos, em geral muito positivos para o País. Era de esperar que o desenvolvimento (em sentido amplo) observado nesse período se refletisse em maior qualidade do debate político. Não foi o que se viu.
A pobreza da discussão política nestas eleições foi uma escolha das campanhas e dos principais candidatos. Com a contribuição inestimável do sr. presidente da República, que entrou na disputa como chefe de torcida uniformizada.
A pobreza da campanha oficial derivou da decisão de fabricar mentiras para estigmatizar o governo Fernando Henrique Cardoso e criar mitos para engrandecer o governo atual, em doses muito além do aceitável numa disputa política minimamente comprometida com os fatos e com uma interpretação razoável a seu respeito. Já a pobreza da campanha oposicionista decorreu essencialmente da recusa - maior no primeiro do que no segundo turno - a responder às mentiras referentes ao passado e desconstruir os mitos relativos ao presente. Nessa toada, por ação ou omissão, uma e outra campanha concorreram, ainda que em graus diferentes, para distorcer o passado, mitificar o presente e embaçar o futuro.
Tome-se o exemplo do tratamento dispensado à Petrobrás e ao pré-sal. A campanha oficial procurou pregar a mentira de que o governo FHC tencionava privatizar a companhia. Lorota de pernas curtas: como se não bastasse a suposta intenção jamais ter figurado em programa, discurso ou documento do governo anterior, há carta pública do ex-presidente ao Senado comprometendo-se com a permanência da Petrobrás em mãos do Estado brasileiro, sob o regime de competição regulada estabelecido em 1997. A companhia não apenas permaneceu sob controle estatal, como se tornou muito mais competitiva sob o novo regime.
Findo o monopólio da Petrobrás, mas assegurada a propriedade da União sobre o subsolo brasileiro, com mais competição, novas empresas e maiores investimentos, a participação do setor de petróleo e gás cresceu de 2% para 12% do produto interno bruto (PIB), gerando maior renda e mais e melhores empregos. Base sólida para o candidato do PSDB passar à ofensiva e perguntar o porquê de o governo atual querer mudar, para a exploração do pré-sal, um regime que se mostrou tão bem-sucedido. Quais as vantagens e os riscos de o Estado brasileiro ingressar no comércio de barris de petróleo, em lugar de arrecadar tributos? A quem poderia interessar a entrada do Estado num negócio pouco transparente que tanta margem oferece a ganhos ilícitos? A legislação atual já não permite, por simples decreto presidencial, capturar para o Estado brasileiro os ganhos extraordinários que possam advir da exploração do pré-sal? Por que, então, fazer uma mudança atabalhoada, em regime de urgência constitucional, sem tempo para que o Congresso Nacional e a sociedade pudessem conhecê-la e discuti-la? Nenhuma dessas perguntas foi feita.
Em vez de aceitar a luta política no centro do ringue - onde se poderiam confrontar dois modelos distintos de gestão do Estado e regulação da economia -, a candidatura do PSDB escolheu os cantos do tablado, na suposição de que o embate de biografias, em torno da competência gerencial para implementar programas setoriais, lhe fosse assegurar uma "merecida vitória", como se a política fosse uma prova de méritos individuais.
Tão importante quanto discutir a Petrobrás e o pré-sal teria sido pôr em pauta o tamanho da carga tributária. Será sustentável a mobilidade social ascendente observada nos últimos anos sem uma reforma tributária que reduza responsavelmente a carga de impostos, melhore a qualidade da tributação e permita o desenvolvimento do setor de pequenas e médias empresas? Ou vamos apostar que a emergência da chamada classe C será sustentada pelo emprego e renda gerados pela expansão do Estado e pelo fortalecimento das grandes empresas, as únicas capazes de suportar a carga tributária atual e mover-se no cipoal tributário existente? Silêncio total sobre um assunto vital para o futuro do País, em que duas visões sobre o Estado, a economia e a sociedade poderiam haver se confrontado. O que se ouviu foram apenas promessas eleitorais de mais gastos públicos correntes, cujo ritmo de crescimento precisa ser contido para tornar viável a redução da carga tributária.
Conduzidas as campanhas desse modo, sobrou a falsa impressão de que a escolha se dará entre um candidato que tem notável currículo político-administrativo e se apresenta como um continuador melhorado das "proezas" que se fizeram nos últimos oito anos, embora não conte com o apoio do autor das proezas, e uma candidata com modesto currículo político-administrativo, mas que tem o vistoso apoio do chefe de sua torcida, chefe de Estado nas horas vagas.
Ainda assim é muito bom votar. Já tinha quase 30 anos quando votei pela primeira vez para presidente. Meus filhos, com menos de 20, já o fizeram neste 3 de outubro. Viva a democracia! E vamos às urnas, pois. Meu voto não é segredo: é Serra.
DIRETOR EXECUTIVO DO iFHC, É MEMBRO DO GACINT-USP. E-MAIL: SFAUSTO40@HOTMAIL.COM
Para construir o futuro
O Estado de S. Paulo
Quem suceder ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva só poderá construir o futuro e consolidar o Brasil como grande economia se for capaz, em primeiro lugar, de proteger a estabilidade conquistada a partir dos anos 90. Precisará cumprir uma longa agenda para modernizar o País, torná-lo tão competitivo quanto as economias mais dinâmicas e garantir seu lugar entre as potências. Mas, para isso, o governo terá de abandonar o voluntarismo, renunciar à farra com dinheiro público e retomar o caminho da responsabilidade. Esse caminho foi claramente abandonado e a mais nova comprovação desse fato é a escandalosa manipulação das contas públicas.
Nenhum avanço teria sido possível, nos últimos oito anos, sem a base construída até 2002. O combate à pobreza teria sido muito menos eficiente se a inflação desenfreada continuasse corroendo cada aumento salarial e cada centavo das políticas sociais. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva reconheceu esse fato e por isso respeitou a ação do Banco Central, mesmo contra as pressões dos companheiros e aliados. Mas seu compromisso com a política responsável tem sido cada vez mais frouxo - tanto mais frouxo quanto maior a sua dedicação ao jogo eleitoral e ao seu projeto de poder.
O próximo governante deverá, portanto, enfrentar uma dupla tarefa, se não quiser condenar-se ao fracasso. Terá de afastar o risco de um retrocesso, preservando o tripé da estabilidade: uma política realista de metas de inflação, respeito à responsabilidade fiscal e câmbio flutuante.
Para manter esse rumo, terá de corrigir uma série de desvios. Precisará conter a expansão do gasto corrente, abandonar a demagogia com os salários do setor público, renunciar ao empreguismo e ao aparelhamento do governo. Deverá buscar a eficiência do setor público - inaceitável para a ideologia petista - e buscar o máximo retorno para cada centavo do orçamento.
Uma efetiva poupança pública será indispensável tanto para o crescimento seguro da economia quanto para a adoção de uma política anticíclica digna desse nome, como a adotada, por exemplo, no Chile: economizar em tempos de prosperidade para gastar nas fases difíceis.
Com o manejo responsável e eficiente do dinheiro público, realizar a decantada reforma tributária será muito mais fácil. Será necessária, naturalmente, uma complicada negociação com Estados e municípios, uma tarefa evitada, durante oito anos, pelo presidente Lula.
Se o próximo governo fracassar nesse item, por incompetência ou indisposição para missões difíceis, o empresário brasileiro continuará em séria desvantagem no jogo internacional. Mais que isso, poderá encontrar dificuldade crescente para competir e, portanto, para produzir e criar empregos. Todos os candidatos prometeram trabalhar por essa reforma. Nenhum, no entanto, detalhou a promessa nem disse como enfrentará a tarefa.
Se quiser garantir uma nova e prolongada prosperidade, quem suceder ao presidente Lula deverá resistir à tentação de controle pessoal ou partidário da economia. Terá de renunciar à ideia de reestatizar empresas bem-sucedidas no setor privado e também ao uso de instrumentos de governo, como os bancos públicos, para operações promíscuas.
Não faltarão empresários dispostos a construir com o grupo governante esquemas de dominação econômica disfarçados de projetos nacionalistas. O germe de um capitalismo de compadrio e de favores já se instalou e prosperou nos centros de poder nos últimos anos. É tempo de combater esse germe, não só em benefício da economia, mas também do regime democrático.
A construção do futuro dependerá igualmente de um retorno à diplomacia realista e eficiente, guiada pelo interesse nacional bem compreendido e não por ilusões ideológicas dos anos 60.
Seja quem for o novo ocupante do Palácio do Planalto, precisará de ideias claras e de muita determinação para cuidar dessas tarefas. Enfrentará pressões de grupos instalados no aparelho estatal e de grupos nutridos pelo setor público e acomodados à sua sombra, como os agentes do peleguismo sindical e estudantil. A construção, em algumas áreas, dependerá de um trabalho prévio de demolição.
