Fenômeno ou conceito eminentemente midiático, o lulismo não forma um conjunto de idéias claras e muito menos fundamentadas. Não se sabe precisamente os valores que o norteiam e sendo assim ele pode vocalizar aquilo que bem lhe aprouver conforme seus interesses momentâneos. Na “Carta aos brasileiros” de 2002 defendeu a estabilidade econômica que chamava de neoliberal; hoje mobiliza instrumentalmente uma retórica estatista para ganhar votos.
O lulismo não é um movimento social embora sua principal figura tenha emergido de um sindicalismo ascendente que depois ultrapassou todos os limites do chamado “sindicalismo de resultados” para ancorar no puro pragmatismo, inteiramente soldado e dependente do Estado. Somado a isso, na sua figuração plebéica, o lulismo se fia nos votos dos beneficiários do Bolsa Família, atualizando o mais puro paternalismo que alicerçou historicamente as elites brasileiras, que demagogicamente critica dia sim e outro também.
Alçado ao governo em 2002, o lulismo chega a 2010 com uma identificação visível: pós-ideológico, ele é personificação em estado líquido, estado da natureza política no qual as formas não se definem em momento algum. Em sua ainda breve trajetória, o lulismo se configurou como um ator político a partir de uma narrativa cumulativa e permanente de êxitos atribuídos a Lula, independentemente da sua aferição. Uma narrativa exitosa que não pode ser compartilhada com outros atores, sob pena de solapar a crença mitológica no líder. Impedido de pleitear um terceiro mandato, Lula se candidatou por interposta pessoa, uma candidata apresentada como a representação viva e figurativa dessa narrativa.
O lulismo só pode operar com êxito num clima de criação ou invenção da unanimidade ou em situações tendente a ela, na qual a oposição tem que ser residual ou deve ser “exterminada”. Tal como outros personalismos conhecidos, o lulismo não foi feito para enfrentar situações constrangedoras nas quais vêm à tona críticas e questionamentos. Opera bem a partir da blindagem do seu principal protagonista, não importando o custo que tenha isso.
Em síntese, o lulismo não é uma construção democrática precisamente porque se estrutura à base do personalismo mais estreito, recusa o pluralismo e o fortalecimento de instituições republicanas. Ele não se entende como parte e sim como única representação dos setores sociais que a seu juízo são os segmentos mais necessitados do país. Não cogita que a unanimidade é impossível como norma ou devir da política democrática nas sociedades complexas.
Cego a essa lição fundamental, o lulismo paira como um espectro negativo sobre os destinos da nossa jovem democracia. Nesta campanha eleitoral fica claro que nem a ética e nem o apreço à verdade podem ser consideradas como patrimônio seu, mesmo que em pequeno grau, numa situação inversamente proporcional ao aparelhamento da maquina pública, ao cinismo como padrão discursivo e ao inquietante uso da violência contra seus adversários, sempre vistos como inimigos a serem calados ou eliminados.
Nascido do petismo, o lulismo é a única narrativa sobre o país que os brasileiros conhecem como o pensamento único. Não faz parte do seu ser a idéia de que um projeto coletivo deve ser construído com o concurso de sujeitos autônomos e ativos advindos da sociedade civil e que encontrem na sociedade política, ou seja, no Estado, um espaço de consensos republicanos representados por instituições cada vez mais sólidas.
Alberto Aggio (professor de História da UNESP-Franca)
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