domingo, 24 de outubro de 2010

O pai da oposição

Alberto Dines - JORNAL DO COMMERCIO (PE)

O presidente Lula sabe que está indo longe demais ao transformar-se em candidato virtual à própria sucessão. Enredou-se de tal forma à campanha, atropelou tão ostensivamente os rituais e códigos que já não é apenas marqueteiro sênior, cabo-eleitoral-mor ou alter ego da sua preferida.

Mergulhou de cabeça na disputa confiando na boa estrela, na sua infinita capacidade de desarmar armadilhas e restaurar a imagem. Sabe que aos vencedores tudo se perdoa e já está pronto a exibir uma humildadezinha aqui, um rasgo de generosidade acolá, certo de que logo o país estará novamente galvanizado em torno da sua popularidade.

Acontece que mesmo os otimistas estão pessimistas. O estresse é visível, o país está sendo submetido a uma inaudita tensão que contraria a sua natureza e anestesia os seus atributos. E mesmo que o presidente Lula saia moralmente vitorioso da disputa, a eventual sucessora não tem o fôlego, o carisma, a experiência, a paciência e até a vocação para desarmar os espíritos e suturar as rupturas que se produziram no último semestre.

Lula vai palpitar caso Dilma seja a vencedora, já avisou. Mas o Brasil não é a Rússia, impensável a hipótese de se reproduzir aqui, ainda que disfarçadamente, o esquema Putin-Medvedev.

O presidente Lula é um genial improvisador, toca de ouvido admiravelmente, mas existem situações, sobretudo as situações-limite, em que partituras são indispensáveis. Bússolas também. A pretendida polarização plebiscitária escolhida como núcleo da sua estratégia saiu pela culatra. O presidente foi avisado, preferiu não ouvir as vozes da prudência.

Ganhou em 2002 quando acenou com a soma e a união. Agora, acelerado, escolheu como símbolo e ícone o rolo compressor, Queria esmagar a oposição quanto mais rápido melhor não se contentava em desmoralizá-la ou vencê-la. Foi o seu erro, não contava com as leis da dinâmica e da dialética.

O presidente Lula forjou uma oposição com a mesma onipotência que pretendia arrasá-la. Vitoriosa ou não nas urnas está liberada das táticas e promessas eleitorais de curto prazo. Não estará ocupada em distribuir o butim, contentar os incontentáveis e saciar os insaciáveis. Terá tempo para agrupar-se em torno de plataformas mínimas, aparar divergências, descartar excrescências e servir-se das drásticas mudanças na conjuntura internacional para cobrar mais eficácia.

Terá uma invejável coleção de nomes e uma sólida base na porção mais desenvolvida do território nacional. E, além disso, está fadada a herdar do atual governo uma bandeira que ele não quer ou não tem condições de empunhar: moralidade administrativa. A nova classe média criada pela prosperidade da Era Lula será a primeira e a mais exigente cobradora de novos costumes na vida pública. Isto compreende o fim da impunidade. Complicações à vista.

O presidente Lula esperneou, mas teve que engolir o segundo turno. Na pior das hipóteses terá que resignar-se a entrar para a história como o pai de uma oposição ferida e briosa.

» Alberto Dines é jornalista

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