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O rodeio dos imbecis
RUTH DE AQUINO
ÉPOCA
raquino@edglobo.com.br
ÉPOCA
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Universitários que “montam” à força em colegas gordas, numa competição para ver “qual peão” fica mais tempo sobre as meninas, são o retrato cru de uma sociedade doente e sem noção. O “rodeio das gordas” aconteceu em outubro em jogos oficiais de uma universidade importante, a Unesp, em São Paulo – não em algum rincão remoto. Não envolveu capiau nem analfabeto. Foi a elite brasileira, a que chega à universidade. Estamos no século XXI e assistimos perplexos à globalização da ignorância moral.
Mais de 50 rapazes, da Universidade Estadual Paulista, organizaram o ataque às gordas num evento esportivo e cultural com 15 mil universitários. Uma comunidade no Orkut definiu as regras: “Todo peão deve permanecer oito segundos segurando a gorda”; “gordas bandidas são mais valiosas”; “o corpo da gorda tem de ser grande, bem grande”. Os estudantes se aproximavam das meninas como se fossem paquerá-las. Aproveitavam para agarrá-las e montar nelas, e as que mais lutavam contra a agressão eram apelidadas de “gordas bandidas”. Uma referência ao touro Bandido, personagem da novela América. “A cada coice tomado, o peão guerreiro ganha 1 ponto”, anunciava o site de relacionamento.
A repercussão assustou os universitários. Roberto Negrini, um dos organizadores do torneio e filho de advogada, chamou tudo de “brincadeira”, mas pediu desculpas à diretoria da Unesp e se disse arrependido. Tentou convencer a todos de que “não houve preconceito”. Sites e blogs foram invadidos por comentários indignados. Mas havia muitos homens aplaudindo “a criatividade” dos estudantes. O internauta Arnaldo César Almeida, de São Paulo, propôs transformar a competição num “esporte olímpico”. Outro, que se identificou como Alexandre, escreveu: “Me divirto vendo esses kibes (sic) humanos dando coice! Vou até instalar uma baleia mecânica para treinar”.
Quem são os pais e as mães desses rapazes? A maior responsabilidade é da família. O que fez ou onde estava quem deveria tê-los educado com valores mínimos de cortesia e respeito ao próximo? Jovens adultos que agem assim foram, de alguma maneira, ignorados por seus pais ou receberam péssimos exemplos em casa e na comunidade onde cresceram.
O “rodeio das gordas”, promovido nos jogos da Unesp, é o retrato de uma sociedade doente
Não foi uma semana edificante. Meninas adolescentes, numa escola paulista em Mogi das Cruzes, trocaram socos. A mais agredida, de 14 anos, disse: “Alguns têm dó, mas outros ficam rindo porque eu apanhei”. Em Brasília, uma estudante usou a lâmina do apontador para navalhar o rosto e o pescoço da colega. No Rio de Janeiro, uma professora foi presa por manter relações sexuais com uma aluna de 13 anos. A loura da Uniban, Geisy Arruda, posou pelada, sem o microvestido rosa-choque, mostrando que tudo acaba na busca de fama e uns trocados.
Está na hora de adultos pensarem com cautela se querem colocar um filho no mundo. Se querem cuidar de verdade dessa criança. Ouvir, conversar, beijar, brincar, educar, punir, amparar, dedicar um tempo real para acompanhar seu crescimento, suas dúvidas e inquietações. Descaso, assédio moral e físico contra crianças, brigas entre pai e mãe, separações litigiosas podem levar a tragédias como a que matou a menina Joanna. Submetida a maus-tratos e negligência, Joanna talvez tenha simplesmente desistido de continuar no inferno em que se transformara sua vida aos 5 anos de idade.
Não sou moralista. Mas a sociedade mergulhou numa disputa de baixarias. As competições escancaradas na TV aberta, sob a chancela de “entretenimento”, estimulam a humilhação pública e a indignidade humana. Comer pizza de vermes e minhocas vivas, deixar ratos e cobras passear pelo corpo de uma moça de biquíni, resistir a vômitos, como prova de determinação e bravura – isso é exatamente o quê? Expor pessoas ao ridículo, enaltecer o lixo, a escória, em canais abertos a crianças e adolescentes... não seria inaceitável numa sociedade civilizada? Diante de alguns programas televisivos, o “rodeio das gordas” pode parecer brincadeira. Mas não é.
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''Quem vencer vai ter uma bomba nas mãos''
Maria Celina d'Araújo - O ESTADO DE S. PAULO
Entrevista Maria Celina d’Araújo
Para a historiadora, quem chegar ao Planalto recebe um Estado com alto endividamento,dependente do mercado para se financiar, e carrega o peso de muitas alianças partidárias
Gabriel Manzano
Entrevista Maria Celina d’Araújo
Para a historiadora, quem chegar ao Planalto recebe um Estado com alto endividamento,dependente do mercado para se financiar, e carrega o peso de muitas alianças partidárias
Gabriel Manzano
O discurso acabou, os marqueteiros vão para casa e, a partir de amanhã, a vida como ela é cai sobre os ombros do vitorioso. Um de seus rostos é um Estado endividado, que não tem dinheiro para investir e precisa se entender com o mercado. O outro, um pacote de alianças e acordos políticos a cumprir, sem os quais não governará. "Por isso, não estou tão segura de que Dilma Rousseff ou José Serra estejam oferecendo modelos diferentes de Estado", adverte a historiadora e pesquisadora da PUC-Rio Maria Celina d"Araújo. "Há limites estruturais, por exemplo, para uma política mais estatizante. E quem vencer terá uma bomba na mão, a bomba do endividamento, do câmbio, dos aeroportos, da Previdência..."
Estudiosa atenta das instituições e do poder no Brasil, Maria Celina entende que o País "está passando por um processo de novas oligarquias, junto com antigas que parecem ressurgir, e o poder continua precisando delas para ter votos". Mas a sociedade brasileira "também tem uma vocação para gostar do Estado, uma certa estadolatria. Não suportaria um processo para valer de privatizações. É um dilema."
O governo Lula, que vai chegando ao fim, "está mais próximo de Fernando Henrique do que de Getúlio", afirma a autora, que escreveu cerca de 20 livros sobre os presidentes brasileiros. O antigo caudilho "mudou o modelo, implantou uma política trabalhista". Lula tomou outra direção: "Abandonou suas promessas fortes, as reformas trabalhista, sindical e previdenciária, ao legalizar as centrais sindicais." Quem mudou o modelo foi o governo FHC: "O Estado não podia mais ser desenvolvimentista, porque estava falido, e precisou ir se entender com o mercado."
Por tudo isso, avisa a pesquisadora, é preciso cuidado para se avaliar como o novo presidente vai governar. "Dilma está ligada a um amplo arco de alianças, da extrema direita à extrema esquerda, e sua autonomia não será tão grande. E o Serra também não é um tucano convencional, liberal, que privatiza."
Como é o Brasil que o eleito de hoje vai receber para governar?
Um país com instituições sólidas, regras democráticas. Isso é muito, se compararmos com nossos vizinhos. Mas há também problemas sérios, que não tiveram espaço na campanha. Por exemplo, o Brasil não tem melhorado em seus indicadores de corrupção - todos os dados mostram que continuamos num patamar lamentável. Da mesma forma, a desigualdade: houve uma ascensão social, mas persistem muitas diferenças, como as de gênero e de etnia. Somos uma sociedade em que o trabalho da mulher vale menos, a presença da mulher no Congresso é pífia, para não falar dos negros.
A eventual chegada de uma mulher ao Planalto teria um impacto diferente nisso?
Se Dilma chegar lá, acho que muda pouco. Ela é uma candidata indicada e apoiada por um homem. Não entrou na política por méritos pessoais. E ainda representa um projeto do "continuar fazendo" - é a mulher que obedece ao que foi planejado e implantado por um homem.
O marketing atrapalhou o debate dos assuntos sérios na campanha?
Não entendo de marketing político. Mas o que sei é que esse tipo de campanha está ficando anacrônico, repetitivo. São as mesmas receitas, os mesmos recursos gráficos, desde os tempos do Collor. Não se fala de questões fundamentais como câmbio, juros - o Serra até tentou, mas a coisa não evoluiu. E não se discute que temos uma bomba na mão, do endividamento, do câmbio, os aeroportos, a Infraero, a Previdência. Os candidatos não querem tocar nisso porque significa cortar gastos.
A desculpa é que o eleitorado não gosta de temas complexos, não entende...
Acho que culpar o eleitor por uma campanha rasteira é um desserviço à democracia. Criticam o eleitor de São Paulo porque o Tiririca foi eleito e nada dizem do partido que o indicou, das instituições que aprovam essas manobras. Ora, a campanha é rasteira porque os marqueteiros acham que tem de mexer com as emoções e não com fatos. E não é só aqui. Nos EUA, na disputa entre Obama e Hillary Clinton dentro do Partido Democrata, cada um partia para desconstruir a candidatura do outro. Cabe à mídia, aos acadêmicos, puxar para que as coisas não sejam assim. Tivemos na campanha um mantra sobre privatização, sobre Petrobrás, uma discussão cheirando a naftalina. Se as privatizações são um problema tão grave, porque o governo Lula, em oito anos, não desprivatizou nada?
