domingo, 24 de outubro de 2010

Colcha de retalhos

Uma importante análise sobre nosso atual sistema eleitoral.
Não admira continuarmos elegendo pessoas despreparadas sem o controle do eleitor.
Produzimos, por contumaz omissão, o que há de pior para cuidar de nossos destinos.


FOLHA DE S. PAULO

É preciso reformular a confusa legislação eleitoral do país, que cerceia a livre manifestação e contradiz direitos constitucionais

A legislação que regulamenta as eleições no Brasil é uma colcha de retalhos. Tem por base o Código Eleitoral de 1965, criado pelo regime militar, ao qual se acrescentam determinações da Constituição Federal, da Lei das Eleições, de 1997, e de um extenso rol de atos normativos.
Além da prolixidade desse conjunto de regras, é patente seu espírito de tutela sobre o eleitor, tratado como incapaz de distinguir os seus interesses e carente de cuidados e proteções.
O bom senso já de início é atropelado quando se determina um período "oficial" de campanha. Antes de julho, não se permite aos candidatos expressar o que ninguém mais ignora -o fato de estarem à caça de votos.
Mais grave é que muitas das restrições impostas pela legislação -e pelas variadas interpretações que dela faz a Justiça Eleitoral- ferem o direito constitucional à liberdade de expressão.
Casos dessa contradição surgiram nas campanhas deste ano. Lembre-se, por exemplo, a famigerada proibição a emissoras de rádio e TV de "ridicularizar" candidatos, "bem como produzir ou veicular programa com esse efeito" -medida que, até ser revogada na reta final do primeiro turno, censurou a sátira política no país.
Na última semana, novos impedimentos foram determinados pela Justiça. Proibiu-se a distribuição de panfletos contrários ao PT e a circulação de uma revista com conteúdo favorável à candidata Dilma Rousseff. Os impressos haviam sido encomendados pela Diocese de Guarulhos, em um caso, e produzidos por entidade sindical, no outro.
A legislação veda "a partidos e candidatos receber, direta ou indiretamente, doação em dinheiro ou estimável em dinheiro" procedente de igrejas e sindicatos. O motivo é que essas entidades -como outras citadas pela legislação- se beneficiam de recursos públicos.
Como é notório, esse modelo de financiamento cria uma zona cinzenta entre o Estado e as organizações da sociedade civil. No caso dos sindicatos -que se sustentam com a contribuição compulsória de todo assalariado- a situação é aberrante, tornando essas entidades uma presa fácil do aparelhamento político-partidário.
É disto, evidentemente, que se trata no caso das publicações sindicais a favor de Dilma. Todavia, não cabe ao Estado, agora por meio do Poder Judiciário, sobrepor nova ingerência a um assunto que diz respeito, essencialmente, à relação entre os trabalhadores e a direção de sua entidade.
Panfletos e revistas, embora "estimáveis em dinheiro", para usar os termos da lei que embasou sua proibição, são meios pelos quais sindicatos ou quaisquer outras entidades exercem seu direito de manifestar opiniões.
Compreende-se e é pertinente o intuito do legislador de evitar o abuso econômico e assegurar condições equânimes na disputa. É preciso porém reconhecer que problemas inerentes à legislação, muitas vezes agravados pelo desigual entendimento de juízes e tribunais, têm contribuído para cercear a expressão do pensamento.
Cumpre portanto reformar e simplificar as normas que regulam as campanhas políticas, tarefa a que já se propõe o Congresso Nacional, ao criar uma comissão de reforma do Código Eleitoral, que ainda dá os primeiros passos. Assegurar a lisura do processo eleitoral e garantir aos candidatos um tratamento isonômico são objetivos que devem ser perseguidos com mais sensatez, sem ofensa às garantias constitucionais.

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