terça-feira, 26 de outubro de 2010

KPC - a negligência que mata

Correio Braziliense


O surto de infecções causadas pela superbactérica KPC (Klebsiella Pneumoniae Carbapenemase) tem uma só causa: a imprevidência %u2014 da sociedade, de gestores hospitalares e de autoridades sanitárias. A primeira peca pela condenável cultura da automedicação. Os segundos, pela negligência com cuidados básicos de higiene. As últimas, por permitirem a venda indiscriminada de antibióticos (apenas se alertando para a questão depois de verem a morte campear por UTIs e leitos de isolamentos) e relaxar a vigilância sobre as casas de saúde. 

O KPC é uma bactéria comum, encontrada no sistema digestivo. Com o abuso no uso de antibióticos pelo brasileiro, se tornou resistente e hoje responde a apenas três tipos do medicamento. Na nova forma, foi detectada pela primeira vez no Brasil em 2005, na capital pernambucana. Surgiu em Brasília este ano e logo multiplicou-se em progressão geométrica. Não foi difícil isso acontecer em hospitais notórios pela recorrente carência nas mais elementares necessidades. Faltam inclusive produtos essenciais de assepsia, como álcool gel e gaze estéril. 

Portas arrombadas, a emergência tira da letargia os que deveriam cuidar todo o tempo de prevenir o pior. Acelera-se e aperfeiçoa-se a elaboração do Plano Nacional de Microagentes Multirressistentes. Um dos pontos é que os hospitais assumam a responsabilidade de comunicar às autoridades a ocorrência de infecção por superbactéria. Ao mesmo tempo, normas mais rígidas para a venda de antibióticos entram em estudo. É como se tivesse acabado de ser descoberta a necessidade de adotar tolerância zero com micro-organismos capazes de matar pessoas.

A capacitação de pessoal, a manutenção de número de servidores compatível com as necessidades, a conservação de ambiente salubre e o pleno abastecimento de medicamentos e de material médico-hospitalar, por exemplo, jamais serão satisfatórios se não forem rotineiros. Negligenciar essas providências é desprezar a vida. E pôr em risco a vida e a saúde de alguém é caso de polícia. Falta, portanto, definir com clareza toda a rede de responsabilidades, de modo que a sociedade saiba a quem e contra quem recorrer diante da indiferença do Estado ou mesmo de instituições privadas indiferentes com cuidados básicos em setor vital. 

É estarrecedor que quase duas dezenas de pessoas tenham morrido e quase duas centenas se infectado com o KPC este ano no Distrito Federal. A taxa de mortalidade entre pacientes com infecção causada pela superbactéria é superior a 70%. E o controle da transmissão não exige mais do que o básico. Não seria necessário dobrar medidas de segurança se as mínimas não fossem descuidadas. Para prevenir a doença, basta que todos em contato com pacientes debilitados após grandes cirurgias ou em recuperação em UTIs lavem bem as mãos, as desinfetem com álcool e usem máscaras, luvas, toucas, calçados adequados e aventais esterilizados.
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