A propósito, a senhora vê na eleição de hoje dois modelos de Estado disputando o poder?
Não estou tão segura de que sejam dois modelos. No caso da Dilma, há um modelo mais estatizante, o do PT, que é um programa de partido, mas se ela vencer vai levar consigo o peso dos acordos que fez, que vão da extrema direita à extrema esquerda. Sua autonomia de voo não será tão grande. E o Serra também não pode ser visto como um tucano convencional, liberal, ele considera o Estado um importante fator desenvolvimentista.
A sra. tem mencionado que há no Brasil uma certa estadolatria, mas que há ""limites estruturais"" para uma política mais estatizante. O que significa isso?
A gente tem limites estruturais porque não tem capacidade de investimento. A taxa de investimento do Estado brasileiro é muito baixa, ele depende da iniciativa privada. Eu gosto de citar uma história: já tivemos um presidente, o Juscelino, que inaugurou uma cidade! De uns 15 anos para cá, o presidente inaugura sala de espera de aeroporto. Não consegue mais fazer, sozinho, uma Itaipu. Arrecada-se demais, quase 40% do PIB, e gasta-se mais ainda. Investir fazendo manobras contábeis? Isso tem limite. Proclamam a criação de grandes coisas, mas é só gogó. A gente sabe que as privatizações feitas dificilmente serão revertidas, o governo não tem como recomprar as empresas, como mantê-las.
Há quem diga, também, que não há mais o que privatizar.
Se a gente tivesse uma sociedade que suportasse mesmo um processo de privatizações, e um partido que levasse isso à frente, haveria muito o que privatizar. Toda a saúde, toda a Previdência, como fez o Chile, por exemplo. Mas temos uma sociedade com vocação para gostar do Estado. Há, sim, uma estadolatria. E o projeto político tem de se adaptar ao que essa sociedade quer.
As antigas oligarquias estão sumindo? Existe um novo arranjo no poder, entre o Estado, as grandes corporações e as estruturas sindicais?
Acho que se pode dizer que estamos passando por um processo de novas oligarquias, uma nova oligarquização do País. Não vemos mais o coronelismo descarado da Primeira República, agora há uma certa convergência de empresários, banqueiros e sindicatos de trabalhadores em torno de projetos do governo. Mas é bom lembrar que há oligarquias também na oposição. Quanto aos empresários, leve-se em conta que eles são pragmáticos, o que querem é que tratem bem as suas empresas.
Isso é obra do presidente Lula?
Vale a capacidade do presidente, sim, para construir essa aliança. Mas isso é possível porque o Brasil vive um momento de expansão, de novos negócios, uma internacionalização de seu empresariado - um processo que começou nos anos 90. E, pelo lado dos trabalhadores, é por uma questão ideológica, o Lula faz uma política benéfica para os sindicatos. Mas as propostas fortes dele, de reforma sindical, trabalhista, foram abandonadas em 2004, quando ele legalizou as centrais sindicais. Não se toca mais nesse assunto e em troca de tudo os sindicatos não fazem mais contestações. Agora, esse amplo acordo funciona enquanto todo mundo estiver ganhando. Na hora em que uma parte se sentir lesada, isso acaba.
Getúlio Vargas fez, em seu tempo, uma grande arrumação política. Que comparação se pode fazer entre Lula e ele?
Acho que o governo Lula está mais próximo de Fernando Henrique do que de Getúlio. Este se marcou por inovações, uma política trabalhista, por inaugurar direitos - embora não inaugurasse todos. O Lula tem um vínculo, é parte disso, mas não criou uma legislação importante, um novo modelo de desenvolvimento. A gente continua patinando em juros altos. O Lula está mais próximo de FHC no sentido em que este marca o momento em que o Brasil mudou.
Mudou em que sentido?
Com FHC o governo brasileiro deixou de lado essa história de que o Estado podia ser desenvolvimentista. Não podia, estava falido. Inaugurou uma era econômica mais voltada para o mercado, agora tem de negociar com ele. O fato é que a Era Vargas, do ponto de vista da economia, acabou. Pode até renascer, mas por enquanto não renasceu.
O lulismo vai continuar sem Lula?
Isso é futurologia. Acho que o lulismo, para existir como fenômeno histórico, vai ter de esperar um pouco mais. Eu sei que o getulismo existe porque ele passou no teste do tempo, da história. Vamos ver a imagem e a popularidade de Lula fora do poder. O lulismo hoje é associado a transferência de renda, não a um conjunto de políticas sociais expressivas.
A senhora partilha do receio de que um eventual governo Dilma possa estimular práticas mais autoritárias?
No Brasil, algumas pessoas acreditam que o Estado é melhor que a sociedade. Isso é parte da plataforma da esquerda mais tradicional. Mas essa é uma opinião em meio a muitas outras. O que temos a nosso favor no Brasil de hoje é uma grande vitalidade da opinião publica. Instituições fortes que, apesar de tudo, em momentos mais críticos levantam a voz.
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'Num país sério, seria um escândalo'
Marco Antonio Villa - O GLOBO
Entrevista Marco Antônio Villa
Marco Antonio Villa critica Lula pelo uso acintoso da máquina pública a favor de Dilma e contra senadores tucanos
Para o historiador Marco Antonio Villa, professor de ciências sociais da Universidade Federal de São Carlos, o uso da máquina do Estado na campanha da candidata Dilma Rousseff (PT) foi acintoso. Ele critica a postura do presidente Lula na campanha presidencial e o acusa de interferir até em questões regionais, como no caso de dois dos principais senadores tucanos, Tasso Jereissati (CE) e Arthur Virgílio (AM), que não se reelegeram. Villa afirma que Dilma foi uma candidata do bolso do colete de Lula e aponta falhas na campanha do PSDB.
Tatiana Farah
O GLOBO: O senhor acha que houve uso da máquina?
MARCO ANTONIO VILLA: Estatal? Sem dúvida. Como nunca. Nunca na História deste país, como disse certa pessoa, a máquina estatal foi tão utilizada. Inclusive abandonando a agenda de trabalho. Nas últimas sextas-feiras, ele (o presidente Lula) abandonou a agenda e as funções administrativas. Colocou-se em campanha de uma forma... Uma coisa é apoiar um candidato. É legítimo. Outra coisa é pôr a máquina estatal, ministérios, secretários, os 25 mil cargos de nomeação direta ou indireta a serviço da candidata oficial. Até as universidades públicas. Há dias, o reitor da UFRJ deu declaração favorável (a Dilma). Não é um país sério, é um país de Macunaímas. Se fosse um país sério, seria um escândalo. Não é por que a lei é omissa que você vai ter uma atuação política que fira a ética.
Mas nunca usaram a máquina antes?
VILLA: Desta forma, não. Mas não inauguraram o uso da máquina. Ele existe desde 1945. Mas nessas proporções, com o presidente fazendo discurso e dizendo que quer exterminar o adversário, eu nunca vi. O presidente se preocupa com a eleição de um adversário no Amazonas, no Piauí, no Ceará. Você transforma a grande política em questão pessoal. Não é por não gostar de um senador que vou dedicar parte de minha agenda a derrotá-lo, como no caso de Arthur Virgílio (PSDB-AM) ou Tasso Jereissati (PSDB-CE).
Foi o presidente quem derrotou esses senadores?
VILLA: Ele fez um esforço. No Ceará, foi claro. A questão que se coloca é um presidente sair pelo país fazendo campanha, usar a máquina dessa maneira. Ele prometeu fazer campanha depois do expediente e não cumpriu. O deslocamento (de Lula), quem paga?
O presidente deveria ter se licenciado?
VILLA: Essa é uma questão que Covas (Mario, governador de SP, morto em 2001) colocou na eleição de 1998. Temos de rever a lei. Sou favorável à reeleição. O eleitor, se gostou, tem o direito de reeleger. Mas a lei precisa ser aperfeiçoada. É injusta. Você pode ser candidato no cargo e seu adversário não pode. No caso da Presidência, se o adversário é um governador, precisa se desincompatibilizar. A lei precisa de aperfeiçoamento urgente.
Por que não a alteram?
VILLA: Porque depende do Congresso e há temas que não entram em pauta. Mas o Executivo, se quiser, faz. O Executivo aprova o que quer. Dilma, por exemplo, se for eleita, terá mais de três quintos da Câmara e do Senado. Portanto, tem quórum para aprovar o que quiser.
E isso o assusta?
VILLA: Claro. Eu vivi durante o regime militar, fui indiciado na Lei de Segurança Nacional, sei que não é muito agradável.
O senhor comparou esta eleição ao futebol de várzea?
VILLA: Tivemos um debate político rasteiro, decepcionante.
Os boatos contribuíram?
VILLA: Acho que não. De um lado, houve receio de se politizar as eleições. Há a ideia de se criar gerentes. Isso vem dos anos 1950. Adhemar de Barros batia nessa tecla: São Paulo precisa de gerente. O que falta é discutir política. Discute-se gerência quando o país é muito atrasado.
O uso da máquina colaborou com essa despolitização?
