O Globo
O principal legado do presidente Lula no campo da política externa é o fortalecimento das parcerias do Brasil com outras potências emergentes, sobretudo os países do Bric.
O comércio com a China está em expansão.
Entrou em vigor um acordo de isenção de vistos entre Brasil e Rússia. As relações com a Índia nunca estiveram melhor. O Brasil está certo de querer forjar vínculos bilaterais mais estreitos com os gigantes asiáticos emergentes.
Mas, embora o Brasil deva fortalecer os vínculos individualmente, o próximo presidente brasileiro deve tomar cuidado para não levar a aliança Bric demais a sério. A marca melhorou a imagem do Brasil, mas juntar forças e apostar na importância estratégica da aliança não pode senão resultar em decepção.
A marca Bric, criada pelo banqueiro Jim ONeill, não vai sobreviver a longo prazo.
Que o acrônimo Bric tenha deixado de ser mero termo de investimento para se tornar uma realidade política não é sinal de presciência de ONeill. O triunfo da marca Bric e sua aceitação entusiástica até por parte de seus membros, apesar de suas inadequações, indicam o anseio não satisfeito das potências emergentes de compreenderem um mundo cada vez mais complexo, e que lugar nele lhes cabe.
O desafio de encontrar maneiras categóricas de entender o mundo tem precedentes. Historicamente, acadêmicos buscaram estabelecer distinções entre países ao classificálos por categorias e blocos organizados de acordo com diferentes variáveis.
Em 1946, Winston Churchill estabeleceu tal conceito quando introduziu a ideia da Cortina de Ferro.
Pouco depois, Alfred Sauvy cunhou o termo Terceiro Mundo, ajudando seres humanos a entenderem o sistema internacional.
Atualmente, esses modelos já não têm significado, e há muitas propostas para novas maneiras de se repensar a realidade geopolítica. Quando criou os Brics, ONeill estava apenas considerando aspectos econômicos; sendo assim, os países que ele escolheu eram muito heterogêneos. O Brasil e a Índia são duas democracias que ainda não estão plenamente estabelecidas na atual ordem mundial, enquanto a China e a Rússia, dois regimes não democráticos, são poderes estabelecidos desde 1945. Os quatro discordam sobre quase tudo, incluindo mudança climática, direitos humanos e a reforma da governança global.
Apesar de todos estes fatores, o termo Brics virou um conceito chave entre analistas. Os líderes do Brasil, da Índia, da Rússia e da China começaram a se referir a eles mesmos como membros do Bric. Em 2009, os presidentes Lula e Hu Jintao e os primeirosministros Medvedev e Singh encontraram-se em São Petersburgo para uma cúpula do Bric.
Por que os quatro líderes decidiram juntar-se e transformar a categoria de investimentos de ONeill em realidade política? O que mais os unia parecia ser seu interesse comum em mudar a maneira como o mundo era conduzido. Após o otimismo inicial e os grandes anúncios de uma nova ordem mundial, no entanto, os membros do Bric deram-se conta de que suas posições eram demasiadamente divergentes para concordarem sobre quaisquer medidas específicas. A categoria de ONeill é ampla demais para ser significativa.
O que o sucesso da marca Bric realmente mostrou é que os acadêmicos e investidores não são os únicos a buscar uma categoria que possa capturar a realidade. Chefes de Estado anseiam, igualmente, por uma maneira significativa de compreender o mundo. Os quatro líderes encontraramse em São Petersburgo essencialmente para experimentar a categoria que ONeill tinha inventado para eles. Em vez de apontar para as semelhanças, seu comportamento refletia o forte desejo de entender a que categoria eles pertenciam. Em um mundo de rápidas mudanças, onde parâmetros tradicionais tais como ocidente e oriente, norte e sul e rico e pobre já não orientam as potências emergentes, colocar o chapéu Bric foi apenas outro episódio, embora certamente não o último, na busca complexa de sua identidade e de seu lugar em um mundo que vão, em breve, dominar.
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