ZUENIR VENTURA
O GLOBO
Seguindo o sábio conselho do delegado Altair Queiroz, que acabou afastado por isso, eu evito passar pela Linha Vermelha durante a noite - aliás, nem durante o dia e isso não é de hoje. Faço o mesmo em relação aos bueiros, depois de mais uma explosão e o perigo de outras a qualquer momento. Também evito deixar água empoçada nas plantas com medo da dengue. De gatos então quero distância, mesmo não estando grávido, desde que li o impressionante testemunho de José Leon, uma pessoa confiável.
Em resposta a uma internauta, que alegava que só quem come cocô do animal corre o risco de pegar toxoplasmose, ele escreveu: "Não é verdade. Aos 18 anos, peguei toxoplasmose de um gato sem precisar comer suas fezes (...). Fiquei cego de um olho. Não tenho retina, nunca mais voltarei a enxergar dela." Portanto, não se trata de ouvir dizer.
Da mesma maneira, passo ao largo de cachorros no calçadão, depois que vi uma dessas feras, enorme, sem coleira, atacar um transeunte que caminhava calma e inadvertidamente. Por motivos que dispensam explicação, procuro não andar a pé de noite pelas ruas do meu bairro, e de todos os outros. Como na música de Chico Buarque, também chego a mudar de calçada quando vejo uma bicicleta vindo em minha direção porque sei que o seu objetivo é me atropelar. E agora evito alimentar conversa com estranhos ao telefone, pois me chamaram a atenção para o mais novo golpe na praça: um sujeito liga para sua casa, se identifica como policial, alega ter recebido ameaças de um telefone cujo número registrado no Bina é o seu, diz que sua linha foi clonada e sugere que você solicite reparo à sua operadora. No dia seguinte, vestido com uniforme da operadora, ele comparece à sua casa com um auxiliar. O que acontece depois é fácil imaginar. Segundo a denúncia, já seriam 108 casos na Zona Sul e 48 na Barra da Tijuca.
Não preciso falar que evito atravessar uma rua confiando apenas no sinal verde. Antes, olho para os dois lados, inclusive o da contramão. Me lembro do poeta Manuel Bandeira, que em situação parecida advertia: "Cuidado porque ele (o motorista) já nos viu." Enfim, estou evitando evitar todas essas coisas para não acabar paranoico.
Mal acabara de escrever tudo isso, quando soube do massacre na escola de Realengo. E aí foi impossível evitar a impotência e a revolta pelo que aconteceu. Em estado de choque como todo mundo, só consigo fazer perguntas, não encontro explicação, não vejo uma razão e não posso imaginar a dor dos pais e o trauma das crianças sobreviventes. Como todo mundo, só consigo repetir: e nós que nos achávamos livres desses desatinos, desses atos de insanidade que só aconteciam lá fora. Será um efeito perverso da globalização? É mais uma especulação. Apenas uma certeza: é preciso evitar esse acesso fácil às armas.
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