VILLA: Sim. Porque você coage os eleitores, impõe aos governadores apoiar a chapa oficial. Nós pensávamos que, com a urbanização do país, com a industrialização, os oligarcas seriam página virada. Ledo engano, doce ilusão. Nunca os oligarcas foram tão fortes como hoje. Identificase a política em alguns estados pelo nome de pessoas. Jader Barbalho, no Pará, Fernando Collor e Renan Calheiros, em Alagoas. A família Sarney, com dois representantes no Congresso, e um no Executivo estadual.
O senhor acha ainda pode haver uma virada na eleição?
VILLA: Tudo é possível. É como no futebol: só termina quando o juiz apita.
Em que José Serra errou?
VILLA: Ser candidato da oposição é muito difícil no Brasil.
Sim, mas isso não é erro.
VILLA: Houve um problema para estabelecer o arco de alianças. E houve muitos erros: o primeiro foi que (Serra) demorou para sair candidato. Dois: o partido não estava unido em torno da candidatura. Três: ao demorar muito, não conseguiu fazer alianças amplas nos estados.
A escolha do vice foi um problema?
VILLA: Sim. Demorou muito a sair a candidatura, porque você cria uma agenda negativa em torno do que é positivo. Esses fatores criaram um problema para estruturar o programa.
E Dilma, em que ela errou?
VILLA: Primeiro ela tem de levantar os braços para o céu por ter sido candidata. Ela é a candidata do bolso do colete do presidente, porque ele é candidato em 2014. Para ele, foi ótima a crise do mensalão, porque fez com que se livrasse dos rivais na direção do PT. Ele virou dono inconteste do partido. Ninguém mais se põe a ele. (Lula) estabeleceu as alianças que quis, e impôs pela goela abaixo do partido, sem ter oposição, a candidata Dilma. É o proprietário do PT, só falta registrar no cartório.
O uso da máquina terá peso em eventual vitória de Dilma?
VILLA: O uso da máquina é fundamental para uma vitória da Dilma. Agora, precisa ver como será a presidente Dilma. É um ponto de interrogação. O PMDB terá parcela considerável no governo, muito maior que hoje.
O governo de São Paulo também usou a máquina?
VILLA: Acho que depois do que eu vi na esfera federal... Falar que teve uso da máquina em São Paulo, acho que nem o Mercadante (candidato do PT ao governo) disse. Eventualmente pode ter tido uso em discursos.
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Entrevista Marco Antônio Villa
Marco Antonio Villa critica Lula pelo uso acintoso da máquina pública a favor de Dilma e contra senadores tucanos
Para o historiador Marco Antonio Villa, professor de ciências sociais da Universidade Federal de São Carlos, o uso da máquina do Estado na campanha da candidata Dilma Rousseff (PT) foi acintoso. Ele critica a postura do presidente Lula na campanha presidencial e o acusa de interferir até em questões regionais, como no caso de dois dos principais senadores tucanos, Tasso Jereissati (CE) e Arthur Virgílio (AM), que não se reelegeram. Villa afirma que Dilma foi uma candidata do bolso do colete de Lula e aponta falhas na campanha do PSDB.
Tatiana Farah
O GLOBO: O senhor acha que houve uso da máquina?
MARCO ANTONIO VILLA: Estatal? Sem dúvida. Como nunca. Nunca na História deste país, como disse certa pessoa, a máquina estatal foi tão utilizada. Inclusive abandonando a agenda de trabalho. Nas últimas sextas-feiras, ele (o presidente Lula) abandonou a agenda e as funções administrativas. Colocou-se em campanha de uma forma... Uma coisa é apoiar um candidato. É legítimo. Outra coisa é pôr a máquina estatal, ministérios, secretários, os 25 mil cargos de nomeação direta ou indireta a serviço da candidata oficial. Até as universidades públicas. Há dias, o reitor da UFRJ deu declaração favorável (a Dilma). Não é um país sério, é um país de Macunaímas. Se fosse um país sério, seria um escândalo. Não é por que a lei é omissa que você vai ter uma atuação política que fira a ética.
Mas nunca usaram a máquina antes?
VILLA: Desta forma, não. Mas não inauguraram o uso da máquina. Ele existe desde 1945. Mas nessas proporções, com o presidente fazendo discurso e dizendo que quer exterminar o adversário, eu nunca vi. O presidente se preocupa com a eleição de um adversário no Amazonas, no Piauí, no Ceará. Você transforma a grande política em questão pessoal. Não é por não gostar de um senador que vou dedicar parte de minha agenda a derrotá-lo, como no caso de Arthur Virgílio (PSDB-AM) ou Tasso Jereissati (PSDB-CE).
Foi o presidente quem derrotou esses senadores?
VILLA: Ele fez um esforço. No Ceará, foi claro. A questão que se coloca é um presidente sair pelo país fazendo campanha, usar a máquina dessa maneira. Ele prometeu fazer campanha depois do expediente e não cumpriu. O deslocamento (de Lula), quem paga?
O presidente deveria ter se licenciado?
VILLA: Essa é uma questão que Covas (Mario, governador de SP, morto em 2001) colocou na eleição de 1998. Temos de rever a lei. Sou favorável à reeleição. O eleitor, se gostou, tem o direito de reeleger. Mas a lei precisa ser aperfeiçoada. É injusta. Você pode ser candidato no cargo e seu adversário não pode. No caso da Presidência, se o adversário é um governador, precisa se desincompatibilizar. A lei precisa de aperfeiçoamento urgente.
Por que não a alteram?
VILLA: Porque depende do Congresso e há temas que não entram em pauta. Mas o Executivo, se quiser, faz. O Executivo aprova o que quer. Dilma, por exemplo, se for eleita, terá mais de três quintos da Câmara e do Senado. Portanto, tem quórum para aprovar o que quiser.
E isso o assusta?
VILLA: Claro. Eu vivi durante o regime militar, fui indiciado na Lei de Segurança Nacional, sei que não é muito agradável.
O senhor comparou esta eleição ao futebol de várzea?
VILLA: Tivemos um debate político rasteiro, decepcionante.
Os boatos contribuíram?
VILLA: Acho que não. De um lado, houve receio de se politizar as eleições. Há a ideia de se criar gerentes. Isso vem dos anos 1950. Adhemar de Barros batia nessa tecla: São Paulo precisa de gerente. O que falta é discutir política. Discute-se gerência quando o país é muito atrasado.
O uso da máquina colaborou com essa despolitização?
VILLA: Sim. Porque você coage os eleitores, impõe aos governadores apoiar a chapa oficial. Nós pensávamos que, com a urbanização do país, com a industrialização, os oligarcas seriam página virada. Ledo engano, doce ilusão. Nunca os oligarcas foram tão fortes como hoje. Identificase a política em alguns estados pelo nome de pessoas. Jader Barbalho, no Pará, Fernando Collor e Renan Calheiros, em Alagoas. A família Sarney, com dois representantes no Congresso, e um no Executivo estadual.
O senhor acha ainda pode haver uma virada na eleição?
VILLA: Tudo é possível. É como no futebol: só termina quando o juiz apita.
Em que José Serra errou?
VILLA: Ser candidato da oposição é muito difícil no Brasil.
Sim, mas isso não é erro.
VILLA: Houve um problema para estabelecer o arco de alianças. E houve muitos erros: o primeiro foi que (Serra) demorou para sair candidato. Dois: o partido não estava unido em torno da candidatura. Três: ao demorar muito, não conseguiu fazer alianças amplas nos estados.
A escolha do vice foi um problema?
VILLA: Sim. Demorou muito a sair a candidatura, porque você cria uma agenda negativa em torno do que é positivo. Esses fatores criaram um problema para estruturar o programa.
E Dilma, em que ela errou?
VILLA: Primeiro ela tem de levantar os braços para o céu por ter sido candidata. Ela é a candidata do bolso do colete do presidente, porque ele é candidato em 2014. Para ele, foi ótima a crise do mensalão, porque fez com que se livrasse dos rivais na direção do PT. Ele virou dono inconteste do partido. Ninguém mais se põe a ele. (Lula) estabeleceu as alianças que quis, e impôs pela goela abaixo do partido, sem ter oposição, a candidata Dilma. É o proprietário do PT, só falta registrar no cartório.
O uso da máquina terá peso em eventual vitória de Dilma?
VILLA: O uso da máquina é fundamental para uma vitória da Dilma. Agora, precisa ver como será a presidente Dilma. É um ponto de interrogação. O PMDB terá parcela considerável no governo, muito maior que hoje.
O governo de São Paulo também usou a máquina?
VILLA: Acho que depois do que eu vi na esfera federal... Falar que teve uso da máquina em São Paulo, acho que nem o Mercadante (candidato do PT ao governo) disse. Eventualmente pode ter tido uso em discursos.
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Votando hoje
JOÃO UBALDO RIBEIRO - O ESTADO DE SÃO PAULO
Minha primeira lembrança política é de um comício comunista, em noite muito remota, na Praça Pinheiro Machado, em Aracaju. Nossa casa ficava na praça e meu pai resolveu que ia dar uma espiada e me levar com ele.
