terça-feira, 26 de outubro de 2010

Crescimento ancorado no consumo explica importação

Valor Econômico - 25/10/2010

O total importado pelo Brasil saltou 210% em apenas dez anos. O valor importado pelo país passou de US$ 55 bilhões em 2000 para US$ 169 bilhões nos últimos 12 meses, caminhando para a marca de US$ 180 bilhões no ano todo, segundo as estimativas dos analistas econômicos.

Parcela desse salto deve-se à aceleração do crescimento econômico, devido a uma mudança dos padrões de consumo (pois parte dos bens importados não conta com similar nacional), mas a maior parte deve-se à ampliação do mercado interno, impulsionado pela expansão do mercado de trabalho - que registrou saldo de 16,2 milhões de vagas formais criadas na década, até setembro de 2010 - e do crédito às famílias. Esse ritmo, que não deve se alterar em 2011, não é de todo ruim. Esta é a avaliação da professora Maria Antonieta Del Tedesco Lins, da USP.

"Podemos viver a vida inteira assim, embora não seja o ideal", diz Maria Antonieta, mestre em administração pública e doutora em economia das empresas pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Segundo a economista, "algo precisa ser feito para ampliar ainda mais os investimentos, especialmente nos setores industriais de maior conteúdo tecnológico", embora ela não entenda que seja "de todo mal" exportar commodities. "É confortável exportar commodities, algo que precisa ser incentivado a continuar, uma vez que mantêm nosso balanço de pagamentos". São os dólares que entram oriundos das exportações de commodities, diz ela, que ajudam o país a pagar pelas importações.

"Todo país que cresce passa a importar mais, é inevitável. No caso o brasileiro estamos importando ainda mais porque estamos inseridos num modelo que combina elevação de renda das famílias com câmbio valorizado, além de uma brutal elevação do crédito público", diz.

O aumento das importações é uma das causas do aumento do déficit brasileiro no comércio com o mundo. O saldo positivo de US$ 40 bilhões em 2007 caiu para um superávit de US$ 24,8 bilhões em 2008, e deve ficar próximo a US$ 15 bilhões este ano. Nos mesmos 10 anos, as exportações expandiram-se quase no mesmo ritmo (230%), mas sua composição ficou mais pobre, com menos manufaturados.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista ao Valor:

Valor: Como a sra. avalia o atual ritmo do PIB, superior a 7%?

Maria Antonieta Del Tedesco Lins: Trata-se de um crescimento muito interessante e sem dúvida que pode se sustentar. Não em torno de 7%, porque o que vemos em 2010 é, também, um efeito estatístico, uma vez que a base de 2009 é muito baixa. Mas os condicionantes estão colocados e são firmes, como o aquecimento do mercado de trabalho e da renda, a crescente concessão de crédito, a estabilidade de preços e o interesse dos estrangeiros em investir no Brasil.

Valor: As importações não estão crescendo muito rapidamente?

Maria Antonieta: Não vejo problemas com as importações. Estamos numa situação bem diferente hoje, quer dizer, não é possível vislumbrar um problema no balanço de pagamentos que nos impossibilite de pagar por essas importações crescentes. Além disso, sempre que um país cresce, as importações aumentam, é até inevitável. No caso brasileiro importamos ainda mais porque estamos inseridos num modelo que combina elevação de renda das famílias com câmbio valorizado, além de uma brutal elevação do crédito público.

Valor: E quanto à redução das exportações de manufaturados?

Maria Antonieta: Tudo indica que não estamos passando por desindustrialização. A própria indústria demanda muitos bens de capital importados, que ajudam a ampliar a capacidade produtiva do parque industrial. Passamos por um forte incremento dos investimentos entre o fim de 2009 e o início deste ano, então não se pode dizer que há desindustrialização. Precisamos, é claro, que algo seja feito para ampliar ainda mais os investimentos, especialmente nos setores industriais de maior conteúdo tecnológico. Não podemos só exportar commodities, mas computadores também.

Valor: Para combater a crise, o governo ampliou a concessão de crédito público e isentou diversos setores industriais de impostos, além de ampliar o salário mínimo. Entramos num modelo centrado no mercado interno?

Maria Antonieta: Sem dúvida. E isso ocorreu por uma combinação entre as circunstâncias, que não nos deixaram muitas alternativas, e a ação do governo, que teve muito mérito no combate à crise. Os economistas podem até discutir o custo fiscal das medidas, mas o Brasil acertou mesmo. A redução do IPI para automóveis, eletrodomésticos da linha branca, móveis e materiais de construção foi algo muito importante para a indústria, que se refletiu na alta dos investimentos até o início de 2010, enquanto valiam os incentivos. Além disso, a brutal concessão de crédito público, por meio do Banco do Brasil e da Caixa, e da política agressiva de financiamentos concedidos pelo BNDES foram fundamentais. O Brasil nunca teve a possibilidade de desenvolver o crédito por causa da elevada inflação, é algo que começou agora.

Valor: É possível continuar assim?

Maria Antonieta: Podemos viver assim a vida inteira, embora não seja o ideal. O ideal seria incentivarmos mais o investimento e tentarmos solucionar a questão do câmbio, que vai continuar se apreciando, uma vez que os juros externos são muito baixos e aqui são altos, além do mercado de capitais e da economia em expansão. É uma loucura para as empresas brasileiras exportarem com esse câmbio, precisam fazer um esforço sobrenatural, mas é um pouco o preço que temos de pagar pelo modelo que escolhemos.

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