terça-feira, 26 de outubro de 2010

A revolução dos velhos

JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Um projeto de lei do governo de Nicolas Sarkozy, que eleva a idade mínima para aposentadoria em apenas dois anos – de 60 para 62, e de 65 para 67 para a aposentadoria integral – e acaba de ser aprovado pelo Senado, tem provocado uma onda de protestos e greves na França, com repercussões na economia do país. As imagens de Paris tomada pela multidão mexem com o imaginário europeu e mundial, mas o estopim da reforma previdenciária se alastra é no descontentamento dos franceses com o viés conservador do presidente. Os sindicatos aproveitaram a indignação provocada pelo projeto para atacar Sarkozy, rotulado de “presidente dos ricos” e classificado como inflexível no diálogo. Sua indisposição para a conversa pode ter sido um dos motivos que levaram o apoio social inicial a se transformar em oposição às reformas. O presidente que investiu no conceito da coragem passou a ser visto como arrogante.
No entanto, a questão central dos recentes levantes – com majoritária participação juvenil – é a silenciosa revolução demográfica que se observa nas últimas décadas em todo o planeta, e não somente na Europa. É a revolução dos velhos que está causando celeuma. Uma revolução que já se faz sentir por aqui, no Brasil, pressionando as finanças e os políticos pela reforma da previdência. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a população acima de 60 anos saltou de 7,9% em 1992 para 11,4% em 2009. Pelas projeções do Ipea, daqui a duas décadas, as únicas parcelas da população que irão aumentar serão aquelas com mais de 45 anos de idade. Será a revolução dos velhos em sua fase áurea – com os efeitos positivos e preocupantes que isso trará para a sociedade brasileira. Precisamos encarar o envelhecimento com novos olhos, e discutir a questão previdenciária levando em conta a expectativa de vida e a ampliação da capacidade de trabalho em uma nova realidade. A revisão da idade mínima para se aposentar, que enfurece os franceses, é um dos temas que precisam ser tratados pelo Congresso desde já.
As contas previdenciárias não fecham quando a base de contribuições do sistema de aposentadoria e benefícios não suporta o total de recursos concedidos – ou seja, quando passa a sair mais dinheiro do que entrar, vai chegar uma hora em que o déficit não se sustenta. É com o buraco no orçamento que os governos do mundo inteiro se deparam diante da situação previdenciária, que se encontra na pauta de urgência de praticamente todas as nações. Ou se altera o modelo que configura a retribuição do Estado pelo trabalho realizado – e impostos pagos – pelos indivíduos ao longo da vida, ou restam poucas alternativas à medida da elevação da faixa etária mínima de aposentadoria. Medida impopular, porém de lógica irretocável: se as pessoas estão vivendo mais, podem trabalhar mais. O desequilíbrio nessa conta, vinculado à redução de contribuições, inviabiliza o sistema. No Brasil, o déficit da Previdência este ano está em R$ 40 bilhões, dos quais R$ 9 bilhões somente em setembro. Mas o ministro Carlos Eduardo Gabas garante que o déficit de 2010 não ultrapassa R$ 44,5 bilhões. “Estamos aprendendo com o erro dos outros”, afirmou Gabas, referindo-se à crise previdenciária europeia, sobretudo na França e na Inglaterra.
Na França, a estratégia do presidente foi acelerar os trâmites parlamentares para levar o projeto o mais cedo possível para votação. Além da revisão da idade mínima, a proposta tem o objetivo de equilibrar as colunas de despesa e receita do orçamento francês até 2018. Para tanto, pretende estimular a contratação de pessoal acima dos 55 anos, elevar a cobrança de impostos dos mais ricos e do setor público, e ampliar os benefícios para os desempregados e as mulheres. A demora na apreciação lançaria mais lenha na fogueira dos manifestantes, de acordo com a ótica governista. O presidente se mostra irredutível em seu propósito: “Levarei a reforma da aposentadoria a termo, pois o meu dever como chefe de Estado é garantir aos franceses e seus filhos que poderão ter uma aposentadoria", afirmou Sarkozy, dando prioridade ao futuro agindo no presente.

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