Não lembro oradores, só lembro uma aglomeração de silhuetas agitadas, em frente ao palanque armado sobre o coreto.
Ficamos pouco tempo, mas me impressionei com o coro dos participantes, repetindo o que para mim soou como "luí-cálu-pré!", "luí-cálu-pré!", "luícálupré!". Apesar do medo de que ele me remetesse ao dicionário e, a depender da veneta, me mandasse copiar o verbete com boa letra, perguntei o que queria dizer aquilo.
- Não é luí-cálu-pré - respondeu o velho. - É Luís Carlos Prestes.
Desta vez receando que fosse alguém cujo nome eu devesse ter decorado de algum livro, não perguntei de quem se tratava, apenas assenti com a cabeça, imitando os gestos dos adultos.
Ele ainda acrescentou que aquilo era um comício, um comício dos comunistas, mas eu não quis abusar da sorte e novamente não me arrisquei a fazer perguntas. Mais tarde, fui ao dicionário (um Laudelino Freire descomunal, em cinco volumes maiores que tijolos), ver secretamente o significado de comunista, li-o várias vezes, não entendi, fechei o livro e não disse nada a ninguém, para esconder a vergonha.
Algum tempo depois vieram as eleições presidenciais e minha vida política não mudou muito. Foi a primeira vez em que torci pelo resultado de uma eleição, embora deva confessar que por uma questão de conveniência. O velho, já político pessedista, ficou, é claro, com o candidato de seu partido, Cristiano Machado. Mas minha mãe, embora não militante, era getulista - "queremista", como se dizia na época - e, como a mais vantajosa aliança doméstica era com ela mesmo, acho que mais ou menos vendi meu voto e juntos saímos vitoriosos.
Ainda mais ou menos nessa época, tive os primeiros contatos com o processo eleitoral, na casa de meu avô, em Itaparica. Meu avô era coronel do tempo em que Itaparica era interior mesmo e as eleições uma produção complexa, que requeria o concurso de diversos especialistas, sob a direção logística de minha avó, respeitada como a pessoa mais valente da família e comandante férrea de um batalhão de cabos eleitorais.
A festa da democracia era caprichada e, nos dias próximos às eleições, já estavam organizadas as mesas de refeições em rodízio contínuo, o pessoal do empréstimo de sapatos, do empréstimo de ternos (alguns eleitores só admitiam votar de paletó e gravata) e demais petrechos eleitorais. Antes, já se haviam acumulado meses de trabalho, sobretudo no frequentemente penoso ensinamento de como desenhar a assinatura, porque analfabeto não podia votar e era preciso providenciar um jeitinho de superar essa odiosa discriminação.
Tinha gente que levava mais de um ano para aprender o desenho, embora minha avó, que sempre professou ser "da realidade", comentasse que, com almoço e janta de graça todo dia, Ruy Barbosa não ia passar da cartilha.
Hoje, com tudo isso já envolto na bruma do tempo e da memória distante, as coisas certamente mudaram. Terei mudado eu, já mais coroa que o desejável, e mudaram as eleições. Não há mais minha avó e seus esquadrões eleitorais.
Os marqueteiros são diferentes e, no máximo, podem ser acusados de manipulação, mas nunca de comandar diretamente o eleitor. Também não há mais coronéis e, embora mande a verdade reconhecer que os esquemas de sapatos, dentaduras e correlatos ainda existem, somos, afinal, um país moderno, livre desses velhos vícios.
Mas houve mesmo mudanças e, se houve, estamos melhor agora? Talvez, mas me ocorrem novamente as reformas, elas sempre me ocorrem, quando penso no Brasil. Todos aparentemente concordam em que o país precisa de reformas. Não são mais chamadas, como antigamente, de reformas de base, mas não se discute sua necessidade e talvez apenas se debatam prioridades, entre a fiscal, a política, a judiciária e outras, fáceis de arrolar. Contudo, só se fala nelas de raspão e, na campanha agora encerrada, elas não mereceram atenção, a não ser passageira. As reformas continuarão a ser algo em que se fala, não algo que se faz. Será que não precisamos mais delas? Nenhum dos candidatos ofereceu uma visão do futuro, um projeto, uma vocação nacional, um plano coerente de ação, nem mesmo um símbolo ou um slogan, como os "50 anos em 5" de JK, que pelo menos tinha uma força inspiradora e aglutinadora. Ouviram-se deles arrolamentos de providências, como se a tarefa do governo não passasse de ir tocando uma série de medidas pontuais, uma aqui, outra lá, sem integração numa estrutura orgânica, que deixasse claro para onde se pretende que rume a sociedade. Qual a face programática, qual, por assim dizer, a filosofia de governo que se pretende adotar o eleitor não sabe, ou se sabe, é por meios particulares ou adivinhação, pois dos candidatos é que ele não ouviu senão afirmações genéricas e vagas, fáceis de dizer e com as quais qualquer um concorda, como educação de qualidade para todos, inclusão social, melhor distribuição de renda, segurança e assim por diante.
Tanto assim que é bem ilustrativo um comentário feito pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, num programa de televisão. Com um risinho, ele observou que as diferenças entre os candidatos são na verdade muito pequenas.
Não está havendo, observou ele, disputa por uma causa, mas apenas uma disputa pelo poder. Ele deve saber do que está falando. Não vamos hoje, de jeito nenhum, escolher o quê, isso já era. Vamos apenas escolher quem. Entendo aquele que achar úni-dúni-tê um bom critério.
*JOÃO UBALDO RIBEIRO é escritor.
A falta de mão de obra especializada e as oportunidades de carreira
Fernando Trevisan
A falta de mão de obra especializada e as oportunidades de carreira
Pesquisa da Fundação Dom Cabral com as 76 maiores empresas do Brasil mostrou que 67% delas têm dificuldades para preencher vagas
26/10/2010 19:50
Para um país crescer economicamente a uma taxa superior a 5% de forma continuada, são necessários dois pilares: infraestrutura adequada e mão de obra preparada. O Brasil precisa enfrentar esses dois desafios para aproveitar as condições favoráveis que nos permitirão, finalmente, almejar um salto qualitativo como nação.
Essa demanda por profissionais qualificados pode significar excelente oportunidade para aqueles que souberem se capacitar corretamente e focar nos setores mais carentes de pessoal.
Encontrar profissionais qualificados para projetos de expansão tem sido aparentemente complicado para as empresas. Pesquisa recente da Fundação Dom Cabral com as 76 maiores empresas do Brasil mostrou que 67% delas têm enfrentado dificuldades para preencher suas vagas.
O Sistema Nacional de Empregos do Ministério do Trabalho e Emprego registrou que 39% das vagas ofertadas pela rede pública de agências, em 2009, não foram preenchidas. Esse foi o índice mais alto dos últimos anos, o que significa que em 1,7 milhão de vagas não foram encontradas pessoas qualificadas para a função. Isso em um País em que, apesar de ter taxa de desemprego em queda, ainda possui cerca de 8 milhões de pessoas sem emprego.
Essa dificuldade só deve aumentar, já que o mercado de contratações parece que continuará bastante aquecido, principalmente na América do Sul. Pesquisa da PriceWaterhouseCoopers com 194 presidentes de empresa do continente indicou que 41% delas pretende aumentar a quantidade de profissionais neste ano, sendo que 12% querem elevar em mais de 8% o quadro de profissionais, a maior taxa do planeta.
Se há necessidade de contratações e as empresas não estão encontrando gente adequada, espera-se que os salários desses poucos qualificados sejam relativamente maiores. O professor Naercio Menezes Filho, do Insper, porém, identifica que esse fenômeno salarial não está ocorrendo. Com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Naercio mostra que os salários de quem possui Ensino Superior, e, portanto, é mais qualificado, está 150% acima de quem apenas concluiu o Ensino Médio, como era de se esperar.
A questão é que essa taxa tem declinado, já que ela era de 160% seis anos atrás. Na visão dele, isso demonstra que há mais gente qualificada sendo ofertada no mercado do que a demanda de contratações.
As razões para essa situação aparentemente contraditória podem ser:
• faltam profissionais qualificados em alguns setores e sobram em outros;
• pessoas qualificadas não se encontram na localidade em que há necessidade;
• há carência de profissionais com pós-graduação, já que a diferença salarial de quem tinha mestrado e doutorado em relação aos bacharéis passou de 40% em 1992 para 70% em 2008.
Essa é uma discussão ampla e complexa no Brasil e que está apenas começando. O que se pode concluir é que alguns setores, como construção civil, nutricionismo e farmacêutico, estão claramente com mais dificuldades de preencher suas vagas.
As indústrias naval e de petróleo e gás são outras que precisarão de muitos profissionais para dar conta dos projetos ligados ao Pré-Sal. Além disso, todo serviço que tiver relação com o setor esportivo tende a crescer muito com os investimentos para a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016, que ocorrerão no Brasil.
Por fim, esse cenário confirma que, quanto mais qualificado maior o reflexo no seu salário, principalmente para quem alcança uma pós-graduação. A eventual carência de profissionais qualificados é um problema bom e impensável alguns anos atrás, mas, ainda assim, não deixa de ser preocupante. Assim, cabe ao profissional atento transformá-lo em oportunidades de desenvolvimento de carreira.
