quinta-feira, 28 de outubro de 2010

De reis e plebeus

Cláudio de Moura Castro
Veja - 25/10/2010


Como disse o filósofo Santayanna, quem não aprende as lições da história está condenado a repetir os erros do passado. Certo, mas o que nos ensinaria a longínqua Suécia do século XIX? A partir de 1800, aquele país viveu um período de crises, guerras e perda de metade do seu território. Isso levou à deposição do rei Adolfo Gustavo IV. Sobe ao trono o tio, Carlos XIII, mas este envelhecia, sem deixar herdeiros. Na linha da sucessão estava o príncipe de Holstein, um parente próximo. Desastrado, caiu do cavalo e morreu, deixando a Suécia órfã de herdeiros. Quem sucederia ao trono? Cogitou-se um príncipe dinamarquês, mas o nome não emplacou. No vácuo da consanguinidade, poderia ser um nobre sueco, algum príncipe europeu ou - por que não? - um amigo do rei. Mas não foi nada disso.

Em 1764, nasceu na cidade de Pau (França) Jean Baptiste Bernadotte, filho de um pequeno burocrata local. Jovem ainda, alistou-se na Marinha, mudando logo para o Exército, onde entrou como soldado raso. Virou sargento e envolveu-se em guerras na Córsega. Em Marselha, salvou a vida do seu comandante. Na sequência de campanhas, desabrocham seus talentos militares, e ele chega a general aos 26 anos. Foi nomeado embaixador em Viena e, mais adiante, ministro da Guerra. Cedo, era o general de Napoleão mais brilhante e independente. Os dois trocavam caneladas, mas se respeitavam e evitavam confrontos maiores que pudessem prejudicar suas carreiras.

O casamento com Desirée, ex-amante de Napoleão, parece haver ajudado a aparar as arestas de duas personalidades ambiciosas. Ao longo de sua carreira, com sucesso, guerreou os prussianos, italianos, austríacos e ingleses. Teve também momentos delicados, mas sempre foram reconhecidos seus talentos para liderar as tropas, organizar campanhas e suas táticas para engajar os inimigos. Com 40 anos, foi promovido a marechal. Com o passar do tempo, amadureceram seus talentos como grande estrategista e diplomata hábil. Ao vencer os prussianos, liberou e tratou com grande consideração um grupo de prisioneiros suecos. Sem que pudesse saber, isso mudou o seu destino.

Com esse invejável currículo, ocorreu ao barão sueco K. Moermer uma ideia considerada lunática: convidar Bernadotte para ser o herdeiro da coroa sueca. Plebeu? Com certeza. Competente? De longe um dos grandes militares da Europa. Marechal de França, um país hostil à Suécia? Sem dúvida. Contudo, mais uma razão para forjar uma aproximação diplomática.

Quando consultado, Bernadotte gostou da ideia. Afinal, tinha suas vaidades. Não é todo dia que bate à porta um visitante perguntando ao dono da casa se quer virar rei. Inicialmente, havia que vender a ideia ao Parlamento sueco e ao próprio rei. É óbvio, houve relutâncias. Mas logo se perceberam o alcance da ideia e o peso do candidato. Foi assim que um plebeu, guindado a marechal de França, foi ungido herdeiro do trono da Suécia, com o pleno apoio do rei e da sociedade.

À medida que o rei perdia suas energias, Bernadotte foi assumindo as rédeas do poder - aliás, intimidade com o poder não lhe faltava. Combate habilmente para recuperar as fronteiras, anexa a Noruega e negocia uma paz vantajosa em vários fronts. Com a morte do Monarca, em 1817, assume a coroa, como Carlos XIV. Graças às suas habilidades diplomáticas e militares, ele conduz o país em um longo período de estabilidade e prosperidade. Desde então, seus descendentes ocuparam o trono da Suécia.

Neste ano, comemora-se o bicentenário de sua escolha para herdeiro da coroa. Aplausos para as lideranças suecas de então, que mostraram muito discernimento e grandeza, buscando em toda a Europa o melhor sucessor para um rei sem filhos. Diante da volatilidade da situação militar, buscaram um grande general. Diante do futuro do país, um estadista cada vez mais maduro. A ironia do destino é que, na sua juventude, era um antimonarquista ferrenho. Só com sua morte foi revelada uma antiga tatuagem que a ninguém mostrava: "Mort aux róis” (morte aos reis).

Como estamos em momento de sucessão, comparemo-nos com a Suécia de dois séculos atrás. Será que o atual governante brasileiro buscou o melhor sucessor, agindo com a mesma isenção, lucidez e grandeza? Será que a sociedade brasileira buscará na trajetória de cada candidato indicações seguras de competência e liderança?
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