A falta de mão de obra especializada e as oportunidades de carreira
Pesquisa da Fundação Dom Cabral com as 76 maiores empresas do Brasil mostrou que 67% delas têm dificuldades para preencher vagas
26/10/2010 19:50
Para um país crescer economicamente a uma taxa superior a 5% de forma continuada, são necessários dois pilares: infraestrutura adequada e mão de obra preparada. O Brasil precisa enfrentar esses dois desafios para aproveitar as condições favoráveis que nos permitirão, finalmente, almejar um salto qualitativo como nação.
Essa demanda por profissionais qualificados pode significar excelente oportunidade para aqueles que souberem se capacitar corretamente e focar nos setores mais carentes de pessoal.
Encontrar profissionais qualificados para projetos de expansão tem sido aparentemente complicado para as empresas. Pesquisa recente da Fundação Dom Cabral com as 76 maiores empresas do Brasil mostrou que 67% delas têm enfrentado dificuldades para preencher suas vagas.
O Sistema Nacional de Empregos do Ministério do Trabalho e Emprego registrou que 39% das vagas ofertadas pela rede pública de agências, em 2009, não foram preenchidas. Esse foi o índice mais alto dos últimos anos, o que significa que em 1,7 milhão de vagas não foram encontradas pessoas qualificadas para a função. Isso em um País em que, apesar de ter taxa de desemprego em queda, ainda possui cerca de 8 milhões de pessoas sem emprego.
Essa dificuldade só deve aumentar, já que o mercado de contratações parece que continuará bastante aquecido, principalmente na América do Sul. Pesquisa da PriceWaterhouseCoopers com 194 presidentes de empresa do continente indicou que 41% delas pretende aumentar a quantidade de profissionais neste ano, sendo que 12% querem elevar em mais de 8% o quadro de profissionais, a maior taxa do planeta.
Se há necessidade de contratações e as empresas não estão encontrando gente adequada, espera-se que os salários desses poucos qualificados sejam relativamente maiores. O professor Naercio Menezes Filho, do Insper, porém, identifica que esse fenômeno salarial não está ocorrendo. Com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Naercio mostra que os salários de quem possui Ensino Superior, e, portanto, é mais qualificado, está 150% acima de quem apenas concluiu o Ensino Médio, como era de se esperar.
A questão é que essa taxa tem declinado, já que ela era de 160% seis anos atrás. Na visão dele, isso demonstra que há mais gente qualificada sendo ofertada no mercado do que a demanda de contratações.
As razões para essa situação aparentemente contraditória podem ser:
• faltam profissionais qualificados em alguns setores e sobram em outros;
• pessoas qualificadas não se encontram na localidade em que há necessidade;
• há carência de profissionais com pós-graduação, já que a diferença salarial de quem tinha mestrado e doutorado em relação aos bacharéis passou de 40% em 1992 para 70% em 2008.
Essa é uma discussão ampla e complexa no Brasil e que está apenas começando. O que se pode concluir é que alguns setores, como construção civil, nutricionismo e farmacêutico, estão claramente com mais dificuldades de preencher suas vagas.
As indústrias naval e de petróleo e gás são outras que precisarão de muitos profissionais para dar conta dos projetos ligados ao Pré-Sal. Além disso, todo serviço que tiver relação com o setor esportivo tende a crescer muito com os investimentos para a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016, que ocorrerão no Brasil.
Por fim, esse cenário confirma que, quanto mais qualificado maior o reflexo no seu salário, principalmente para quem alcança uma pós-graduação. A eventual carência de profissionais qualificados é um problema bom e impensável alguns anos atrás, mas, ainda assim, não deixa de ser preocupante. Assim, cabe ao profissional atento transformá-lo em oportunidades de desenvolvimento de carreira.
As vinte propostas presidenciáveis
Cheque as propostas dos presidenciáveis para 20 setores
FOLHA DE S. PAULO
20 perguntas para Dilma e Serra
FOLHA DE S. PAULO
20 perguntas para Dilma e Serra
SÃO PAULO - Os candidatos Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) responderam, por e-mail, às perguntas enviadas pela Folha. Eles dizem o que pretendem fazer em áreas como saúde, segurança, ambiente e política externa.Entre as propostas, há mais semelhanças do que diferenças, como se observa nas respostas a respeito de economia. Porém, algumas discordâncias saltam à vista, como nas opiniões sobre a remuneração extra para professores.
SAÚDE
1 - O que o(a) sr.(a) pretende fazer para elevar a participação do PIB em despesas com saúde?
DILMA "Se eleita, vou construir no meu governo a estrutura definitiva do SUS, o que requer financiamento compatível com suas necessidades. Vou apoiar a regulamentação da emenda constitucional nº 29* para fixar novos patamares de vinculação da receita e definir o que são ações e serviços públicos de saúde. Promoveremos maior equidade na distribuição dos recursos federais e estaduais para a saúde utilizando critérios epidemiológicos, de rede instalada, renda per capita, IDH e outros para corrigir as desigualdades."
SERRA "Regulamentar a emenda constitucional nº 29*. Isto não vai resolver inteiramente o problema de financiamento da saúde, mas é um passo importantíssimo para aumentar os recursos no SUS." *trecho da Constituição que determina como e quanto o poder público deve investir em saúde
2 - Pretende eliminar subsídios para os planos de saúde privados, hoje da ordem de R$ 14 bilhões, como forma de buscar mais recursos para a área da saúde?
DILMA "Aprimorar a capacidade de regulação do Estado brasileiro sobre os diversos setores econômicos da saúde é um de meus objetivos centrais. Em relação aos planos de saúde, além de garantir a prestação de serviços com grau de qualidade adequada aos usuários, um grande desafio será efetivar o ressarcimento dos procedimentos realizados nos usuários de planos e seguros de saúde no âmbito do SUS."
SERRA "Não. Eliminar esse benefício de abater as despesas com saúde no imposto de renda não vai resolver a questão do financiamento da saúde. Porém, no nosso governo, vamos retomar o encaminhamento do reembolso que os planos de saúde devem ao sistema público."
3 - Mais da metade dos municípios brasileiros ainda não dispõem de equipes de Saúde da Família. O que vai fazer para atingir essas localidades?
DILMA "A universalização do Programa Saúde da Família é uma das propostas centrais de meu programa de governo", afirma a candidata. "Vamos apoiar os municípios neste processo, o que requer financiamento compatível e ações para resolver os vazios assistenciais que ainda existem no país. Vamos adotar estratégias como o serviço civil. Vamos levar os médicos aos municípios com carência desse profissional por meio de incentivos, associados à anistia de financiamento estudantil e outros. Ampliaremos o número de bolsas de residência no Norte, no Nordeste e no Centro-Oeste."
SERRA "Investir pesado nos recursos humanos e criar um novo modelo de financiamento para a área", diz o candidato do PSDB. "Uma das principais causas desse problema é a dificuldade de encontrar médicos e enfermeiras dispostos a trabalhar na rede pública. Os pequenos municípios, em particular, não têm condições, não somente financeiras, para contratar os profissionais. Junto com os governos estaduais, nós vamos construir alternativas para superar essa dificuldade de recursos humanos, inclusive com nova modalidade de financiamento federal."
BOLSA FAMÍLIA
4 - O(a) sr.(a) defende um período máximo de permanência das famílias no programa? Defende ainda uma política de reajuste anual do valor do benefício com base na inflação?
DILMA "A legislação do Bolsa Família prevê que, a cada dois anos, seja refeito o cadastro para verificar a permanência ou não da família no programa. Mas não há nem deve haver um prazo único para a permanência, já que a situação de pobreza e exclusão social resulta de um conjunto de fatores que se alteram em ritmo diferenciado para cada família."
SERRA "Não. O Bolsa Família já é uma conquista nacional, que tem origem no PSDB. E tem que ser entendido como uma política universal de garantia de renda para quem não consegue gerar o mínimo para sobreviver. Nesse sentido, não cabe estabelecer prazo", diz o tucano. "O mesmo deve ser dito sobre o reajuste. O importante é auxiliar a pessoa necessitada."
5 - É a favor do voto distrital (na sua forma pura ou mista, conhecida como "distrital e proporcional")?
DILMA "A reforma política deve ser definida com a sociedade e com suas expressões organizadas por meio do Congresso Nacional. Terá como objetivo dar maior consistência à representação popular e aos partidos, eliminando as distorções que ainda cercam os processos eleitorais. Ela deve fortalecer as instituições ao mesmo tempo em que as aproxima da cidadania. O formato final será tanto melhor quanto mais amplo for o diálogo entre as forças políticas e sociais envolvidas."
SERRA "Sou a favor do voto distrital misto. Temos uma proposta, já em 2012, de dividir todos os municípios com mais de 200 mil eleitores em distritos para a eleição de um vereador em cada distrito. Com isso, o custo de campanha deve ser reduzido, no mínimo, em cinco vezes, porque o candidato não terá que percorrer toda a cidade, e o eleitor votará escolhendo entre cinco ou seis concorrentes", diz. "Dessa forma, o eleitor exercerá maior controle sobre o candidato eleito, o que confere mais força para a sociedade."
EDUCAÇÃO
6 - O(a) sr.(a) vai aumentar o percentual do PIB destinado à educação? Para quanto?
DILMA "Garantir educação de qualidade para todos os brasileiros requer dar continuidade à expansão dos recursos disponíveis. No governo Lula, dobramos o Orçamento do Ministério da Educação em termos reais. Darei continuidade a esse processo, tendo como meta alcançar 7% do PIB para a educação em 2014."
SERRA "Sim. Esse aumento do percentual do PIB destinado à educação vai refletir o esforço nacional -e não apenas federal- em relação aos investimentos na área, inclusive os do setor privado e das famílias. Os gastos públicos incluem o que vem da União, dos Estados e municípios. Esses últimos são responsáveis pela maior parte, já que são os mantenedores das redes de escolas públicas de educação infantil e ensino básico", diz o candidato. "Mais do que discutir a questão levando em conta o volume em relação ao PIB, nosso governo definirá políticas que aumentem o esforço nacional em relação aos investimentos educacionais."
7 - É a favor ou contra dar remuneração extra ao professor, de acordo com o desempenho dele?
DILMA "A valorização do professor é central para alcançarmos educação de qualidade. Essa valorização requer salários dignos e capacitação continuada. Devemos perseguir a implementação do piso salarial nacional do magistério e sua elevação ao longo do tempo. Prêmio por desempenho não é salário."
SERRA "[A remuneração extra] é uma alternativa importante, calcada no princípio de que, quanto melhor for o desempenho e quanto mais os alunos aprenderem, maior será a remuneração do professor. Isso deve ser feito ao lado da valorização profissional dos professores e da estruturação de planos de carreira."
8 - É a favor de uma lei que obrigue as instituições de ensino superior a adotar cotas para negros? E para alunos de escola pública?
DILMA "O Estatuto da Igualdade Racial, que entrou em vigor recentemente, prevê a implementação de políticas afirmativas para que o Brasil continue diminuindo a desigualdade que historicamente nos marcou. As instituições de ensino superior têm autonomia para definir o mecanismo mais adequado para perseguir esse objetivo maior e contribuir para a redução da desigualdade de oportunidades no país."
SERRA "Algumas universidades federais adotam as cotas raciais. Outras, as sociais, que parecem refletir melhor a realidade social e étnica da população brasileira. Essa diversidade de estratégias é rica e promove a inclusão desejada. Na minha opinião, os mecanismos devem ser aperfeiçoados, sempre levando em conta a autonomia de cada uma das universidades e a realidade regional na qual elas estão inseridas", afirma o candidato do PSDB. "O trabalho em educação deve ser orientado para que a escola pública tenha uma boa qualidade e a política de cotas não seja necessária."
9 - É favorável à unificação das polícias Civil e Militar dos Estados?
DILMA "É absolutamente necessária a integração das polícias estaduais no que diz respeito à sua formação, ao compartilhamento de informações e à construção compartilhada de seu planejamento operacional. A integração das polícias supera a questão da unificação, uma vez que proporciona um resultado mais eficaz da sua atuação, que é o necessário para que a população brasileira tenha mais segurança."
SERRA "A existência das duas polícias é constitucional e, para repensar o modelo, é preciso alterar o artigo 144 da Constituição. Nosso esforço será o de fazê-las trabalharem juntas, compartilhando treinamento e informações. Em SP, os cursos superiores de polícia já são integrados: compartilham os dados do Infocrim e sentam mensalmente, juntas, para analisar as informações em busca de ações integradas", diz. "Aumentar os recursos, aprimorar a tecnologia e melhorar a gestão das polícias, bem como as condições de trabalho e formação dos policiais, pode ser mais relevante do que promover a unificação."
10 - O Brasil contabiliza cerca de 45 mil vítimas de homicídios por ano. Entre os mais jovens, o país é o número 1 em mortes violentas. O que pretende fazer para diminuir esses números?
DILMA A candidata ressalta "uma série de políticas públicas implementadas pelo governo federal, como a política de controle de armas de fogo, o fortalecimento de políticas de segurança de caráter preventivo e políticas de inclusão social". Acrescenta ela: "Continuaremos a implementação e fortaleceremos essas políticas, mas também ampliaremos o investimento na repressão qualificada da criminalidade, com foco na investigação e no esclarecimento dos crimes, a fiscalização das fronteiras, além de implantar UPPs e Territórios da Paz em todo o país."
SERRA "Uma das medidas principais é a criação do Ministério da Segurança Pública. Ampliaremos a política de desarmamento, o combate ao contrabando de armas ilegais e ao tráfico de drogas, que tem grande responsabilidade pelas mortes de jovens no Brasil. Para isso, é preciso criar uma polícia especializada em fronteiras e controlar para valer a entrada de contrabando. Outra vertente importante será a valorização das polícias e dos policiais, da parceira com E stados e municípios para que todos os órgãos de segurança pública trabalhem efetivamente integrados."
AMBIENTE
11 - Está pronto para ir ao plenário da Câmara o substitutivo Rebelo para modificação do Código Florestal, criticado por anistiar crimes de desmatamento. Qual será sua primeira providência para sustar esse processo (ou acelerá-lo, se for a favor) no Congresso?
DILMA "O projeto ainda está em tramitação no Congresso e entendo ser desejável a construção de um amplo consenso. Não serão admissíveis propostas que reduzam áreas de reserva legal e preservação permanente, embora seja necessário inovar em relação à legislação em vigor. Sou totalmente contrária a qualquer anistia para desmatadores."
SERRA "Por razões político-eleitorais, essa discussão, de relevância inquestionável, não deveria ser concluída neste ano. O Código Florestal merece ampla avaliação, junto com a sociedade, e com a participação efetiva de todas as partes envolvidas." Para o candidato, há três pontos centrais a serem considerados: 1) "o conceito de bioma, que precisa ser aprofundado. Essa definição necessita de discussão técnica e cuidado para construir um marco regulatório que, por um lado, não beneficie uns em detrimento de outros, e, por outro, não resulte no prejuízo do meio ambiente do país como um todo"; 2) "a idade das propriedades. Algumas possuem zonas antigas de produção que já se desenvolveram ao longo dos anos. O governo vai fazer o quê com elas?"; 3) "existe também a questão das matas ciliares, se entram ou não nas reservas".
12 - No setor de energia, o planejamento para suprir as próximas décadas toma por base crescimento anual de 5% do PIB e depende excessivamente de grandes hidrelétricas com problemas de licenciamento ambiental, caras e com viabilidade econômica discutível, como Belo Monte. Qual é a alternativa?
DILMA "Um legado fundamental do governo Lula para os quatro anos do próximo mandato é a contratação de 100% da oferta necessária para atender à demanda de energia elétrica no Brasil nesse período, com o país crescendo a taxas de 7% ao ano. Se eleita, darei continuidade à gestão eficiente do PAC, para que as obras licitadas sejam concluídas dentro do cronograma", diz a candidata. "A prioridade para a fonte hidrelétrica é desejável, pois ela possui o menor custo de produção e permite manter nossa matriz energética como a mais limpa do mundo. Sabemos que parte expressiva do potencial a aproveitar se encontra no bioma amazônico, o que requer atenção especial para que o nosso desenvolvimento não gere impactos significativos no ambiente, em terras indígenas ou em unidades de conservação."
SERRA "O Brasil pode fazer usinas hidrelétricas na Amazônia, desde que faça bem, avaliando a sua viabilidade do ponto de vista ambiental e econômico", afirma. "É preciso elaborar uma política que leve em consideração e estimule as vantagens comparativas das diferentes regiões. Por exemplo, a geração a bagaço de cana em São Paulo e as eólicas no Nordeste." O candidato propõe uma agenda para o setor, que inclui "solução para as renovações das concessões de geração, transmissão e distribuição de forma a recuperar a segurança jurídica para investidores"; "novas usinas de energia nuclear"; "diversificação da matriz elétrica"; "reestruturação empresarial do setor com o Estado assumindo a direção e roteiro do programa da consolidação do setor", entre outras medidas.
POLÍTICA EXTERNA
13 - O(a) sr.(a) é favorável à entrada da Venezuela no Mercosul?
DILMA "É do interesse do Brasil que a Venezuela ingresse no Mercosul, pois estamos falando de um país amazônico e vizinho, com o qual compartilhamos uma fronteira de mais de 2.000 km. Além disso, a adesão da Venezuela dará vértebra sul-americana ao Mercosul, que irá da Terra do Fogo ao Caribe. Com isso, estará superada a falsa ideia de que o Mercosul só interessa às regiões Sul e Sudeste. As vantagens auferidas com a abertura do mercado venezuelano vêm beneficiando os setores produtivos de Roraima, Pará, Amazonas, Pernambuco e Bahia, além dos nossos Estados com maior tradição em comércio exterior."
SERRA "Do ponto de vista estratégico, a entrada da Venezuela no Mercosul é positiva para o Brasil. O grupo comercial se estenderá do norte da América do Sul até a Patagônia. A Venezuela é uma das três ou quatro maiores economias da região e um dos grandes produtores de petróleo no mundo", defende. "O problema não é a Venezuela, mas o atual presidente, Hugo Chávez. Chávez manifestou-se publicamente contra o Mercosul, tem uma agenda externa que não é a nossa e não está cumprindo nem o que havia prometido aos membros do Mercosul ao assinar o Protocolo de Adesão."
14 - Pretende assinar o Protocolo Adicional do Tratado de Não Proliferação Nuclear? Por quê?
DILMA "O Brasil, como membro do Tratado de Não Proliferação, já está sujeito aos mecanismos de supervisão que asseguram os fins pacíficos de seu programa nuclear. Dispomos, ainda, de mecanismos adicionais próprios: temos uma cláusula constitucional que limita o uso da energia nuclear apenas para fins pacíficos e, junto com a Argentina, mantemos, desde 1991, uma agência bilateral de contabilidade e controle de materiais nucleares."
SERRA "Negociaremos os termos do protocolo com a Agência Internacional de Energia Atômica. Não cabe recusar sem negociar. Se estiver em conformidade com o interesse do país, poderemos reexaminar a atual posição sobre o assunto; caso contrário, não assinaremos. A política nuclear será mantida, respeitados os princípios da Constituição. Procuraremos ampliar a capacitação do Brasil na exploração e no enriquecimento do urânio para fins comerciais."
15 - Pretende mudar a relação com regimes autoritários ou ditaduras, como as de Irã, China, Cuba e Arábia Saudita?
DILMA "A diplomacia de um ator que se pretende global -como o Brasil- tem de ser universalista. Mantemos contatos diplomáticos com países de todas as regiões, os credos e as origens. Não nos calamos diante do que consideramos errado. Exprimimos nossas discordâncias, com vigor, se necessário", diz a candidata do PT. "Mas nunca deixamos de dialogar. Diálogo político, cooperação e uma diplomacia silenciosa são meios mais eficientes para promover a democracia e os direitos humanos."
SERRA "O atual governo ignora nossos valores permanentes, como democracia e direitos humanos, ao defender interesses ideológicos ou comerciais de curto prazo, como ficou evidente recentemente no apoio irrestrito aos governos do Irã e de Cuba", afirma. "Em nosso governo, continuaremos a manter relações políticas e comerciais com todos os países, mas não silenciaremos na defesa dos valores que defendemos internamente, como democracia, liberdade de imprensa e direitos humanos."
ECONOMIA
16 - O que fará para deter a tendência de desvalorização excessiva do real ante o dólar?
DILMA "Observa-se uma depreciação do dólar frente a muitas moedas, em especial dos países emergentes que se encontram em situação econômica mais favorável, incluído o Brasil. Nosso ritmo de crescimento, em contraste com os EUA e as grandes economias europeias, é fator de valorização do real. Movimentos especulativos tendem a crescer muito nesses períodos, com o uso indiscriminado de derivativos", diz a candidata, que defende atuação, "nos fóruns internacionais, pela implantação de mecanismos que regulamentem melhor os mercados financeiros". No plano local, ela prevê a manutenção de "políticas de constituição de reservas que evitem grande volatilidade. Mas defendo a política de câmbio flutuante e não pretendo estabelecer metas para o câmbio".
SERRA "O mais importante é que o governo tenha posição firme no câmbio e que haja coordenação entre as diferentes instituições que são relevantes para o mercado cambial. BNDES, BB, Ministério da Fazenda, Ministério do Planejamento e Banco Central precisam atuar em conjunto e limitar a propensão e a capacidade de especuladores agirem contra a moeda", afirma. "O par juro-câmbio é essencial para a política econômica e uma paulatina queda dos juros é alavanca muito importante para o país deter a apreciação cambial."
17 - Uma reforma tributária deve reduzir a proporção atual entre a arrecadação e o PIB, mantê-la ou elevá-la?
DILMA "O principal foco da reforma tributária é simplificar e racionalizar a arrecadação de impostos. Avançamos muito nos últimos anos, com desonerações e ampliação de sistemas tributários simplificados, como o Super Simples", afirma. "Ainda assim, as empresas brasileiras gastam muito tempo e recursos para pagar impostos, e o governo também gasta muito tempo e recursos para arrecadar e fiscalizar os impostos. Minha proposta prioriza o aumento na eficiência produtiva. Alguns impostos podem e devem ser reduzidos, como a contribuição sobre a folha de pagamentos para a Previdência, sobre alimentos, serviços públicos essenciais, remédios e investimentos."
SERRA "É necessário reduzir a carga tributária bruta, que é justamente o quociente entre as receitas públicas e o PIB. Mas não precisamos esperar a situação ideal, que seria a reforma, para avançar em aspectos do nosso sistema que são muito perversos para as empresas instaladas no Brasil", diz o tucano. "A desoneração de setores que hoje apresentam preços proibitivos por obra da estrutura tributária é urgente. Esse é o caso do saneamento e da energia elétrica. Ao mesmo tempo, é crucial que as exportações sejam desoneradas de tributos como ICMS e PIS/Cofins que hoje geram créditos de morosa recuperação por parte das empresas exportadoras."
18 - Que gastos devem ganhar espaço no Orçamento e quais devem perder?
DILMA "O investimento público em infraestrutura e habitação aumentará ainda mais, com o PAC 2 e o Minha Casa, Minha Vida 2. Também pretendo direcionar mais recursos para saúde, educação e segurança, contendo o crescimento das despesas de custeio não prioritárias. Por fim, os programas sociais serão mantidos, mas devido ao crescimento da economia, o seu peso no Orçamento tende a ficar estável."
SERRA "Os gastos sociais ganharão espaço. Notadamente, os recursos aplicados em saúde e educação, além dos relativos a segurança. A abertura de espaço no Orçamento será realizada com uma rigorosa avaliação do gasto terceirizado que não vem apresentando resultados positivos, dos programas de governo que se sobrepõem e de ações caracterizadas pelo neoclientelismo petista."
19 - O que o governo deve fazer para deter o aumento do deficit nas transações de bens e serviços com o exterior?
DILMA "Temos que ampliar e diversificar nossas exportações, o que faremos reduzindo o custo de produzir no Brasil. Vou continuar investindo em nossa infraestrutura e simplificando nossa tributação. Também vamos agilizar a devolução dos créditos tributários, melhorar as condições de financiamento e reduzir as taxas de juros para nossas empresas. Mais importante, intensificaremos a política de desenvolvimento produtivo, sobretudo para estimular ainda mais os setores de serviços, de produtos manufaturados e de ciência e tecnologia."
SERRA "No dia 2 de janeiro, colocaremos em prática uma nova política externa, focada, principalmente em nossas relações comerciais. Essa estratégia comercial envolverá: a adequação das questões tributárias da exportação, a redução de preços de insumos gerais como energia, petróleo e gás, medidas sobre os encargos setoriais, valoração correta de mercadorias importadas e apoio à inovação."
20 - Qual é a política de reajuste do salário mínimo adequada para um mandato presidencial inteiro?
DILMA "É aquela que dê previsibilidade aos agentes econômicos, ao Orçamento e, principalmente, que promova o aumento do poder de compra. A atual política permitiu elevar substancialmente o valor real do salário mínimo. Por isso vou manter a política de reajustes anuais de acordo com a inflação e com o crescimento real da economia. Essa política é sustentável do ponto de vista fiscal."
SERRA "O mínimo de R$ 600, já no primeiro ano de mandato, em 2011, é uma indicação de que o piso dos rendimentos deverá ter uma expressiva evolução real durante o nosso governo", afirma ele. "Fazê-lo sem um fortalecimento da produção de bens foi um grande erro da gestão Lula. Erro que resulta em vazamento de fatores indutores do crescimento para o setor externo e deterioração de nossa balança comercial."
REMUNERAÇÃO EXTRA AO PROFESSOR
"A valorização [dos professores] requer salários dignos e capacitação continuada. Devemos perseguir a implementação do piso salarial nacional do magistério e sua elevação ao longo do tempo. Prêmio por desempenho não é salário"
DILMA ROUSSEFF
"Alternativa importante, calcada no princípio de que, quanto melhor for o desempenho e quanto mais os alunos aprenderem, maior será a remuneração do professor. Isso deve ser feito ao lado da valorização profissional dos professores"
JOSÉ SERRA
RELAÇÃO COM REGIMES AUTORITÁRIOS
"Não nos calamos diante do que consideramos errado. Exprimimos nossas discordâncias (...) mas nunca deixamos de dialogar. Diálogo político, cooperação e uma diplomacia silenciosa são meios mais eficientes para promover a democracia e os direitos humanos"
DILMA ROUSSEFF
"Em nosso governo, continuaremos a manter relações políticas e comerciais com todos os países, mas não silenciaremos na defesa dos valores que defendemos internamente, como democracia, liberdade de imprensa e direitos humanos"
JOSÉ SERRA
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